O Senado brasileiro aprovou a entrada da Venezuela no Mercosul e, portanto, a subordinação do bloco às ambições e projetos pessoais do caudilho Hugo Chávez. O mesmo erro já foi cometido pelos Parlamentos da Argentina e do Uruguai. Só falta a aprovação do Congresso paraguaio para o caudilho bolivariano ganhar poder de voto e de veto na outrora promissora união aduaneira. "Não estamos fazendo uma avaliação do governo Chávez, porque os governos passam, mas a integração econômica, política e cultural vai ficar", disse o senador Aloizio Mercadante, líder do PT. Talvez o senador saiba quando terminará o reinado chavista. Nesse caso, sabe mais que os venezuelanos.
Para quem não foi premiado com essa iluminação, é uma tolice distinguir a República Bolivariana da Venezuela de seu atual governo, quando se trata de avaliar custos, benefícios e riscos de uma associação diplomática. Tolice de igual calibre é mencionar a importância do comércio entre os dois países para justificar o apoio brasileiro à ampliação do bloco.
O comércio entre os dois países cresceu como resposta a interesses concretos, assim como os investimentos de empresas brasileiras no país vizinho. Segundo o líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), autor do relatório final sobre a admissão da Venezuela, a intensificação de relações econômicas com o Brasil decorreu de uma decisão política do governo venezuelano. Essa decisão, afirmou o senador, foi baseada na premissa de inserção do país no Mercosul. "Assim, não aprovando a adesão da Venezuela, estaremos convidando um país vizinho ? nosso sexto maior cliente no mundo ? a procurar outros parceiros", concluiu.
Essa argumentação carece de fundamento. Em fevereiro de 2005 entrou em vigor o Acordo de Complementação Econômica (ACE-59) entre os países do Mercosul, a Venezuela, o Equador e a Colômbia. Foram incluídos entre seus objetivos a formação de uma área de livre comércio, a integração dos transportes e a cooperação no setor energético.
Esse compromisso deveria bastar, no caso de um acordo sério, para os governos tentarem alcançar aquelas metas. Além disso, o governo brasileiro escolheu como prioridade a inclusão de um só daqueles parceiros no Mercosul. Serão os outros irrelevantes?
Mas há outro detalhe ? o mais importante ? pouco explorado nos debates parlamentares e raramente valorizado pelos senadores da oposição, contrários à admissão da Venezuela de Chávez. O objetivo central de uma união aduaneira não é a intensificação das trocas entre os sócios. Para isso basta um acordo de livre comércio.
Um bom acordo de integração comercial produz muito mais que a mera expansão do intercâmbio. A multiplicação dos investimentos e a formulação de projetos de complementação produtiva são consequências normais e bem conhecidas. Uniões aduaneiras, no entanto, são criadas para fins muito mais ambiciosos. Seus sócios assumem o compromisso de agir em bloco em relação aos de fora: adotam uma tarifa externa comum ? a União Europeia foi descrita, durante algum tempo, como uma fortaleza ? e negociam conjuntamente acordos comerciais com outros blocos ou parceiros individuais.
A importância do mercado venezuelano poderia justificar um acordo de livre comércio, como aquele em vigor há quase cinco anos, mas não o ingresso da Venezuela no Mercosul. Só se amplia uma união aduaneira quando se tem suficiente segurança quanto à afinidade entre os valores e objetivos dos novos sócios e aqueles do bloco já constituído.
Mais de uma vez Hugo Chávez manifestou o desejo de reformar o Mercosul e ajustá-lo a seus padrões. Sua participação, ainda como convidado, na recente reunião de cúpula do bloco, em Montevidéu, mostrou mais uma vez sua disposição de usar o Mercosul como palanque para seus comícios e trincheira para seus conflitos.
A admissão de um sócio no Mercosul é especialmente arriscada, porque as decisões dependem de consenso e, portanto, cada sócio tem poder de veto. Assim, as negociações externas ficarão sujeitas ao humor, às antipatias e às ambições de um fanfarrão necessitado, cada vez mais, de inventar inimigos para preservar seu poder. Os senadores oposicionistas discutiram muito a política interna de Chávez. Deram pouca atenção a sua ação externa, a mais perigosa para o Mercosul. |
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