O jogo
O GLOBO - 23/12/09
As pesquisas eleitorais que foram divulgadas nos últimos dias, especialmente a do Datafolha, que abrangeu um universo maior de pesquisados e avaliou também a situação nos estados, tiraram o presidente Lula de seu pedestal para colocá-lo na tentativa de polemizar com o governador de São Paulo, José Serra, tornado o virtual candidato do PSDB com a desistência do governador de Minas, Aécio Neves
Ao mesmo tempo em que chamou Serra “para a briga” eleitoral, Lula demonstrou claramente que a chapa purosangue tucana, com o governador mineiro como vice, incomoda o governo. Só há uma coisa que Lula gosta mais do que uma disputa eleitoral: o futebol. (Ou será o contrário?) E, quando ele junta as duas coisas, está num terreno que domina.
Primeiro, Lula admitiu que tanto Serra quanto Aécio são craques comparáveis a Tostão ou Coutinho, dois atacantes inigualáveis.
Mas deu uma estocada elegante quando deixou a entender que não havia nenhum Pelé no time adversário.
Só mesmo Lula pode ser comparado a Pelé na política, parece ter sido o recado subliminar e bemhumorado do presidente.
Como Serra caiu na pegadinha de Lula e respondeu, dizendo que dois craques podem jogar no mesmo time, o presidente investiu novamente, desta vez para dizer que, pelo comentário, Serra não seria um bom treinador.
A brincadeira parou por aí, pois o governador paulista se tocou de que o que mais quer evitar estava acontecendo, isto é, ele estava disputando espaço político com Lula ( ou com Pelé?), enquanto sua futura adversária, a ministra Dilma Rousseff, protegida pela popularidade de Lula, só aparece na boa, sem entrar em bola dividida.
Serra, que provavelmente gosta tanto de futebol quanto Lula, e até mesmo nesse campo são adversários — Lula torce pelo Corinthians e Serra pelo Palmeiras —, resolveu encerrar o papo futebolístico para se concentrar no governo de São Paulo, onde pretende se proteger das “provocações” do presidente sob o manto de um eleitorado cativo do PSDB.
Mas teve de ouvir de Lula que estar à frente das pesquisas eleitorais a esta altura não quer dizer muita coisa, pois o Palmeiras passou o ano todo na liderança do Campeonato Brasileiro e acabou aparecendo o Flamengo na última hora para ser o campeão.
Desde o segundo turno de 2002, quando teve 38% dos votos e perdeu a eleição para Lula, que Serra aparece à frente das pesquisas com uma média entre 35% e 40% de preferências.
Quando abandonou a disputa em 2006 dentro do PSDB para deixar Alckmin perder para Lula, estava na frente das pesquisas, mas já com Lula nos seus calcanhares.
Desta vez, a decisão de permanecer no governo paulista até o último momento obedece não apenas a uma prudência exagerada, mas a uma estratégia eleitoral.
Se em finais de março os ventos estiverem mudando de lado, com uma subida avassaladora da candidata oficial, José Serra poderá sempre desistir de se candidatar para disputar uma reeleição ao que tudo indica fácil em São Paulo.
Essa opção ficou mais complicada com a desistência de Aécio, pois agora a responsabilidade perante o partido é de Serra.
Uma desistência sua não garante que o governador de Minas se disponha a sair candidato já com o estigma da derrota o rondando.
O mais provável, no entanto, é que, nesse caso, Aécio venha a aceitar “ir para o sacrifício” como candidato do PSDB, com uma Dilma turbinada pelas pesquisas.
Além de poder exercitar sua capacidade de aglutinação com outros partidos que agora estão na base do governo, e de dar ao PMDB uma boa alternativa, o governador mineiro pode no mínimo pavimentar uma carreira política nacional concorrendo à Presidência mesmo com chances maiores de perder.
Mas, caso se confirme o cenário mais provável, e o governador José Serra saia para disputar a Presidência da República em março, ter demonstrado essa dedicação toda a São Paulo terá certamente uma resposta do eleitorado paulista, que pode dar a ele uma votação tão consagradora que praticamente garanta sua vitória final.
O candidato tucano em 2006, Geraldo Alckmin, teve nada menos que 54,2% dos votos de São Paulo, derrotando Lula que teve 36,8%.
No momento, as pesquisas dão a Serra 47% das intenções de votos, contra apenas 18% de Dilma.
O sonho de consumo dos tucanos é que Serra chegue perto do índice de Alckmin em 2006, o que é provável, e que Dilma fique parada onde está agora, o que é improvável.
Nesse caso, Serra sairia de São Paulo com uma vantagem de cerca de dez milhões de votos.
O mesmo raciocínio é usado com relação a Minas Gerais. O candidato tucano em 2006 teve 40% dos votos, contra 50% de Lula.
Mesmo que o governador Aécio Neves não seja o vice, seria possível vencer a eleição em Minas com o apoio de seu grupo, invertendo a equação da última eleição.
Para se ter uma ideia da situação atual, Serra perde por 34% a 30% na Bahia; está empatado em Pernambuco em 33% a 32% e perde no Ceará de 18% a 14%. Sem a participação de Ciro Gomes na eleição presidencial, Serra empata com Dilma de 31% contra 28%.
Na região Sul/Sudeste, Serra vence em São Paulo de 47% a 18%; no Paraná de 42% contra 17%; no Rio Grande do Sul de 36% a 21% e em Santa Catarina de 39% a 16%.
O fato é que o candidato tucano terá que basear sua força eleitoral no Sul e Sudeste, onde tem larga vantagem, pois, no Nordeste, Dilma Rousseff já o superou e, embora a diferença ainda seja pequena, é provável que com o apoio do presidente Lula a candidata oficial consiga livrar boa vantagem na região, até mesmo por que a força da coligação eleitoral que a apoiará está baseada agora nos governadores do Nordeste.
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