Barack Obama mostrou a que veio
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/03/10
O companheiro fez o que ninguém conseguiu porque levou para a Casa Branca um jeito novo de fazer as coisas
O COMPANHEIRO Obama conseguiu expandir a proteção do seguro-saúde para 32 milhões de americanos e, dias depois, chegou a um acordo com a Rússia para reduzir o arsenal de bombas atômicas, de 2.200 para 1.550, e de mísseis, de 1.600 para 800. Com isso, o relógio do terror nuclear volta aos níveis de 1970. Há dois anos, a conversa era outra. George Bush queria encurralar os russos com um escudo antimísseis na Europa. Obama jogou fora o mimo oferecido à indústria armamentista e foi conversar.<
Essas vitórias indicam que há na Casa Branca um novo tipo de liderança política, de uma nova geração, com novas origens e novos métodos de fazer política. A partir da semana que vem os americanos serão apresentados a uma boa narrativa desse fenômeno, com a publicação de uma biografia de Obama, "The Bridge" ("A Ponte"), do jornalista David Remnick, diretor da revista "The New Yorker". (A edição brasileira sai no segundo semestre.)
Em pouco mais de um ano viu-se que a calma, o equilíbrio e a determinação de Obama não eram coisa de marqueteiro. Seus êxitos na reforma dos planos de saúde e na negociação com os russos aconteceram porque ele acredita que consegue fazer história formando consensos.
Era uma vez uma menina branca chamada Ashley. Em 1994, ela tinha nove anos e sua mãe começou a padecer de um câncer no útero. Perdeu o emprego e, com ele, o seguro-saúde. Foi à bancarrota. Conseguiu empregos, até três ao mesmo tempo, mas nenhum oferecia cobertura médica. Por mais de um ano Ashley disse à mãe que sua refeição favorita era um sanduíche de mostarda com molho inglês. Não era verdade, mas não havia nada mais barato.
Ashley estudou, diplomou-se em ciência política e decidiu ser uma militante política. Em 2007 ela mudou-se para a Carolina do Sul, um Estado com forte eleitorado negro, e trabalhou como voluntária para Obama. Distribuía propaganda em cabeleireiros. Numa reunião com uma das coordenadoras da campanha, Ashley contou sua história. Valerie Jarrett ouviu-a, engasgou e não conseguiu fazer sua exposição. Passou a perguntar os motivos que traziam cada voluntário àquela sala. Um senhor de idade, negro, resumiu: "Estou aqui por causa dela".
Quando Jarrett voltou a Chicago relatou o caso. (Amiga pessoal de Barack e Michelle, ela é hoje uma das pessoas mais poderosas da Casa Branca. A expressiva vitória de Obama na prévia da Carolina do Sul mostrou que podia contar com o eleitorado negro, sem perder votos dos brancos.)
Quando Ashley Baia foi trabalhar para ele, Obama não tinha proposta em relação à reforma do seguro-saúde e foi humilhado por Hillary Clinton no primeiro debate público a que compareceu. Pediu desculpas e confessou aos assessores: "Ela foi bem. Eu não. Se não tivermos um projeto daqui a algumas semanas, estamos encrencados." Defendia um sistema voluntário, até o dia em que teve uma conversa com o senador Edward Kennedy. (Ele se assustara com a maneira como o casal Clinton atacava Obama.) Kennedy conseguiu que prometesse carregar sua bandeira universalista. Pouco depois, num discurso famoso, Obama contou a história de Ashley Baia.
O companheiro não conseguiu o apoio dos republicanos, mas construiu a maioria dentro da bancada democrata. Cedeu em pontos que eram considerados inegociáveis, como a criação de um sistema de seguros estatal. Aguentou uma campanha feroz da direita que ressuscitou o fantasma da "socialização da medicina". (Nos anos 40 o presidente Harry Truman engavetou seu projeto quando surgiu a teoria do "complô comunista".)
Obama não confrontou seus adversários com argumentações desqualificadoras. Insistiu na exposição da iniquidade: 15% da população não têm seguro algum e 21% não têm cobertura satisfatória. Mostrou seu projeto como um passo histórico que o país precisava dar.
Em tempo: a mãe de Ashley Baia sobreviveu ao câncer e a moça trabalha hoje na Casa Branca, com Valerie Jarrett.
DOMINADOS
As ligações perigosas dos jogadores Adriano e Vagner Love com a bandidagem do Rio criaram um problema para as empresas que patrocinam o Flamengo. A saber: a Batavo, da Brasil Foods (R$ 22 milhões), a Olympikus (R$ 21,3 milhões) e o banco BMG (R$ 8,5 milhões).
Duas são fornecedoras da garotada. Uma produz o Batavinho e outra vende camisas "Olympikus Adriano", a R$ 98 cada. O BMG é um banco que gasta bom dinheiro para impedir que o assaltem. Se as suas diretorias acham que não têm nada a ver com o que os atletas fazem fora do gramado, devem dar uma olhada no que aconteceu com o golfista Tiger Woods.
Ele se meteu num escândalo com uma modelo e 14 outras senhoras. (Nada a ver com golfe, muito menos com bandidagem, nem mesmo com o que Woods faz em pé.) O campeão perdeu perto de US$ 100 milhões anuais em contratos de patrocínio. As seguintes empresas decidiram afastar sua marcas da notoriedade de Tiger: Gatorade, Gillette, TAG Heuer e AT&T. Aqui vai uma ideia para um anúncio das três empresas: uma quadrilha, vestindo camisas da Olympikus, assalta uma agência do BMG para comprar Batavinhos.
QUATRO PATAS
Se os cariocas e paulistanos não prestarem atenção, a rapina imobiliária avançará sobre parte dos terrenos de seus Jockey Clubs. Em São Paulo, a Justiça travou uma tentativa de permuta de um pedaço da propriedade. No Rio, a gracinha sugere a construção de uma unidade do Hospital Albert Einstein na área das cocheiras.
O hospital é biombo. O negócio dos maganos será a construção de prédios para escritórios.
PROTEÇÃO
Foi expedida uma mensagem ao comissário José Dirceu pedindo-lhe que mantenha prudente distância da campanha de Dilma Rousseff à Presidência. Se ele dará ouvidos, é outra questão.
INGRATOS
O PSDB resolveu ficar com vergonha de Fernando Henrique Cardoso. Tudo bem, mas, se não fossem ele e seu Plano Real, o partido simplesmente teria deixado de existir.
VANCE X MALUF
Paulo Maluf pegou um osso duro de roer. O promotor americano que o colocou na lista de delinquentes procurados da Interpol chama-se Cyrus Vance Jr. Por mais que nome de promotor não tenha importância num sistema judicial sério, seu pai foi um dignitário do andar de cima americano. Advogado de renome, participou das negociações que levaram à retirada dos americanos do Vietnã e foi secretário de Estado de 1977 a 1980.
Cyrus Jr. chegou ao Ministério Público depois de uma bem sucedida carreira na advocacia privada. Ele doava parte de seu tempo defendendo indigentes. Como alguns de seus antecessores, tem futuro político.
Malfeitorias brasileiras dão sorte a promotores de Nova York. Em 1986 um deles pegou Tony Gebauer, ex-diretor do banco Morgan, que havia representado a banca na negociação da dívida brasileira. Figura simpática na grã-finagem nacional, ele dera um desfalque de US$ 2,9 milhões e acabou na cadeia. O promotor chamava-se Rudolph Giuliani.
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