O não dito
O GLOBO - 23/12/09
O presidente Lula disse aos jornalistas que na mensagem de Natal vai incentivar os brasileiros a investir. Deveria seguir o conselho que dá. Segundo o site Contas Abertas, dos R$ 54,4 bilhões previstos para investir em 2009, o governo só usou US$ 11,9 bilhões, 22%. Se contar o que pagou das contas dos anos anteriores, chega a 56%. O governo gastou muito e investiu pouco.
Essa foi uma das várias informações que ele não deu na sua conversa com os jornalistas. O presidente Lula não tem o hábito dos presidentes democráticos de dar coletivas. Faz seus monólogos em solenidades, se deixa atropelar às vezes por microfones, em algum evento, onde só responde o que quer. Foi o único chefe de Estado a não receber a imprensa de seu país em Copenhague. No fim do ano, toma o café da manhã com jornalistas em ambiente que lhe favorece.
O clima, nestes cafés da manhã, o deixa à vontade.
Muitos convidados na mesa em U. Ninguém pode insistir numa questão para não ser descortês com os colegas e parecer monopolizar a conversa.
Não há muito espaço para o contraditório. Assim, ele discorre sobre o que quer, sem riscos.
No ano em que o governo mais gastou dinheiro do contribuinte para salvar empresas e transferir recursos para empresários, ele fugiu do tema.
O governo até agora não disse quanto custou a conta.
Quantos bilhões de impostos não foram pagos por produtores de carros, de bens de consumo duráveis? Quanto custou ao BNDES ter resgatado empresas que se encrencaram sozinhas na especulação cambial? Quanto custou ao Banco do Brasil seus empréstimos de emergências a empresas como a Sadia? Quanto se transferiu para grandes grupos nacionais e estrangeiros em nome do aumento do consumo da população? Uma reunião assim de fim de ano é uma boa oportunidade para que a Presidência faça uma prestação de contas séria. Mas para isso teria que ser uma Presidência que entende que prestar contas é uma obrigação, e a imprensa, um dos canais.
Lula disse que “inflação é coisa séria” e que “o controle da inflação é coisa da qual não abdicaremos”, mas, ao mesmo tempo, disse que não acha necessário elevar o superávit primário, defende aumento de gastos com funcionários, faz populismo com os aposentados, e diz que se o governo tem capacidade de endividamento deve usar.
Tudo junto é uma contradição ambulante. O governo este ano gastou demais, em subsídios pouco transparentes aos empresários, elevou fortemente o gasto com funcionários em plena queda de arrecadação, reduziu o superávit primário e acha que defendeu a inflação.
Na verdade, o governo Lula foi herdeiro da superação do pior problema brasileiro no final do século XX. Herdou sem merecer, porque foi, quando oposição, adversário de cada uma das etapas do controle inflacionário.
Hoje, ele se apropria desse patrimônio. Por nunca ter entendido exatamente como se formam os riscos inflacionários, o governo Lula está minando as bases da estabilidade. E este ano de 2009 foi um exemplo disso.
O país saiu da recessão com a ajuda dos gastos públicos e porque o mundo ajudou, saindo também da recessão. Gastos públicos são o remédio num caso assim, mas o governo não demonstrou ter noção dos riscos de médio e longo prazo de um gasto corrente que cresce acima do PIB, com despesas de custeio em alta e investimento baixo.
O controle da inflação tem recaído sobre o Banco Central, e pelo uso da mais perversa das armas: a taxa de juros. Assim, se encarece a dívida do governo que já está aumentando pela elevação do gasto público.
Lula negou, durante o café da manhã, que vá ocorrer mudança na economia: “É difícil mudar o que está dando certo. Só se pode aperfeiçoar.
O governo (Dilma) vai ser a continuidade do aperfeiçoamento. Dilma tem juízo político e econômico.
Não rasga nota.” A resposta já mostra que o presidente foi para o encontro para fazer dele mais um palanque para a sua candidata e não para uma prestação de contas. A verdade é que o estatismo, do qual Dilma é a maior defensora dentro do governo, é uma ameaça concreta à estabilidade e ao projeto que nos trouxe a inflação baixa. O estatismo, o gasto sem controle, os subsídios escondidos atrás da derrama do BNDES são uma forma de rasgar nota, de ameaçar o que foi conquistado em anos anteriores aos do governo Lula.
Lula disse que a proposta do pré-sal atende a todos. A proposta do pré-sal concentra a receita na União, expropria estados produtores, divide a Federação jogando estados contra estados, transfere patrimônio indevidamente à Petrobras, dá poderes regulatórios a uma nova estatal e descarna o órgão regulador. Durante a tarde, em um dos seus monólogos, ele disse no Rio que seus antecessores nos últimos 50 anos abandonaram o estado. Ele estaria fazendo o oposto. Não deve estar lembrando que da sua base política saiu uma proposta que tira do estado do Rio R$ 10 bilhões. O governo Lula chega ao seu último ano sem ter entendido a diferença entre prestar contas e fazer propaganda.
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