Buraco externo
Editorial
Folha de São paulo - 27/04/10
Deficit do país em suas transações correntes embute prejuízos que um ajuste "natural" da taxa de câmbio não remediará
O AUMENTO do deficit do país em sua conta corrente -que contabiliza transações de bens e serviços com o exterior- superou as expectativas do mercado, que já não eram positivas, em março passado.
Os números recém-divulgados indicam que o deficit acumulado nos últimos 12 meses atingiu US$ 31,3 bilhões. A persistir a trajetória atual, um resultado negativo da ordem de US$ 50 bilhões parece provável para 2010.
O saldo comercial, que contabiliza apenas a exportação e a importação de produtos, permanece positivo em US$ 23,3 bilhões nos 12 meses encerrados em março, compensando parte das despesas de serviços (entradas e saídas de lucros e dividendos, juros, fretes etc.), de US$ 57,8 bilhões no mesmo período.
Não se pode esquecer que esse bom resultado decorre dos elevados preços das matérias-primas, e não do crescimento dos volumes embarcados.
Há poucas semanas foi oficializado, por exemplo, o aumento de quase 100% no preço do minério de ferro, que deve adicionar até US$ 10 bilhões às exportações deste ano. Os termos de troca do país (preços das exportações em relação aos das importações) já superaram o patamar pré-crise nos últimos meses. Mas não é razoável contar com preços sempre crescentes.
Já os embarques de produtos manufaturados recuperaram, até março, muito pouco -menos de 25%- da queda de 2008. Os problemas são os de sempre: impostos altos, burocracia excessiva, logística problemática e câmbio valorizado, que diminuem a competitividade da indústria nacional em relação a outros países, sobretudo os asiáticos, os quais continuam a ampliar sua participação no mercado global.
Com isso o Brasil não adquire escala suficiente para incorporar tecnologia de ponta em diversos setores industriais.
Do lado das importações, o quadro é oposto. O crescimento da demanda doméstica provoca uma verdadeira explosão dos volumes importados, que já superam com larga margem os níveis anteriores à crise -em mais de 30% no caso de bens de consumo duráveis. Considerando que as remessas de serviços também serão crescentes, forma-se um quadro preocupante.
Não se trata de prever uma crise cambial, pois o Brasil tem reservas internacionais elevadas, o governo é credor em moeda estrangeira e o regime de câmbio é flutuante. E, até o momento, a entrada de capital externo tem sido mais do que suficiente para compensar o deficit em conta corrente, tanto que o Banco Central continua a acumular dólares.
Mas é importante reconhecer que há problemas com o atual modelo de crescimento, calcado em consumo sem a suficiente contrapartida de poupança interna e num deficit externo cada vez mais alto.
O presidente do BC está certo ao dizer que o mercado ajustará o câmbio em resposta aos saldos negativos nas contas externas. Mas nada garante que o ajuste ocorra sem antes impor graves prejuízos às empresas brasileiras e à capacidade de crescimento da economia nos próximos anos.
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