domingo, março 21, 2010

NAS ENTRELINHAS


Variáveis eleitorais

 Alon Feuerwerker
Correio Braziliense - 21/03/2010
 
Esta hora costuma ser espiritualmente boa para os candidatos, por terem conseguido superar a fase de “pré” e enxergarem estrada bonita pela frente. Não há político antecipadamente derrotado

Vai começar, agora para valer, a campanha presidencial que já começou faz tempo. Passados os treinos de preparação, apresentações, entrevistas coletivas, sem falar nas obrigatórias especulações sobre o design e o projeto de cada um, como ficou o grid?

Mais ou menos do jeito imaginado. Há uma candidatura na oposição com cerca de um terço dos votos, uma na situação com o mesmo tanto, talvez ainda algo atrás, e uma outsider a pendular entre ambos, encostando nos 10%.

A trajetória de Dilma Rousseff é animadora. Ela chega vitaminada pela intensivíssima pré-campanha do popularíssimo presidente e pela inédita unidade do PT — nascido como partido de tendências, transitado pelo estágio de partido de massas e agora consolidado como partido de líder.

José Serra (PSDB) mostra resiliência digna de atenção, defendeu bastante bem o mercado eleitoral dele, sem maiores concessões prematuras.

Marina Silva (PV) sobreviveu às especulações da pré-temporada e cuida de não ficar presa no cercadinho puramente ambientalista. Aliás, é curioso ela não ter sido objeto de ataques especulativos mais letais, ao contrário de Ciro Gomes. Os argumentos para o PSB não lançar Ciro valeriam também para Marina e o PV, em tese.

Este costuma ser instante espiritualmente bom para os candidatos, por terem conseguido superar a fase de “pré” e enxergarem estrada bonita pela frente. Nenhum deles, obviamente, acredita estar diante de miragens.

O político nunca se sente derrotado de véspera. E ser candidato viável a presidente é delicioso. Melhor que isso? Só ganhar.

Enquanto a carnificina e o sofrimento não vêm, tudo é alegria, novidade. Os felizardos colhem páginas e mais páginas nos jornais, revistas e internet, recebem a atenção e a cerimônia reservadas aos potenciais vitoriosos, são tratados como quase presidentes, ou presidentes virtuais.

As fraquezas vão aparecer mais à frente, quando chegar a hora do embate, ou debate. Qual é a debilidade de cada um?

Marina vai lutar para não ser prematuramente desidratada pela tendência polarizadora. Ela tem feito a parte dela, empregando capital político próprio na missão.

Vamos ficar de olho na resistência da senadora do Acre quando os fatos da vida política se impuserem, na hora do pega. A vida de Marina tem sido bonito exemplo de suave obstinação, orientada por “utopias do bem”. Talvez seja o caso de dar crédito à capacidade de ela se defender.

Já Dilma enxerga desafios opostos aos da ex-colega de PT. A ministra foi até aqui carregada por Luiz Inácio Lula da Silva e pelo partido, mas eles não podem entrar no ringue.

Entre as esperanças do oposicionismo está a hipótese de Dilma encontrar dificuldade na hora de ser ela própria. Eu não contaria com isso, pois tudo na vida tem uma primeira vez.

Outro problema de Dilma? O “já ganhou”. Não existe precedente de ter dado certo.

E Serra? O governador vai para sua enésima eleição. Vem resistindo bem às pressões, mas o desafio é gigantesco: convencer o país a eleger alguém da oposição, num país convencido de que nunca como hoje as coisas caminharam tão bem.

Para usar expressão típica de Serra, não é trivial. Está muito longe de ser.

A pré-temporada foi cheia de idas e vindas e ainda falta acertar detalhes. Falta definir os coadjuvantes. No PSDB, se Aécio Neves não ocupar a cadeira de vice isso será lido do lado de fora como sinal de fraqueza. No PMDB, Michel Temer resistiu bravamente às labaredas lançadas pelo Planalto, mas ainda não se garantiu. Já Marina não depende tanto do vice. A candidatura dela é ela.

E como as forças vão se dispor no desenvolvimento do processo? Pelo desenho até agora, os quase 10% de Marina tenderiam mais para Serra do que para Dilma num eventual segundo turno disputado pelos dois líderes nas pesquisas.

Isso significa que Dilma, em tese, deveria esforçar-se para levar no primeiro turno. De onde viriam os votos? Talvez dos eleitores que desejam apoiar “o candidato de Lula” e ainda não sabem que esse personagem é Dilma.

Mas segundo turno é vantajoso para Serra por definição? De bom, ele teria o tempo de televisão igual e a escassez de novos apoios para a adversária. De ruim, a polarização escancarada, com campanha todo dia no horário eleitoral, com Lula todo dia no horário eleitoral.

Será que a overdose de Lula vai mesmo decidir a parada a favor de Dilma? Qual é o limite a partir do qual o apoio será inócuo?

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