sexta-feira, janeiro 08, 2010

HELIO SCHWARTSMAN

Entre segurança e liberdade plena existem nuances

FOLHA DE SÃO PAULO - 08/01/10


Benjamin Franklin (1706-1790), um dos pais fundadores dos EUA, certa vez escreveu: "Quem joga fora a liberdade essencial para obter uma pequena segurança não merece nem liberdade nem segurança".
Contra o terrorismo, a maioria das pessoas não hesita muito antes de apoiar o endurecimento de medidas de segurança, mesmo que ao sacrifício de parte de sua liberdade e privacidade. Não se pode afirmar que essa seja uma escolha irracional. A lógica ensina que, para usufruir de direitos como liberdade e privacidade é necessário, antes de mais nada, estar vivo. Assim, num sentido bem visceral, a segurança pode ser mais essencial que a liberdade.
O problema com esse raciocínio é que ele trata a questão em termos absolutos quando ela, na verdade, exige uma abordagem mais sensível a matizes.
Tudo em sociedade é uma espécie de solução de compromisso entre o ideal e as necessidades práticas. Poderíamos reduzir significativamente o risco de atentados terroristas em metrôs mundo afora submetendo cada passageiro a revista e checagem de segurança. Neste caso, entretanto, precisaríamos dar adeus à ideia de que o trem subterrâneo é um transporte rápido e de massa. Ninguém mais chegaria ao trabalho na hora, mas seria muito mais difícil para terroristas plantar uma bomba.
O mesmo vale na discussão sobre aeroportos. Não há muita dúvida de que o "racial profiling" -a seleção por nacionalidade dos passageiros que serão submetidos a procedimentos mais rigorosos- e os scanners que permitem visualizar as partes pudendas dos viajantes ampliam a segurança.
Isso, entretanto, não ocorre sem custos materiais e, especialmente, morais. Além do tempo perdido em filas, o "racial profiling" ofende nosso senso de justiça. Há algo de execrável em tomar milhões de cidadãos dos países suspeitos como criminosos potenciais apenas por partilharem determinadas características étnicas com membros de grupos terroristas. Já os superscanners profanam nossa pudicícia. Boa parte da humanidade crê que é importante manter indevassáveis certas partes do corpo.
O xis da questão é definir se os bônus superam os ônus. A resposta é difícil e necessariamente nuançada, já que a conta envolve valores morais resistentes a quantificações.
Do lado da segurança, todo aperfeiçoamento é bem-vindo, mas é preciso ter em mente que não existem sistemas infalíveis. Como o frustrado atentado do Natal nos recordou, é impossível manter um índice de 100% de sucesso na vigilância durante 100% do tempo. De mais a mais, o rigor nos principais aeroportos internacionais já podia ser considerado alto antes das novas medidas. Melhorias a partir daqui tendem a trazer ganhos apenas incrementais.
Assim, não parece exagero afirmar que toda a celeuma aeroportuária tem também objetivos psicológicos. Dá ao viajante a sensação de que algo está sendo feito, e isso o deixa mais tranquilo, reduzindo a pressão política sobre os governantes.
A verdade, porém, é que, a partir de determinados níveis de segurança, a prevenção de atentados depende mais da sorte do que estamos prontos a admitir. É justamente aí que reside o poder do terrorismo: como já observara Thomas Hobbes, mesmo "o mais fraco dos homens tem força o bastante para matar o mais forte, seja por maquinação secreta, seja associando-se a outras pessoas".

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