quarta-feira, novembro 04, 2009

PAULO RABELLO DE CASTRO

É proibido investir em Petrobras


Folha de S. Paulo - 04/11/2009



Como o trabalhador poderá participar da capitalização da Petrobras com dinheiro se a maioria mal consegue poupar?


HÁ PAÍSES ricos e há grandes nações. Uns são aqueles que, por trabalho ou providência divina, veem-se agraciados por um estoque grandioso de recursos. Reservas naturais fazem países ficarem ricos, mas também empobrecerem, na medida das cotações da mercadoria que extraem da terra. Grandes nações, entretanto, não incidem nesse tipo de vulnerabilidade porque sua riqueza está na força de suas instituições fundadoras e na estatura de seus talentos. Entre os maiores exportadores de petróleo da atualidade, todos ricos por definição, talvez apenas um ou dois se qualifiquem como grande nação.
Os demais, embora ricos e abençoados em petróleo, manipulam essa riqueza para subjugar a democracia e perpetuar o atraso.
Para ser grande nação, não é preciso achar e explorar petróleo, mas ter e exercer discernimento na condução dos negócios públicos e da vida coletiva. Na grande nação, o povo tem sempre a atenção preferencial das lideranças e com estas interage na aprovação de decisões importantes. A isso se chama de liberdade política, recurso moral bastante escasso no mundo, mas capaz de transformar países e povos subjugados em grandes nações livres.
O Brasil tem agora a oportunidade de lidar com a condição de país rico sem se afastar do ideal de se construir como grande nação. A votação das regras de exploração do petróleo do pré-sal oferece várias oportunidades de teste de grande nação. Uma delas em relação ao direito do povo brasileiro de aí investir seus recursos de poupança. O relator da matéria da Petrobras na Câmara, deputado João Maia (PR-RN), em parecer apresentado a sua Comissão no último dia 28, proíbe o uso dos depósitos de poupança em FGTS para o fim de capitalizar a empresa, que, por excelência, é vista como de todos os brasileiros. A União federal, no entanto, poderá capitalizar a Petrobras por meio de títulos que lançará. Ou seja, o povo não pode o que o Estado pode.
O trabalhador, se quiser participar do investimento, pelo atual parecer, vai ter que arrumar dinheiro vivo. Mas como? A maioria dos trabalhadores brasileiros mal consegue poupar e, quando o faz, é por meio do que se lhe retira do salário mensal, 8% para o FGTS, e outros 8%, pelo menos, para o pecúlio (?) da Previdência. E note: 16% é igual à taxa de poupança nacional. Não há, portanto, que exigir um tostão a mais de esforço de poupança desse brasileiro. É com seu FGTS que o trabalhador deve, se quiser, investir no pré-sal.
Os argumentos para proibir o povo de participar são formas dissimuladas ou involuntárias de exclusão econômica. Dizer que o FGTS foi, no passado, destinado a habitação e saneamento chega a ser pueril, pois regras adotadas lá nos anos 1960 já mudaram inúmeras vezes.
Afirmar que o direito de investir deveria ser para todos ou para ninguém é pura maldade, pois as diferenças já começam pelo fato de metade dos trabalhadores não dispor de um depósito de FGTS. Mas, se a preocupação com o "para todos" é para valer, melhor fazer cumprir o artigo 68 da Lei de Responsabilidade Fiscal, destinando parcela relevante das ações da União no pré-sal para compor um fundo da Previdência do INSS.
Se proibida a participação popular via FGTS, é certo o caminho judicial para tentar obter do Judiciário o remédio ao arbítrio que ora se ameaça impor. Nesse debate se estará testando não o tamanho do pré-sal, mas a largueza das reservas morais desse país que se pretende líder de outras nações.

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