terça-feira, setembro 01, 2009

ILN GOLDFAJN

A revisão da crise


O Globo - 01/09/2009


Dizem que medidas econômicas servem para evitar a crise passada, não necessariamente a futura. A crise passada é revista, analisada e discutida.

Novas medidas são propostas para evitar que a crise aconteça novamente.

Evita-se repetir os erros anteriores.

Mas desconhecem-se os problemas futuros. Há aqueles que consideram crises inevitáveis, pois ocorrem em áreas não afetadas anteriormente, nas quais os anticorpos dos agentes econômicos não foram criados.

Uma pergunta relevante para avaliar o avanço recente é se as medidas propostas até agora, se adotadas de forma diligente, seriam suficientes para evitar a crise que ocorreu. Não me refiro a crise futura, com o seu componente natural de imprevisibilidade, mas à crise que acabamos de sofrer. Em particular, a proposta de reforma do sistema financeiro pelo governo americano resolveria os problemas que levaram à crise recente? Nos EUA, houve uma alavancagem excessiva e a criação do chamado sistema bancário “sombra”. Medidas regulatórias atuais não impediriam alavancagem excessiva do sistema financeiro.

Houve a utilização de balanços de terceiros e de contabilidade criativa.

A utilização de balanços de terceiros ocorreu com a securitização das hipotecas, que permitiu a distribuição desses ativos para os balanços de terceiros, cuja restrição de capital é menor ou até inexistente. Para isso, houve a criação de veículos especias para carregar ativos, os structured investment vehicles (SIV).

A proposta de reforma financeira nos EUA adota uma série de medidas com o objetivo de ampliar a restrição de capital e flexibilizar a adaptação da legislação às inovações do sistema financeiro.

Essas medidas têm a intenção de restringir a alavancagem excessiva no sistema financeiro. A mudança na consolidação contábil das instituições financeiras relevantes, por exemplo, reduziria a capacidade de as mesmas se alavancarem via ativos fora do balanço. O aumento do capital legal dos bancos implicaria que apenas uma perda maior do que a ocorrida gerasse uma crise. A consolidação da regulamentação das instituições sistêmicas sob a direção do Fed vai na direção de cobrir espaços e diminuir conflitos entre as diferentes agência regulatórias, além de permitir uma atuação tempestiva das autoridades.

Mas se essas mudanças tivessem ocorrido no passado, a bolha nos preços de ativos teria sido evitada? Infelizmente, a resposta é negativa.

Parece pouco provável que a consolidação da regulação no Fed, por exemplo, gerasse uma atitude diferente da ocorrida, haja vista a confiança na autorregulação dos mercados financeiros. É difícil imaginar que, antes da crise, no apogeu da visão do sucesso macroeconômico (o Great Moderation: baixa inflação e alto crescimento) e financeiro (autorregulação e inovações), o regulador (mesmo o Fed, com maiores poderes) tomasse uma postura que restringisse a alavancagem. Inovações financeiras eram consideradas puramente avanços tecnológicos (e o são, mas sua difusão sem regulamentação adequada traz riscos ao sistema). Há diversos exemplos de medidas de desregulamentação financeira (e/ou de resistência a mais regulamentação financeira), que ocorreram nos anos anteriores à crise, com a anuência implícita do Fed. Um exemplo foi a resistência do Fed (sob liderança de Alan Greenspan) à proposta de regular minimamente o mercado de credit default swap (CDS).

Enfim, o sistema financeiro provavelmente continuaria sujeito a riscos parecidos aos que desembocaram na crise passada. Isso significa que a crise poderá se repetir da forma como ocorreu recentemente? Pouco provável, dada a mudança aparente no conjunto de crenças existentes. A grande moderação macroeconômica do passado é hoje questionada, assim como o excesso de risco incorrido nas aplicações. Mas se o fim da recessão der lugar à complacência com os erros do passado, o excesso de otimismo pode voltar, e as mudanças nas regras não serão suficientes para evitar crises futuras, nem mesmo aquelas aparentadas com a crise anterior.

OBS: Para uma análise mais completa, vejam texto coautorado com Roberto Almeida Prado para o e-book “A reforma do sistema financeiro americano”, do Iepe, Casa das Garças.

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