quarta-feira, fevereiro 17, 2010

STEFAN SCHULTZ

As cinco ameaças ao futuro do euro


O ESTADO DE SÃO PAULO - 17/02/2010



Líderes da União Europeia (UE) reuniram-se em Bruxelas, na quinta-feira, para uma cúpula cujo principal objetivo era como tratar das pesadas dificuldades financeiras da Grécia. Alguns deram a anuência a um pacote de ajuda. A assistência financeira está em marcha, ao que parece.

"Estamos falando de linhas de crédito", disse o chanceler austríaco, Werner Faymann, pouco depois da reunião. Ele disse que o dinheiro poderia ser disponibilizado com a ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI). O primeiro-ministro espanhol, José Luis Zapatero, que exerce a presidência rotativa da UE, também prometeu a solidariedade da UE.

Essas demonstrações de solidariedade são uma boa nova para o euro. Por enquanto, a maioria dos investidores não parece acreditar que o pior cenário ocorrerá: uma bancarrota grega, que poderia se espalhar para outros países da UE e desencadear um colapso do mercado, como o que se seguiu à desintegração do banco americano Lehman Brothers em setembro de 2008.

A Grécia não é o único problema da zona do euro. A dívida pública disparou por todo o continente por causa da crise financeira. Arrecadações fiscais despencando combinadas com dispendiosos programas de estímulo econômico pressionaram severamente os orçamentos.

Portugal também enfrenta sérias dificuldades e a Espanha está sob observação. Medidas duras de economia e cortes profundos nos gastos públicos parecem a única saída. O mesmo vale, em parte, para a Irlanda. O país também enfrenta um grande déficit público.

A Itália também tem preocupado os especialistas. Sua situação não é tão grave quanto a da Grécia, mas há anos que a dívida pública está acima de 100% do PIB.

Com isso, 5 dos 16 países da zona do euro estão com as finanças públicas em frangalhos, o suficiente para deixar todo o continente apreensivo.

A ameaça ao euro não é só de curto prazo. Mesmo que Itália e Espanha evitem a bancarrota, por enquanto, o que acontecerá se os governos desses países forem fracos demais para fazer as reformas necessárias? Tanto Grécia como Portugal já foram atingidos por sérios protestos em razão dos cortes orçamentários. Mas, sem as muito necessárias reformas, a distância entre os membros fortes e fracos da zona do euro corre o risco de se ampliar ainda mais.

O economista Nouriel Roubini, professor da Stern School of Business em Nova York, expressou temores no Fórum Econômico Mundial em Davos de que a zona do euro poderia se desintegrar. Não necessariamente neste ano ou no próximo. Mas, se o Continente for incapaz de controlar seus déficits, a ameaça permanece.

GRÉCIA: A CRIANÇA PROBLEMA

A Grécia é o maior problema da Europa. A dívida do país já está bem acima de 100% do PIB e continua crescendo. Segundo as regras do euro, a dívida pública total não deveria exceder 60% do PIB. O déficit orçamentário do país em 2009 foi de quase 13% do PIB, mais de três vezes o limite de 3% permitido na zona do euro.

O principal problema da Grécia é que as enormes dívidas terão de ser refinanciadas em breve. A agência de classificação de crédito Moody"s calcula que o governo terá de captar cerca de 40 bilhões em dívidas novas no primeiro semestre de 2010 só para pagar o serviço das obrigações existentes e para financiar novos gastos. O próprio governo afirma que precisará refinanciar cerca de 10% de sua dívida pública em 2010, a maior parte em abril e maio.

Essa será uma tarefa difícil para um país cuja tétrica situação financeira tem sido motivo de crescentes preocupações nas últimas semanas.

O governo grego entregou seu plano de recuperação à UE, mas eles parecem excessivamente otimistas. Segundo o plano, o governo pretende deixar seu déficit orçamentário abaixo do limite de 3% até 2012 - uma redução de quase 10 pontos porcentuais em apenas três anos. Afora os membros da Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCDE) no período desde o início dos anos 90, somente a Suécia conseguiu realizar semelhante proeza - e foi ajudada pelo boom da Nova Economia, que deu um impulso providencial à economia global. Agora, ao contrário, a economia global terá um período provavelmente longo de estagnação, na opinião de muitos economistas.

O programa de austeridade do governo inclui várias medidas que afetam trabalhadores do setor público, como reduções salariais, congelamento das contratações e corte de benefícios suplementares, além de medidas de combate à evasão fiscal. Mas não explica como o setor público pode ser modernizado e a corrupção, combatida. Daí o alto grau de incerteza que continua reinando nos mercados de capitais.

PORTUGAL: GOVERNO FRACO

As preocupações com Portugal também provocaram tremores nos mercados nos últimos dias, o comissário para assuntos monetários da UE, Joaquin Almunia, é parcialmente responsável por isso. "Grécia, Portugal, Espanha (...) e outros na zona do euro compartilham algumas características", disse ele, numa coletiva de imprensa. "Nesses países, podemos observar uma perda permanente de competitividade desde que (se tornaram) membros da União Econômica e Monetária." A comparação indireta com a Grécia não fez nenhum favor a Portugal.

Portugal está, de fato, enfrentando desafios enormes. O déficit orçamentário disparou para 9,3% do PIB em 2009. E, embora o índice de endividamento em 77,4% do PIB ainda esteja próximo da média europeia, o país corre o risco de subir para 85% em 2010. Se o governo não tomar medidas resolutas, em breve mais investidores poderão começar a duvidar da credibilidade do país.

Resta saber se o governo conseguirá agir com firmeza. O primeiro-ministro José Sócrates está à frente de um governo minoritário, o que significa que a oposição pode aprovar leis no Parlamento contra a vontade do governo. Recentemente, ela conseguiu torpedear medidas de austeridade planejadas por Sócrates.

Sócrates precisa colocar o déficit orçamentário do país abaixo do limite de 3% do PIB até 2013. O governo anunciou cortes e reduções de salários no funcionalismo. No entanto, há poucas perspectivas de medidas de austeridade de longo alcance ou reformas estruturais. O setor agrícola de Portugal é ineficiente e ultrapassado, e o setor de turismo ainda está sendo desenvolvido. O país não conseguiu aumentar sua competitividade em relação a membros setentrionais da UE desde que ingressou na zona do euro. Com um governo fraco, será difícil reverter as coisas.

ESPANHA: A MAIOR AMEAÇA?

A Espanha está a caminho de se tornar a próxima criança problema da UE. Aliás, especialistas temem que o país possa ser uma ameaça ainda maior para a estabilidade do euro que a Grécia. "O ponto mais problemático não é a Grécia, é a Espanha", escreveu o ganhador do Nobel de economia, Paul Krugman, em seu blog, recentemente.

Ele também expressou preocupação com o estouro da bolha imobiliária no país. O professor Nouriel Roubini também vê a Espanha como a maior ameaça. A dívida pública do país é relativamente baixa, 54,3% do PIB. Mas os perigos potenciais para a Europa são maiores porque a economia espanhola é quatro vezes maior que a grega. E há temores de que a dívida de Madri possa disparar nos próximos 12 meses. O déficit orçamentário em 2009 subiu para 11,2% do PIB. Ademais, a economia do país não acompanhou a tendência ascendente da maioria dos países industriais. Segundo projeções do FMI, a Espanha será o único grande país da UE a não apresentar crescimento econômico em 2010.

O motor que fez a economia espanhola prosperar na metade dos anos 2000, o setor imobiliário, foi demolido pela crise financeira. Durante anos, o país se beneficiou de um boom sem precedente da construção, alimentado por uma especulação desenfreada. Agora, conjuntos semiacabados de casas novas se tornaram cidades fantasmas. Quatro milhões de espanhóis estão sem trabalho, uma taxa de mais de 20%.

A Espanha precisa reestruturar sua economia num grau maior que os outros países da zona monetária comum. Ao mesmo tempo, porém, Madri precisa adotar um regime de economia duro para pagar sua dívida. Para satisfazer céticos da UE e iniciar o processo de reformas, o governo Zapatero apresentou um plano de reformas e contenção de gastos. Até 2013, quer cortar 50 bilhões em gastos e reduzir o déficit público para 3%. Mas, poucas hora depois de apresentar o plano aos contadores da UE em Bruxelas, Madri precisou fazer correções. O documento prometia cortes profundos nas aposentadorias, o que provocou uma tempestade de protestos em Madri. O trecho foi retirado.

IRLANDA: PLANO EM MARCHA

A Irlanda continua combatendo os efeitos da recessão global. Seu déficit orçamentário, em 12,5% do PIB, é quase tão alto quanto o da Grécia. Em 2009, a economia irlandesa foi atingida mais gravemente ainda que a economia alemã - a Comissão Europeia estimou que a economia da Irlanda encolheu 7,5%.

Mas economistas como Krugman e Roubini tiraram a Irlanda da lista de países em crise. No início de fevereiro, o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, rotulou o exemplo da Irlanda de "impressionante".

O governo em Dublin já começou as reformas. Cortou os salários do funcionalismo e busca o corte de gastos de 4 bilhões.Também conseguiu estabilizar o setor bancário, por enquanto, ao menos. Cerca de 77 bilhões em empréstimos podres foram baixados dos livros. Mas a Standard & Poor"s assinalou que essa dívida só saiu dos orçamentos oficiais, pois continua proporcionando grande elemento de incerteza sobre o país.

ITÁLIA: IGNORANDO A DÍVIDA

O prêmio de risco sobre bônus do governo italiano aumentou significativamente nas últimas semanas. Seu bônus para 10 anos está um bom ponto porcentual acima de seu equivalente alemão - e, à primeira vista, isso não é surpreendente. Afinal, a dívida pública total da Itália é imensa: segundo estimativas do governo, ela representa mais de 100% do PIB.

Isso, porém, tem sido assim desde 2006, muito antes da eclosão da crise. Economistas estão dando sinal verde para a Itália, por enquanto, dizendo que ela não enfrenta o mesmo risco de curto prazo que a Grécia e outros. A Itália não apresenta tampouco os mesmos sintomas de crise que os países europeus economicamente mais frágeis.

Diferentemente da Espanha, a economia italiana não teve as fundações abaladas pelo estouro de uma bolha imobiliária. Diferentemente da Grécia, seu governo não manipula os números de seu déficit orçamentário. Diferentemente da Irlanda, seu setor financeiro não foi duramente atingido pela crise: o sistema italiano de fiscalização da atividade bancária há muito se revelou relativamente duro, antes mesmo da quebra do Lehman Brothers.

Ademais, parece improvável que os gastos públicos italianos aumentem significativamente no futuro. Ao contrário, o governo empurrou um pacote de austeridade ao Parlamento em julho de 2008. No entanto, uma dívida nacional de mais de 100% do PIB continua sendo um enorme fator de risco.

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