domingo, março 28, 2010

DANUZA LEÃO

Adultério consentido
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/03/10


Fala sério: dá para dançar com os corpos grudados e não pintarem pensamentos altamente eróticos?



NOS CHAMADOS anos dourados, o comportamento de homens e mulheres era bem diferente do dos dias de hoje. Por homens e mulheres, leia-se moças e rapazes, pois ninguém tinha mais de 25 anos; 30, no máximo. A partir daí, já pertenciam a outra turma, a dos mais velhos.
A noite começava cedo e acabava tarde. Pensando agora: será que ninguém trabalhava? Tudo era desculpa para "esticar" (a noite), e quando se saía de casa - para um cinema, teatro ou restaurante -, era obrigatória, depois, uma passadinha na boate da moda; assim, para nada. A música era ao vivo, e o pianista da casa, conhecendo de cor as preferências de todos -que, aliás, eram sempre os mesmos-, tocava o que era praticamente um hino pessoal.
Muito Sinatra, muito Nat King Cole, muita Ella Fitzgerald. Com o barulho, pouco se conversava, mas, em compensação, as mulheres iam muito ao banheiro, retocar a maquiagem. Aliás, ao banheiro, não: ao toalete, e sempre em bando. Lá, passavam pó de arroz, batom, perfume atrás das orelhas (os estojos de pó, batom e perfume eram, na maioria, de ouro), cacarejavam bastante e voltavam, lindas e cheirosas.
Até então todos tinham uma postura bem anos 50: conversas vagas, pouca política, sendo que elas não falavam de quase nada, mas sorriam sem parar; como sorriam. Os volteios na pista só começavam mais tarde, e era muito gentil, da parte dos homens, convidar para dançar cada mulher que estivesse na mesa; num momento de distração, até a sua própria.
Quando começava a dança, geralmente tipo lenta, tudo mudava. Pessoas que se tratavam com uma quase cerimônia juntavam seus corpos -da ponta dos pés à raiz dos cabelos- a tal ponto que por ali não passava nem pensamento. Os rostos se colavam ("cheek to cheek", se chamava), e dependendo do que todos já sabiam, isto é, que A tinha um caso com B, as mãos se entrelaçavam, e enquanto a outra mão (dele) segurava com mais firmeza a cintura (dela), a outra mão (dela) acariciava a nuca (dele); quando se falavam, sentiam a respiração um do outro, tão próximas eram as bocas das orelhas.
Era um adultério explícito sob os olhos de seus próprios cônjuges, todos achando tudo normal. Muitos amores começaram -ou terminaram- ao som de "Night and Day". Fala sério: dá para dançar com os corpos grudados e não pintarem pensamentos altamente eróticos? É claro que não.
Morro de pena das novas gerações que frequentam as raves, que começam na sexta-feira; dançam separados, são 84 beijos por noite, mal se tocando, e transar, só no domingo à noite, quando acaba a rave. Ouso dizer que não levo muita fé no sexo dessa garotada.

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