Comecei a filmar um filme sobre a "busca da felicidade", essa ideia fixa do Ocidente, transcrita até na Constituição norte-americana. No filme, não trato da "bem-aventurança" atual, mas de uma felicidade "de época", ao final dos anos 50. Não havia ainda a abertura "psicológica" de hoje; a felicidade se encolhia pelos cantos de um cotidiano reprimido, temeroso de grandes alegrias, dentro e fora das famílias. Era quase feio demonstrar muito prazer, como se a risada fosse um luxo. Minha avó aconselhava: "Cachez votre bonheur" (esconda sua felicidade)… Era diferente do narcisismo compulsivo que vemos agora, com ricos, jovens e famosos expondo suas gargalhadas na mídia.
Felicidade muda com a época. Antigamente, a felicidade era uma missão, a conquista de algo maior que nos coroasse de louros; a felicidade demandava o sacrifício. A felicidade se construía. Hoje, felicidade é ser desejado, consumido. Confundimos nosso destino com o destino das coisas. Uma salsicha é feliz? Os peitos de silicone são felizes?
Já escrevi sobre isso e volto agora por causa do filme, ao examinar com fascínio as revistas mundanas. Olho com inveja e rancor as fotos dos afortunados, pois todos são mais felizes do que eu. Ser feliz é parecer feliz.
A dúvida e as dores da vida são ocultadas. Já houve tempo em que era chique não sorrir; já houve os olhos fundos dos existencialistas, a cara abatida dos "beats", fotografias em que o espectador era olhado com desprezo acusatório. Hoje, as celebridades parecem dizer: "Azar o teu por não estares aqui, ‘seu’ anônimo. Aqui, não há fracassos, não há o inconsciente. Ninguém pode deprimir. Tristeza não é comercial. Tudo é claro e óbvio como nossas gargalhadas".
Na felicidade industrializada, só o excesso é valorizado. Não há a contemplação elegante da delicadeza, nem a tradição de uma feliz sabedoria, de uma serenidade discreta. Nossa felicidade não é minimalista; está mais para uma imitação carnavalesca de Luís XIV.
As personagens da mídia feliz vivem como se não houvesse armadilhas na existência; apenas o narcisismo óbvio é cultuado como sendo o ideal a atingir. Esse conceito redobrou em força depois que morreram os antigos agentes da dúvida, os socialismos e desbundes. Assistimos ao triunfo da caretice disfarçada de libertação.
As fotos dos deslumbrados e deslumbrantes não precisam de caricatura; elas se criticam sozinhas, elas são paródias de si mesmas.
"Estaremos aqui para sempre, eternos em nossas baladas e desfiles - parecem dizer -: conquistamos isso tudo, esses cães de luxo, essas sopeiras de porcelana, esse vaso Ming falso".
Muito importante é ver, nas fotos de milionários e colunáveis, a cenografia onde eles pousam como peixes em aquários de luxo, orgulhosos de seus tesouros: as casas e eles mesmos.
Não se veem vestígios "dark". Tudo é novo, tudo brilha, tudo é presente. Contra o decorrer do tempo, existem os "makeovers", jorros de silicone e bochechas de botox. Para essa gente, não houve crises e mudanças no mundo. Não houve anos 60, nem guerras quentes e frias, nem fraturas ideológicas, muros caídos, fim de utopias, nada. Não aprenderam nada e não esqueceram nada, como disseram dos Bourbon.
Nas fotos, só aparecem gestos e coisas que gritam: lustres de cristal, galgos de bronze com olhos de safira, mármores falsos, ouro de tolos, ninfas de marfim, objetos no estilo catete-gótico, "barroco Teodoro Sampaio" ou "Early Lar Center", atacando a arte contemporânea numa blitz feroz.
A decoração dos ambientes é para eles ou eles são para a decoração? As pessoas combinam com a casa. Uma vez, uma perua me perguntou como era o restaurante aonde iríamos para botar uma roupa que combinasse. É extraordinário como para eles tem de haver continuidade no mundo, uma coisa puxando a outra, numa lógica que começa num elefantinho de prata e acaba na ideia de Deus.
Em muitas fotos parece não haver figura e fundo. Há fotos em que os eternos felizes pousam orgulhosos diante de seus retratos, criando um efeito narcísico de espelhos infinitos. Quem está ali? A dona ou o retrato?
Tudo ali é controlado pela ideia de simetria total. O abajur tem seu par, o castiçal tem seu par, o marido abraça a mulher em perfeita perspectiva com as duas colunas romanas que os ladeiam, e todos os pecados se apagam ali no sereno tapete e no brasão do jaquetão de comodoro. Tudo passa a ideia de autossuficiência, de ilha de paz e tranquilidade, realização do ideal de casa, contra a rua do mundo. São abrigos contra o mundo, são abrigos anti-atômicos num estilo rococó que resiste a todos os avanços do bom gosto; ali pode-se viver, andar de cavalinho de plástico na piscina e rolar no veludo durante qualquer catástrofe econômica ou política. Nada os atingirá.
Os "venturosos" contemporâneos não se contentam em mostrar seus bens, caras e bocas; sentem-se tão acima de nós que adoram exibir e justificar qualquer vício, perversão ou vexame que cometam. Não há mais nada a esconder; ao contrário - eles têm o prazer de ostentar uma mentirosa autoconsciência, como se tivessem controle sobre o que são. "Ah, sim, eu já me prostituí muito, sim, eu gosto de transar em mictórios públicos, sim, me excita até ver cenas de crimes ou chacinas - me sinto liberado, sabe? Mas, tudo numa boa, sacou? Sou livre e maduro..."
Mas, afinal, temos liberdade para desejar o quê? Bagatelas, mixarias, uma liberdade vagabunda para nada, para rebolar o rabo em revistas, uma liberdade fetichizada, produto de mercado disfarçado de revolta de festim. Somos livres dentro de um chiqueirinho de irrelevâncias, buscando ideais como a bunda perfeita, recordes sexuais, sucesso sem trabalho, a fama em vez do merecimento. Não precisamos fazer nada ou saber nada. Basta aparecer, pois o pior castigo é o anonimato.
No futuro (se houver algum…), essas colunas e revistas de ricos e famosos serão uma valiosa contribuição para a semiologia da nossa caretice.
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