quarta-feira, dezembro 23, 2009

RUY CASTRO

Bulas do terror


FOLHA DE SÃO PAULO - 23/12/09


O fim do ano chegou e, com ele, o prazo dado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que todo medicamento vendido no Brasil passe a vir com duas bulas. Uma, dentro da caixa, em linguagem acessível ao leigo e em corpo e espaço adequados aos pacientes – os quais, apesar do nome, não têm paciência para ler a dita por causa da vista cansada. A outra, eletrônica, no site da Anvisa, na linguagem mais técnica possível, apenas para os médicos, e esses que se virem.

Pelo visto, a medida ainda não entrou em vigor. Outro dia, ao sair do banho num hotel em cidade estranha, dei uma estúpida topada com a canela na borda do azulejo do box. A perna inchou, ficou vermelha e, pelos dias seguintes, como o dodói não passasse, resolvi tomar providências. Bem à brasileira, uma amiga me examinou por telefone e receitou uma pomada. Comprei-a e apliquei. E só então li a bula.

“Este medicamento (fator de difusão enzimática)”, dizia o texto, “é composto de mucopolissacaridases com atividades condroitinásica e hialuronidásica, despolimerizando os mucopolissacarídeos (ácidos condroitino-sulfúrico e hialurônico) da substância fundamental do tecido conjuntivo, especialmente subcutâneo. A despolimerização da substância fundamental das trabéculas conjuntivas do tecido subcutâneo facilita as trocas metabólicas locais”.

A transcrição é literal. Pois li e entrei em pânico – imagine se os mucopolissacarídeos, ao despolimerizar as trabéculas conjuntivas, provocassem uma reação das atividades condroitinásica e hialuronidásica? O que seria de mim? Por sorte, nada disso aconteceu – ou, quem sabe, aconteceu – e o remédio logo começou a fazer efeito. Ótimo. Mas é aconselhável manter uma bula como essa fora do alcance das crianças.

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