domingo, setembro 26, 2010

FERREIRA GULLAR

Às vésperas do pleito
Ferreira Gullar
FOLHA DE S. PAULO - 26/09/10

Situo-me no polo oposto àqueles que aspiram chegar a uma sociedade de uma opinião só


A proximidade do dia das eleições, quando iremos às seções eleitorais exercer nossa cidadania, votando nos candidatos de nossa preferência, tem inevitavelmente acirrado os ânimos, não só dos candidatos, como os nossos, de eleitores.

Isso pode ser bom ou mau. É bom quando indica empenho em escolher os melhores para legislarem e governarem -e é mau quando nos leva a perder a capacidade de discernir o certo do errado, a mudar a convicção política ou ideológica em fanatismo.

Sem pretender me dar como exemplo de isenção, verifico, não obstante, como algumas pessoas passam dos argumentos objetivos -ainda que impregnados de paixão- a afirmações que mitificam a personalidade deste ou daquele candidato.

Como já escrevi aqui, repito agora que não pertenço a partido político nem tampouco estou engajado na campanha de nenhum candidato. Ao opinar sobre qualquer deles, faço-o na condição de articulista que, assim como discute questões culturais e sociais (arte, política psiquiátrica, inoperância da Justiça, ficha suja etc.), discute também a conjuntura política que, neste momento, interessa à maioria dos leitores.

Podem meus comentários, eventualmente, influir na decisão de um ou outro leitor, mas não é essa minha intenção prioritária e, sim, contribuir para que sua escolha se faça da maneira mais lúcida e autônoma possível. Acresce o fato de que outros comentaristas opinarão em sentido diverso, trazendo à baila outros argumentos e, com isso, contribuindo para que o debate se amplie e se aprofunde. Situo-me no polo oposto àqueles que aspiram chegar a uma sociedade de uma opinião só.

É com esse propósito que tenho abordado aqui alguns aspectos polêmicos da conjuntura eleitoral e política. Procuro, igualmente, refletir a preocupação de outras pessoas que, mantendo-se à margem da disputa eleitoral, manifestam preocupação com o rumo que as coisas estão tomando, sendo que alguns deles temem pelo futuro da própria democracia brasileira.

Para estes, a vitória de Dilma Rousseff, por implicar o prosseguimento no poder do mesmo partido, poderia ter consequências imprevisíveis, dado o crescente aparelhamento da máquina do Estado por petistas e sindicalistas, que a utilizam partidariamente.

Isso poderia levar à crescente privatização do Estado, em benefício de um mesmo grupo político e, em última instância, ao cerceamento da ação política divergente.

Faz parte deste processo a mitificação da figura de Lula que, no curso de sua história pessoal, passou de líder raivoso a Lulinha paz e amor e agora -para meu espanto- à categoria de grande estadista, que teria mudado a face do Brasil.

Nessa linha de raciocínio, vem se formando a teoria segundo a qual quem se opõe a Lula opõe-se na verdade ao povo brasileiro, uma vez que ele é o primeiro presidente, "que veio do seio do povo".

Trata-se de um argumento curioso, que busca qualificar o indivíduo -no caso, um líder político- por sua origem social de classe. Digo curioso porque os que assim argumentam consideram-se obviamente de esquerda, mas não se dão conta de que, com esta postura, repetem as elites do passado, que também qualificavam os indivíduos por sua classe social de origem.

Naquela visão -que a esquerda definia como reacionária-, quem tivesse origem nobre era tacitamente superior a quem não o tivesse. Agora, na sua inusitada avaliação, superior é quem nasce do "seio do povo" e, por isso, quem critica Lula coloca-se, na verdade, contra o povo. E povo - entenda-se - é só quem for pobre.

Mas atrevo-me a pergunta: e quem não recebe Bolsa Família é o que?

Não resta dúvida de que a ascensão de um operário à Presidência da República brasileira é uma importante conquista de nossa democracia, mas não porque quem nasce no seio do povo venha impregnado de virtudes próprias aos salvadores da pátria. Do seio do povo também veio Fernandinho Beira-mar.

Lula chegou onde chegou não por sua origem e, sim, por sua capacidade de liderança e sua sagacidade política; a origem social e a condição de operário, que certamente influíram na decisão do eleitor, não devem servir de pretexto para transformá-lo num líder a quem tudo é permitido, acima de qualquer juízo crítico.

J. R. GUZZO

Um mundo novo
J. R. GUZZO
REVISTA VEJA

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OS SEGREDOS DO LOBISTA - REVISTA VEJA

OS SEGREDOS DO LOBISTA
DIEGO ESCOSTEGUY E RODRIGO RANGEL
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BETTY MILAN

O gosto da surpresa
BETTY MILAN
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Liberdade e honra
LYA LUFT
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REVISTA VEJA - CARTA AO LEITOR


A semente da resistência
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EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

O mal a evitar
Editorial
O Estado de S Paulo - 26/09/10

A acusação do presidente da República de que a Imprensa "se comporta como um partido político" é obviamente extensiva a este jornal. Lula, que tem o mau hábito de perder a compostura quando é contrariado, tem também todo o direito de não estar gostando da cobertura que o Estado, como quase todos os órgãos de imprensa, tem dado à escandalosa deterioração moral do governo que preside. E muito menos lhe serão agradáveis as opiniões sobre esse assunto diariamente manifestadas nesta página editorial. Mas ele está enganado. Há uma enorme diferença entre "se comportar como um partido político" e tomar partido numa disputa eleitoral em que estão em jogo valores essenciais ao aprimoramento se não à própria sobrevivência da democracia neste país.
Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, oEstado apoia a candidatura de José Serra à Presidência da República, e não apenas pelos méritos do candidato, por seu currículo exemplar de homem público e pelo que ele pode representar para a recondução do País ao desenvolvimento econômico e social pautado por valores éticos. O apoio deve-se também à convicção de que o candidato Serra é o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o País.
Efetivamente, não bastasse o embuste do "nunca antes", agora o dono do PT passou a investir pesado na empulhação de que a Imprensa denuncia a corrupção que degrada seu governo por motivos partidários. O presidente Lula tem, como se vê, outro mau hábito: julgar os outros por si. Quem age em função de interesse partidário é quem se transformou de presidente de todos os brasileiros em chefe de uma facção que tanto mais sectária se torna quanto mais se apaixona pelo poder. É quem é o responsável pela invenção de uma candidata para representá-lo no pleito presidencial e, se eleita, segurar o lugar do chefão e garantir o bem-estar da companheirada. É sobre essa perspectiva tão grave e ameaçadora que os eleitores precisam refletir. O que estará em jogo, no dia 3 de outubro, não é apenas a continuidade de um projeto de crescimento econômico com a distribuição de dividendos sociais. Isso todos os candidatos prometem e têm condições de fazer. O que o eleitor decidirá de mais importante é se deixará a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só, submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção.
Não precisava ser assim. Luiz Inácio Lula da Silva está chegando ao final de seus dois mandatos com níveis de popularidade sem precedentes, alavancados por realizações das quais ele e todos os brasileiros podem se orgulhar, tanto no prosseguimento e aceleração da ingente tarefa - iniciada nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique - de promover o desenvolvimento econômico quanto na ampliação dos programas que têm permitido a incorporação de milhões de brasileiros a condições materiais de vida minimamente compatíveis com as exigências da dignidade humana. Sob esses aspectos o Brasil evoluiu e é hoje, sem sombra de dúvida, um país melhor. Mas essa é uma obra incompleta. Pior, uma construção que se desenvolveu paralelamente a tentativas quase sempre bem-sucedidas de desconstrução de um edifício institucional democrático historicamente frágil no Brasil, mas indispensável para a consolidação, em qualquer parte, de qualquer processo de desenvolvimento de que o homem seja sujeito e não mero objeto.
Se a política é a arte de aliar meios a fins, Lula e seu entorno primam pela escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder. Para isso vale tudo: alianças espúrias, corrupção dos agentes políticos, tráfico de influência, mistificação e, inclusive, o solapamento das instituições sobre as quais repousa a democracia - a começar pelo Congresso. E o que dizer da postura nada edificante de um chefe de Estado que despreza a liturgia que sua investidura exige e se entrega descontroladamente ao desmando e à autoglorificação? Este é o "cara". Esta é a mentalidade que hipnotiza os brasileiros. Este é o grande mau exemplo que permite a qualquer um se perguntar: "Se ele pode ignorar as instituições e atropelar as leis, por que não eu?" Este é o mal a evitar.

UM FASCISTA VAGABUNDO

LULA UM FASCISTA BANANEIRO




DANUZA LEÃO

A posse das coisas


DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 26/09/10

E o que era o dinheiro, essa invenção diabólica, razão de brigas, deslealdades, traições, guerras, mortes?

Há MUITOS anos, vendi o apartamento onde morava para um americano, e como ele não tinha conta em banco, pediu para pagar em dinheiro; dinheiro vivo. Eu até gostei. No fundo, no fundo, muito melhor dinheiro do que cheque.
  Depois que se deposita ainda são 48 horas para compensar, sabe-se lá se nesse tempo o comprador não morre e a mulher, com quem ele tem conta conjunta, vai lá e leva tudo. Em dinheiro é melhor.
Marcamos numa sala do meu banco, chegou o advogado, o homem do cartório, todos nos sentamos em volta de uma mesa -eu sorrindo, porque estava vendendo, ele sorrindo, porque estava comprando-, e começou a leitura da escritura. Não prestei muita atenção; já que estava vendendo, a única coisa que me interessava era receber o dinheiro e depositar.
  Aí, chegou a hora do pagamento: o comprador abriu uma maleta tipo James Bond, botou os maços de dinheiro em cima da mesa e esperou que eu conferisse. Até tentei, mas como não estava (nem estou) acostumada a contar dinheiro, a coisa ficou lenta. Aí, a gerente do banco perguntou se eu não gostaria que um funcionário, com mais prática, fizesse isso por mim; eu, aliviada, disse que sim.
Por alguma razão -talvez pelo respeito que o dinheiro impõe- fez-se silêncio. Todos olhávamos para as mãos da pessoa que contava e para as notas, como se estivéssemos hipnotizados. E foi aí que viajei em meus pensamentos.
No quinto pacotinho, pensei que com eles podia comprar um carro. Mas aí vieram os outros, e me perdi. Me perdi e só via montes de folhas de papel pintado, cortados do mesmo tamanho; muito bonitinhos até, mas apenas um monte de papel. Perdi a noção de que aquilo era dinheiro e comecei a pensar.
Então estava trocando meu apartamento com vista para o mar, onde fui tão feliz, por aqueles montinhos de papel? E o tempo que levei escolhendo a cor das paredes, os sonhos que sonhei, os momentos de amizade, amor, felicidade, tristeza, desespero, ódio, esperança, tudo isso acabou, trocado por papel colorido?
E o que era o dinheiro, afinal, essa invenção diabólica, razão de brigas, deslealdades, traições, guerras, mortes?
O rapaz não acabava de contar, o silêncio continuava, e eu pensando. De tantas coisas tinha ouvido falar: de pessoas que abriram mão de suas convicções, trocaram de amigos, de marido ou de mulher, tudo por dinheiro, dos políticos que mudam de partido, que traem, que se vendem, que fazem qualquer coisa -qualquer coisa mes-mo- para serem eleitos e viverem em Brasília.
A contagem do dinheiro estava quase acabando, quando me lembrei de ter lido alguma coisa escrita sobre o Brasil na época do Descobrimento; há quem diga que os índios eram inocentes e felizes porque não conheciam nem o dinheiro, nem o casamento, nem a propriedade, isto é: a posse das coisas ou das pessoas.
E eu acrescento: eles também não conheciam o poder.
O dinheiro acabou de ser contado, assinei a escritura, suspirei, esperei pelo recibo do depósito e saí.
Já era noite, os ônibus passavam lotados; dei graças a Deus por ter dinheiro para tomar um táxi e fui para casa pensando que talvez fosse bem bom viver no meio do mato. Mas para isso seria preciso ter nascido há uns 500 anos.

GOSTOSA

JOÃO UBALDO RIBEIRO

A conspiração da imprensa

João Ubaldo Ribeiro 
O Estado de S.Paulo - 26/09/10

Acho que já contei aqui que, sempre que se fala em conspiração da imprensa, recalques antigos despertam no meu coração de jornalista. Meu primeiro emprego, aos 17 anos, foi em jornal e, de lá para cá, nunca cheguei a me afastar muito da profissão. E é com sentimentos um pouco ambivalentes que recordo jamais haver sido chamado para conspiração nenhuma, em jornal ou revista alguma. Pior ainda, nunca nem me deram a ousadia de me pôr a par da conspiração com que eu, afinal, mesmo quando era o mais humilde dos focas, estaria colaborando. Finjo que não ligo, mas vez por outra isso me dá um certo baque na autoestima, creio que vocês compreendem.
Em relação a subornos, meu recorde talvez seja até mais humilhante. Uma vez, quando eu era chefe de reportagem de um jornal de Salvador, o promotor de um evento me mandou dois litros de King"s Archer ("Arqueiro do Rei"), uísque nacional do qual na época se dizia desfechar uma letal flechada no fígado de quem o encarasse. Além disso, sem que eu desconfiasse de nada, pegaram as garrafas na portaria, beberam tudo e só me contaram meses depois, impondo-se a embaraçosa conclusão de que fui subornado sem saber - ou seja, nem a ser subornado direito eu acertei. E, quando eu era editor-chefe de outro jornal, um prefeito do interior, que estava sendo denunciado por escancarada corrupção, me ofereceu um velocípede para cada uma de minhas filhas. Ao lembrar a maneira com que o repeli, manda a honestidade reconhecer que minha indignação também se deveu ao valor da oferta, o miserável podia pelo menos ter oferecido uma bicicleta.
No meu tempo de metido a comunista, escrevi para jornais controlados pelo Partidão e nem nesses me inteiravam das conspirações. No máximo, havia uma palavra de ordem ou outra, que a arraia-miúda repetia em rodas de cerveja e para as quais ninguém parecia ligar muito. Nas eleições presidenciais de 1960, quando votei pela primeira vez, limitaram-se a me dizer que o partido apoiava o marechal Lott e nunca me explicaram por quê. E, quanto ao famoso ouro de Moscou, no qual se cevavam os comunistas, não só nunca vi sinal dele, como acredito que os comunistas meus amigos tampouco - foram eles os que roubaram e beberam os dois litros de King"s Archer.
Agora as suspeitas ou certezas de que há conspirações da imprensa em andamento voltam a circular. Creio que, quando se sente em si a encarnação do próprio povo, como parece estar acontecendo com o presidente Lula, deve ser difícil suportar notícias e opiniões discordantes ou mesmo apenas desagradáveis. Para ele, é bem possível que a imprensa seja até ingrata, porque, se ainda está aí, é porque ele quer, como, aliás, tudo está aí porque ele quer. A democracia e a liberdade são fruto de sua tolerância, pois, afinal, está claro que ele vê sua legitimidade como emanada diretamente do povo, sem a intermediação de quaisquer outros mecanismos ou a necessidade de instituições. E, nas horas de maior arroubo, talvez a virtude que ele acredite mais praticar seja a da paciência. Ele sabe o que o povo quer, o povo quer o que ele quer, que mais interessa? De fato, deve ser enervante ficar suportando essas contrariedades, quando se podia resolver tudo sem complicações supérfluas e inúteis. Haja paciência mesmo, devemos ser gratos por tanta paciência.
Como estará a conspiração agora? Minha falta de experiência não ajuda, mas fico imaginando salas hollywoodianas no alto de um arranha-céu na Avenida Paulista, em que os conspiradores se juntam para sua atividade golpista. Que estarão arquitetando esses grandes e facinorosos bandidos? Não se sabe, mas certamente moverão uma guerra feroz contra os bancos e os banqueiros. Afinal, nenhum setor ganhou ou ganha tanto neste país quanto eles, tudo está a favor deles. E, segundo se diz, eles demonstram sua gratidão através de contribuições generosíssimas para a campanha eleitoral em que está empenhado o governo brasileiro. As grandes empresas também andam faturando alto, o capitalismo está feliz, mais feliz que em seus melhores sonhos. Tal situação certamente incomoda a chamada grande imprensa, esse tradicional bastião anticapitalista. Deve ser por isso que ela deve estar tramando o golpe. E, claro, para que o golpe dê certo, precisam de um nome que tenha aceitação popular, que seja aclamado e não rejeitado. Ou seja, o próprio presidente Lula. Vocês vejam como essas coisas da política são paradoxais. Assim de primeira, ninguém diria, mas conspiração é conspiração, não vamos dar muito palpite no que não entendemos direito.
A imprensa é de fato um problema. Quase ninguém se lembra, mas a profissão de jornalista está entre as mais arriscadas e todo dia algum é vítima de violência. A primeira ação das ditaduras, universalmente, é a supressão da liberdade de opinião e o cerceamento de sua expressão pela via legítima que é a imprensa. Subsiste a realidade de que, desde que o mundo é mundo, a divergência desagrada aos poderosos, a crítica os ofende e qualquer opinião que não coincide com as suas é uma agressão. Um dos recentes pronunciamentos do presidente Lula sobre a imprensa mostrava uma animosidade truculenta comparável à de seu aliado Fernando Collor. A imprensa é vista como inimiga da nação, praticamente a responsável por tudo o que de errado acontece entre nós. Os mais velhos já viram tudo isso. Os jornalistas mais velhos já viveram tudo isso. E tudo, afinal, passou, assim como também passará o que estamos presenciando agora. As voltas que o mundo dá são tão prodigiosas que o presidente Lula, já ex-presidente, logo tornará a gostar da imprensa. E a precisar dela, como já precisou, pois que, no sábio dizer de nossos maiores, dor de barriga não dá uma vez só. 

DORA KRAMER

Ao eleitor o desempate
DORA KRAMER 
O Estado de S.Paulo - 26/09/10

Não é verdade que o Supremo Tribunal Federal não tenha decidido coisa alguma e que a sessão de quinta-feira não tenha servido para nada, como rezaram as primeiras análises.

Houve avanços, o que torna produtivas aquelas longuíssimas horas. Maior ganho de todos: a Lei da Ficha Limpa foi declarada constitucional. Portanto, acabou o sonho acalentado por muita gente (na política) de ver a lei morrer na praia do STF.

A questão que ficou é se será aplicada nesta ou só a partir da próxima eleição. Mas, se a gente pensar direito, bem ou mal a Lei da Ficha Limpa já entrou em vigor porque produziu efeitos: o mais imediato, a renúncia de Joaquim Roriz à candidatura para o governo do Distrito Federal.

Precavido, tinha preparado tudo para a eventualidade e lançou a mulher em seu lugar. Como já havia perdido a dianteira nas pesquisas justamente por causa das impugnações na Justiça Eleitoral (regional e nacional) e a repercussão do caso, o mais provável é que esse arranjo familiar não alcance êxito eleitoral.

Ora, para quem no início da campanha esteve com a vida ganha mesmo tendo renunciado ao mandato para não perdê-lo sob acusação de corrupção, foi uma perda e tanto.

E assim alguns outros que se afastaram "voluntariamente" só por causa da existência da lei e mais aqueles que perderão votos e não conseguirão se eleger. Alguns chegarão até o Congresso, mas serão em menor quantidade e terão na testa o carimbo de ficha-suja.

O resultado de 5 a 5 deixou um aroma de frustração no ar. De um lado, os que torciam pela aplicabilidade já da lei com a ideia equivocada de que o tribunal foi "conservador". De outro, os que consideraram que os magistrados fizeram figuração para a opinião pública, deixando de lado o que de fato se julgava ali, o cumprimento da Constituição.

A divisão ao meio mostra como há argumentos consistentes de um lado e de outro. Os especialistas debaterão à larga o assunto. Há um aspecto, porém, que ficou ressaltado naquela sessão e que requer muita atenção: o Brasil está querendo que o Supremo Tribunal Federal resolva todos os problemas que os demais setores não se dispõem a resolver.

O Congresso teve muito tempo para aprovar a lei um ano antes da eleição, a polícia deixa solto quem deveria prender, a Justiça é lenta e falha, e a sociedade quando se mostra disposta dar seu precioso voto a tiriricas e companhia não faz a sua parte.

Se quiser, pode começar daqui a uma semana, resolvendo o empate do Supremo nas urnas.

Tabajara. A questão de ordem levantada pelo presidente do Supremo durante o exame da validade da Lei da Ficha Limpa torna lícita a suspeita de que a mudança de redação feita na última hora no Senado tinha endereço certo: a contestação, e possível derrubada, no Judiciário.

Na visão do ministro Cezar Peluso o erro de origem - mudar o texto sem mandá-lo de volta para a Câmara - tornaria a lei inválida e, portanto, o assunto mereceria ao menos ser discutido.

Se os advogados de Joaquim Roriz tivessem contestado a imperfeição do processo legislativo, a discussão poderia ter prosperado.

No meio jurídico há certeza de que a mudança de redação foi proposital.

Em boa parte do meio político havia confiança na derrubada da lei. Desse ponto de vista deu tudo errado.

Os limites. Para o PT aprender que nem todo mundo se vale dos instrumentos a disposição só para ganhar uma parada: os presidentes do Supremo podem votar duas vezes em caso de empate, mas nunca usaram do expediente.

Usina. Erenice Guerra é uma fonte inesgotável de escândalos. Lembra José Sarney na crise de 2009 no Senado. Com a diferença de que não era ano eleitoral e Sarney pôde contar com a divina proteção presidencial.

VOTE

ELIO GASPARI

Trem-Bala do PT irá do Oiapoque ao Chuí
ELIO GASPARI

FOLHA DE SÃO PAULO - 26/09/10

O projeto Rio-SP ainda não saiu do papel e custará o dobro, mas prometem triplicar a malha


O PROJETO DO TREM-BALA tornou-se um monumento à empulhação. Tratando-se de uma obra que desde o primeiro momento foi acompanhada pela ministra Dilma Rousseff, ela permite viajar num tópico de sua qualificação técnica e administrativa.
Em 2007 o trem faria a rota Rio-São Paulo, ficaria pronto antes da Copa de 2014, custaria R$ 18 bilhões, cobraria R$ 80 pela viagem e nada custaria à Viúva. Seria bancado pelos concessionários. O bólide não pararia no caminho, mas ninguém sabia dizer por quê.
Felizmente o Tribunal de Contas travou a proposta, apontando inconsistências na estimativa da demanda. O TCU encontrou uma tabela com números absurdos. Feita a denúncia, o consórcio italiano que encaminhou o estudo disse que aquela planilha não tinha sido posta lá por ele.
Em 2008 decidiu-se que o governo entraria no negócio e o Trem-Bala tornou-se uma das joias da coroa do PAC. A essa altura o preço foi estimado em mais R$ 18 bilhões, com diversas paradas, estendendo-se até Campinas, uma decisão que deveria ter sido tomada no primeiro momento. A ministra Dilma Rousseff defendia o projeto italiano mas ele foi moído no BNDES. Em maio daquele ano a comissária confirmava o custo previsto na literatura do PAC. O BNDES trabalhava com uma conta de R$ 22 bilhões.
Em 2009, aquilo que seria um projeto privado ainda não atarraxara um só parafuso, mas começou-se a falar na criação de uma empresa estatal para a obra. Quando ao custo, pulou para R$ 33 bilhões e as paradas seriam oito. O velho e bom BNDES deveria pingar R$ 20 bilhões.
Todos os prazos e custos do projeto estouraram. A tarifa Rio-São Paulo de R$ 80 já está estimada em R$ 200. Ofereceram-se isenções tributárias de ICMS, PIS/Pasep e Cofins aos interessados. (Coisa de R$ 500 milhões.) Os consórcios internacionais querem que o governo garanta a demanda e tudo indica que serão atendidos, apesar de um deles já ter dito que não precisa disso. (Com garantia de demanda, Eremildo, o Idiota, inaugura uma linha de ônibus para a Lua.)
Com a proximidade da eleição, o embuste ganhou uma nova dimensão. Em maio renasceu uma ideia de 2008 para estender o percurso do Trem-Bala a Belo Horizonte e Curitiba. No traçado Rio-Campinas ele percorreria 518 quilômetros. Com essa duas linhas, seriam mais 895 quilômetros.
Em julho o senador Aloizio Mercadante prometeu trabalhar para levar o trem a Bauru, Sorocaba e Ribeirão Preto. Mais 400 quilômetros, pelo menos. Os 518 km iniciais ainda estão no papel e já prometeram mais 1.300 km. Se o dia 3 de outubro demorar mais um pouco, os candidatos do governo oferecerão o Expresso Oiapoque-Chuí.

DILMÔMETRO
Um curioso percebeu que Dilma Rousseff tem uma característica indicativa que está disposta a fechar o tempo durante uma discussão. Basta ficar de olho na veia que passa na altura de sua têmpora esquerda.
Quando ela se dilata, aí vem chumbo.

CINTURA REAL
O ex-presidente americano Jimmy Carter publicou o diário que manteve durante seu governo (1977-1981). No seu estilo, evita fofocas e maledicências. Mesmo assim, conta que a rainha Elizabeth cuida de seu chassis porque, se engordar, terá que fazer sete novos uniformes militares para vesti-los em diferentes paradas. Segundo ela, custam caro.

BOM SINAL
Dois candidatos a deputado, do Rio e de São Paulo, surpreenderam-se com uma novidade. A patuleia não gosta de receber santinhos com sugestões de votos para candidatos a senador, governador e presidente.
A chamada "marmita" tornou-se ofensiva, pois o cidadão se vê tratado como um ignorante, incapaz de escolher seus candidatos. Ele quer compor o próprio voto, como bem entender.

ESTILO-TÉDIO
Alguém precisa avisar ao ministro Cezar Peluso, presidente do STF, que, com as câmeras ligadas, seu estilo de professor entediado prejudica a qualidade de seus argumentos.
Contrapondo-se ao desempenho gestual e verbal de Ricardo Lewandovski e à serenidade de Carlos Ayres Britto, Peluso teria dificuldade até para defender a lei da gravidade.



EM FIM DE GOVERNO, RESSURGE O CARTÃO SUS 
Depois de oito anos de inépcias, irregularidades e empulhações, o Ministério da Saúde acelerou o que seria uma reformulação do Cartão SUS, um plástico que guardaria a história das relações de um cidadão com a rede médica pública.
O Cartão SUS é um projeto do tucanato e se promessa de governo tivesse algum valor, desde o final de 2001 ele já estaria no bolso de 100 milhões de pessoas. Por pouco suas maracutaias não acabaram em CPI. Agora, no melhor estilo triunfalista, o ministério começou a rodar uma marquetagem e lançou o "Projeto Revitalização do Cartão SUS". Em nenhum momento informam o que aconteceu com essa iniciativa a ponto de ser necessário "revitalizá-la". Ela torrou R$ 400 milhões e deu em nada.
O Ministério da Saúde quer começar tudo de novo, com um projeto que, pela lei da gravidade, cairá no colo de duas ou três grandes empresas de softwares e equipamentos. A burocracia do doutor José Gomes Temporão nunca botou a cara na vitrine para explicar o fracasso do projeto.
Faltando três meses para o fim do governo, querem recriar o universo sem explicar por que a máquina do DataSus ficará de fora. Ao contrário das grandes empresas, ele trabalha com softwares livres. Se o DataSus não serve para nada, deveriam fechá-lo. O que acontecerá com o que já foi feito? A escassa coordenação que existe baseia-se num cadastro trabalhado pelo DataSus.
Num governo que defende o uso de softwares livres na máquina federal, o SUS quer se juntar à Polícia Federal e ao Detran, contratando programas fechados. Pode até ser o melhor caminho, mas a experiência mostra que, desde o início, o Ministério da Saúde fez uma opção preferencial pelas encomendas.
Compraram milhares de modems numa época em que a rede bancária começava a operar as contas de seus clientes pela internet. Nessa área, tudo o que podia dar errado errado deu. Querem apressar o negócio porque, se o dinheiro não for gasto logo, cairá em exercício findo. Nesse caso, a pressa destina-se a torrar logo o dinheiro da Boa Senhora.
O doutor Temporão e Nosso Guia deveriam tomar a mais simples das decisões: O que não fizemos em oito anos não devemos tentar fazer em dois meses. Sobretudo se "fazer" significa fechar contratos milionários.

JOSÉ SIMÃO

Ueba! Vai ter debate de sogra? 
José Simão

FOLHA DE SÃO PAULO - 26/09/10

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O Esculhambador-Geral da Republica! Ereções 2010! Twitter do dia: "Além de ler e escrever, a Mulher Pera admite saber as quatro operações básicas: bunda, peito, nariz e lipo!". E ainda diz: "Eu vou se eleger!". Rarará!
E eu recebi a foto de um candidato em Bari, sul da Itália: PEPPINO LONGO. Pra quem tem pepino curto! E hoje mais um debate bronha. Na Record. E quem não gostar do debate pode reclamar com o Bispo! Chega de debate. Eu quero debate com as sogras dos candidatos. Esse sim ia pegar fogo, debate boca!
E a sogra do Eymael tem jingle? E o Levy Fidelix tem aerossogra? E eu quero ver a sogra do Plínio Arruda! Rarará! E a sogra da Dilma? Sogra da Dilma é pleonasmo. A Dilma é a sogra do Brasil! E a sogra do Serra revela: ele solta pum na mesa e fez xixi na piscina do Clube Pinheiros! A sogra do Serra é a mãe da Noiva Cadáver! E a sogra da Marina revela: ela fazia fogueira na Amazônia quando criança!
E sabe o que eu vou dar pra Dilma usar no debate? Um collant de malha canelada roxo. Rarará. Pra ficar com o peito mais estufado que galo de briga! E o Serra vai usar o que? Capa de vampiro, ué! "A Meia-Noite Encarnarei no Teu Cadáver"! Rarará! E a Marina vai fantasiada de árvore de teatro infantil. E o Plínio Geriátrico da Breca? Devia ir com um agasalho igual ao do Fidel Castro. Aquela agasalho da Adidas, ops, FADIGAS. Um agasalho da Fadigas! E o Plínio ficou na maior indecisão na hora de ir pro debate: não sabe se vai de DKW, Dauphine, Gordini ou Simca Chambord! E um amigo me disse que o Serra não devia ir: porque ele é como o Atlético Mineiro, toda vez que aparece na televisão perde 3 pontos. Rarará!
E a Dilma não devia ir, mandava a Erenice. Com aquele corpinho de máquina de lavar desligada! Rarará! E a Marina não devia ir, devia mandar o ET de Varginha que ninguém ia reparar. Rarará! E o Plínio não devia ir. Pra não tomar sereno!
A Galera Medonha! A Turma da Tarja Preta! E a piada pronta com o candidato Destro no Paraná: Destro nega que é de esquerda. E agora eu não sei se voto no Pinto de Casa Nova, na Maria Chupetinha, no Colesterol, no Edivan da Van ou no 007 Brasileiro. E no Cicero Rola ou na Shana Dias. Cicero Rola, esse tem cabeça! E será que a Shana e o Rola se entendem? Rarará! E tem gente que ainda reclama de falta de opção. Rarará. A situação tá ficando psicodélica. Ainda bem que nóis sofre, mas nóis goza. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Chega de hipocrisia! Sexo de noite e sexo de dia!

GOSTOSAS

MERVAL PEREIRA

Metamorfoses
Merval Pereira
O GLOBO - 26/09/10

O presidente Lula é o sujeito mais enganado do mundo. Ou o que mais se engana. Ou se acha capaz de enganar todo mundo. Já se declarou uma “metamorfose ambulante” para justificar suas constantes mutações. Agora mesmo passou de um ponto a outro, de acusar a mídia de tentativa de golpismo a tratá-la como a coisa mais importante do mundo.

Ele, que apregoava que a “velha mídia” não tem mais impor tância na relação com os cidadãos, admitiu, sempre nos palanques, que sua disputa com a imprensa é em busca de elogios, que fica de ego inflado quando é elogiado.

Menos, presidente, menos.

Mais do mesmo, apenas a repetição de uma tática de morde e assopra em que ele é mestre. Pelo mais recente relato da crise na Casa Civil, repete-se o mesmo roteiro, que leva a crer que, ou o presidente não sabe escolher seus assessores — o que coloca uma dúvida sobre a escolha de Dilma como sua candidata —, ou não consegue controlar sua equipe.

E tampouco Dilma consegue.

Uma semana depois da saída de Erenice Guerra da Casa Civil, sob acusação de tráfico de influência, ele admitiu finalmente que pode ter sido enganado. “Se alguém acha que pode chegar aqui e se servir, cai do cavalo, porque a pessoa pode me enganar um dia, mas não engana todo mundo todo dia”.

Esse comentário de Lula é uma demonstração de que ele é um precipitado quando quer defender seu feudo eleitoral, e, por isso, perde o senso de medida.

Um dia depois de ter que demitir sua ministra, o presidente voltou a subir nos palanques para criticar a imprensa, dizendo para seu eleitorado que os jornais “inventam coisas” contra ele apenas por que apoiam a candidatura adversária de José Serra.

A candidata Dilma foi no mesmo diapasão, acusando a oposição de usar “calúnias e falsidades” contra o governo.

Hoje, o presidente já admite que pode ter sido enganado, e a candidata oficial tira o corpo fora para dizer que foi Lula quem indicou Erenice para o ministério.

Antes, dizia que não vira nenhum sinal de atitudes indevidas de seu antigo braçodireito, agora transformada em simples “ex-assessora”.

Agora, Dilma já anuncia que é a favor de punições rigorosas, e que nunca foi favorável ao nepotismo que estava instalado no seu ministério, desde quando era ela a responsável principal.

No caso anterior, da quebra de sigilo fiscal de pessoas ligadas ao candidato oposicionista, o presidente chegou a ir à televisão, num dia 7 de setembro, para, simulando uma declaração oficial de governo, assumir seu papel de cabo eleitoral da candidata Dilma.

Garantiu ao povo brasileiro que a turma “do contra” levantava calúnias contra seu governo. Até o momento, várias pessoas ligadas ao PT foram indiciadas pela quebra de sigilo; o aparelhamento político da Receita Federal transformou agências em verdadeiros balcões de negócios, e o próprio governo, que negava as acusações, teve que anunciar às pressas várias medidas para proteger políticos e suas famílias de uma possível invasão.

O fato de ter se mobilizado para blindar políticos, e só ter tido preocupações com efeitos eleitorais do episódio, mostra como o governo vem tratando a questão, sem se preocupar com o fato de que mais de mil pessoas tiveram seus sigilos negociados nos balcões da agência Mauá da Receita federal.

Como bem destacou a candidata do Partido Verde, Marina Silva, o governo deveria ter pedido desculpas aos contribuintes, e não apenas se preocupar com os aspectos políticos do episódio.

A tática de negar primeiro, e depois admitir que houve problemas, é recorrente no governo Lula. No mensalão foi a mesma coisa.

Em entrevista de Pedro Bial no Fantástico, em janeiro de 2006, o presidente Lula admitiu que houve erros, tanto, disse ele, que houve punições: “Genoino saiu da presidência do PT, o Silvinho não está mais no PT e o Zé Dirceu perdeu o mandato.

O Delúbio saiu do PT”.

O presidente, que havia se declarado “traído” no episódio, diz que “o conjunto dos acontecimentos” soou como se fosse uma “facada nas costas”.

Hoje, Lula diz que não houve mensalão, e que tud o não passou de uma conspiração da oposição, com apoio da mídia, contra o seu governo.A não decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei da Ficha Limpa coloca em risco a eleição do próximo dia 3 de outubro.

O Supremo deveria ter se reunido com mais antecedência, sabedor de que a questão é fundamental para definições eleitorais e, tendo se atrasado, deveria ter permanecido em plantão durante o fim de semana para chegar a uma deliberação.

Chega a ser chocante a discussão, mesmo que em tom irônico, sobre cobranças de horas extras pela sessão ter entrado pela noite adentro.

Ou ouvir a desculpa de que o tribunal não poderia se reunir antes de quartafeira porque vários dos senhores ministros tinham compromissos previamente agendados.

Ora, que compromisso pode ser mais importante do que definir regras para a eleição que ocorrerá dentro de uma semana? No voto do ministro Carlos Tófoli está revelado mais um problema que a não aplicação imediata da lei ocasionará.

Se for vitoriosa a tese de que a lei vale para ser aplicada na próxima eleição, teremos vários casos de políticos que se elegerão governador, senador ou deputado que, de antemão, não poderão concorrer à reeleição em 2014.

Estarão exercendo um mandato já com a definição de que são fichas-sujas.

A proposta mais sensata, a meu modo de ver, é a do ministro Ricardo Lewandowski, de que a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) prevaleça, na impossibilidade de o Supremo chegar a uma conclusão.

Ficaríamos livres dos fichassujas, sem perigo de eles se elegerem este ano.

MÍRIAM LEITÃO

Forças e fraquezas 
Miriam Leitão
O GLOBO - 26/09/10

Dilma Rousseff construiu uma versão para a história econômica recente e é protegida de si mesma pela armadura do marketing. José Serra abandonou a identidade que poderia ter e se debate num projeto sem rosto. Marina Silva tem a cara do novo, mas se perde na ambiguidade em relação ao seu antigo partido. Os três têm também forças. Eles nos levarão às urnas em uma semana

No período em que o Brasil se debateu contra a ditadura, Dilma e Serra se perfilaram no grupo que ficou contra o autoritarismo. Lutaram de forma diferente, mas foram contra o arbítrio e ambos pagaram um preço por isso. Marina, mais nova que os dois, também entrou na vida política pela oposição ao regime, e ingressou na vereda que virou o grande caminho do futuro: o do respeito aos limites do planeta.

Nenhum dos três é filho de oligarquias. A situação social em que Dilma nasceu foi melhor do que a de Serra, mas Marina é que cumpriu o mais espantoso roteiro de superação: da pobreza do Seringal Bagaço à senadora mais jovem da República.

Expulsa do paraíso petista, não por seus pecados, mas por suas virtudes, Marina comemorou num fiapo de resposta de Dilma, num debate recente, ter sido reconhecida como parte do governo Lula.

Aceita dividir com Dilma os louros de sua maior vitória pelo meio ambiente: a queda do desmatamento.

Os bancos oficiais continuam financiando as atividades que abatem árvores e esperanças; as grandes obras, que sua adversária brande como eixo do seu projeto, para a alegria das empreiteiras, ferem o coração da Amazônia; o modelo energético de Dilma aumentou a presença da energia fóssil na economia. As duas têm visões opostas sobre a questão ambiental e climática, mas Marina nunca foi capaz de confrontar sua adversária e revelar os conflitos entre elas.

O governo criou uma fábrica de números falsos em seus bem-aparelhados órgãos oficiais e reescreveu a história recente do país. Como a memória sempre foi fraca por aqui, fica-se assim entendido o falso como verdadeiro. Brigar com cada número resultaria numa discussão enfadonha, mas basta dizer que, em sete anos de governo e quatro de PAC, o saneamento básico saiu de 56% para 59%.

Ou seja, nada aconteceu no que há de mais intestino da qualidade dos serviços públicos, raiz da saúde e do meio ambiente urbano. Diante do falso brilhante dos trilhões que ela declama, o investimento público é de apenas 1,3% do PIB.

A verdade, para além do aborrecido traçar de números, é que, há décadas, o governo investe pouco e tira da sociedade cada vez mais impostos.

A carga tributária sobe constantemente, o governo tem déficit nominal, o rombo da previdência avança.

Mas Dilma repete a todos que ajuste fiscal é burrice. Anestesiados, os contribuintes continuarão pagando a conta sem sequer entendê-las.

Pela distorcida história oficial, a inflação não foi vencida no Plano Real, quando estava em 5.000%, tinha derrotado cinco planos, engolido décadas e arruinado famílias e empresas. A versão da campanha é que Lula recebeu um país em destroços.

Quem repõe a verdade vivida há tão pouco tempo? Deveria ter sido José Serra, mas ele não quis ou não soube.

Dissidente da política econômica que nos trouxe a tão sonhada estabilidade, ele ainda se pega em minúcias das discordâncias. Não conseguiu mostrar para o eleitor que, pela ação da privatização, um povo que tinha telefone em 19% das casas, hoje tem em 85% delas. Um país que vivia o tormento hiperinflacionário teve em Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, o líder que convocou os especialistas e arquitetou o plano que iniciou o novo Brasil. Só Marina tenta repor a verdade, ao lembrar fatos e distribuir méritos com sua serenidade destoante.

Serra não resgata o passado prisioneiro dos mitos do marketing petista; não consegue dizer o que fará de novo, se for eleito. O "pode mais" vazio acabou virando uma oferta de mais salário mínimo e mais aposentadoria. Com a eloquência do passado real e uma proposta consistente para o futuro, Serra poderia mais, mas sua campanha ficou sem rosto e projeto.

Marina tem a força de propor o novo. Tão novo que nem é entendido. Propõe uma revisão do conjunto dos estímulos e pesos tributários para crescer e incentivar a transição para a economia de baixo carbono. Hoje, carvão colombiano recebe redução de impostos para entrar no país, alimentar termelétrica financiada com dinheiro subsidiado do BNDES. E o país acha normal. O banco financia frigoríficos que compram carne de área desmatada. E o país acha normal. Uma farra com dinheiro público é montada para liquidar a grande volta do Xingu, num crime duplo: ambiental e fiscal. E o país acha normal.

Dilma tirou o máximo de proveito da segunda etapa do processo de criação do mercado de consumo de massas.

A primeira etapa foi o Plano Real. A segunda, no governo Lula, foi possível com a oferta de crédito e a ampliação dos programas de transferência de renda. Dos três candidatos, é a mais desconhecida dos eleitores. Eles votam numa miragem construída pela popularidade do Lula e pela propaganda.

Foi enclausurada pelo marketing por medo de que seu temperamento pusesse tudo a perder.

Os três têm forças e fraquezas, mas as distorções da campanha mostram que o país está desperdiçando o melhor momento de pensar estrategicamente seu futuro

O ESGOTO DO BRASIL

EDITORIAL - FOLHA DE SÃO PAULO

Todo poder tem limite
EDITORIAL
FOLHA DE SÃO PAULO - 26/09/10


Os altos índices de aprovação popular do presidente Lula não são fortuitos. Refletem o ambiente internacional favorável aos países em desenvolvimento, apesar da crise que atinge o mundo desenvolvido. Refletem,em especial, os acertos do atual chefe do Estado.
Lula teve o discernimento de manter a política econômica sensata de seu antecessor. Seu governo conduziu à retomada do crescimento e ampliou uma antes incipiente política de transferências de renda aos estratos sociais mais carentes.A desigualdade social, ainda imensa, começa a se reduzir. Ninguém lhe contesta seriamente esses méritos.
Nem por isso seu governo pode julgar-se acima de críticas.O direito de inquirir,duvidar e divergir da autoridade pública é o cerne da democracia, que não se resume apenas à preponderância da vontade da maioria.
Vai longe, aliás, o tempo em que não se respeitavam maiorias no Brasil. As eleições são livres e diretas, as apurações, confiáveis -e ninguém questiona que o vencedor toma posse e governa.
Se existe risco à vista, é de enfraquecimento do sistema de freios e contrapesos que protege as liberdades públicas e o direito ao dissenso quando se formam ondas eleitorais avassaladoras, ainda que passageiras. Nesses períodos, é a imprensa independente quem emite o primeiro alarme, não sendo outro o motivo do nervosismo presidencial em relação a jornais e revistas nesta altura da campanha eleitoral.
Pois foi a imprensa quem revelou ao país que uma agência da Receita Federal plantada no berço político do PT, no ABC paulista, fora convertida em órgão de espionagem clandestina contra adversários.
Foi a imprensa quem mostrou que o principal gabinete do governo, a assessoria imediata de Lula e de sua candidata Dilma Rousseff, estava minado por espantosa infiltração de interesses particulares. É de calcular o grau de desleixo para com o dinheiro e os direitos do contribuinte ao longo da vasta extensão do Estado federal.
Esta Folha procura manter uma orientação de independência, pluralidade e apartidarismo editoriais, o que redunda em questionamentos incisivos durante períodos de polarização eleitoral.
Quem acompanha a trajetória do jornal sabe o quanto essa mesma orientação foi incômoda ao governo tucano. Basta lembrar que Fernando Henrique Cardoso,na entrevista em que se despediu da Presidência, acusou a Folha de haver tentado insuflar seu impeachment.
Lula e a candidata oficial têm-se limitado até aqui a vituperar a imprensa, exercendo seu próprio direito à livre expressão, embora em termos incompatíveis com a serenidade requerida no exercício do cargo que pretendem intercambiar.
Fiquem ambos advertidos, porém, de que tais bravatas somente redobram a confiança na utilidade pública do jornalismo livre. Fiquem advertidos de que tentativas de controle da imprensa serão repudiadas -e qualquer governo terá de violar cláusulas pétreas da Constituição na aventura temerária de implantá-lo.

EDUARDO HENRIQUE DANTAS

Que peão é esse?
EDUARDO HENRIQUE DANTAS
JORNAL DO BRASIL - 26/09/10


Na reta final da campanha, o presidente Lula retoma aquele tom revolucionário
de outras eleições.
O "Lulinha paz e amor" já não frequenta mais os palanques, pois o outro - aquele que é parceirão de Fidel Castro, Hugo Chávez e Ahmadinejad, que vê a democracia como um ambiente que precisa de controle para veicular o que o governo quer, e que quer extinguir os partidos que lhes fazem oposição - bem, esse outro é o que está no comando.
Sua indumentária reincorpora o vermelho e a estrela, que simbolizam o pensamento radical de esquerda, e o reaproximam, no momento certo, das massas que empunham bandeiras e frequentam os palanques, cujos líderes estão encastelados no poder, sugando recursos de toda a ordem, inclusive desonestos, em larga escala.
E o que diz o presidente Lula, após dois governos de excelente aceitação pelo conjunto dos brasileiros: não querem que este peão dê certo! Que peão é esse a que Lula se refere? Será que é daquele trabalhador braçal, que, limitado pela falta de instrução, consome toda sua força física cortando cana, fazendo a roça, limpando as cidades? Será que ele se refere ao trabalhador que não é ouvido pela organização em que trabalha? Ou, ainda, será que ele se refere aos mais pobres?
O Lula, que venceu José Serra, era dono de um partido político, o PT, não fazia trabalho braçal, e era ouvido por toda a organização, tanto que sua vitória veio na quarta tentativa, e seu trabalho lhe rendeu recursos que lhe permitiam, à época, morar em uma cobertura duplex e ter um "sitiozinho" para descanso.
Definitivamente, Lula e sua família estão muito bem financeiramente, mas ele prefere ver-se como um peão revolucionário, que vai juntar as foices para combater a burguesia. Isso é muito conveniente, pois o mesmo povo de Lula, que é a opinião pública, segundo diz, vive o paradoxo de ter ascendido economicamente sem ter ido a lugar nenhum, pois o Bolsa Família é um peixe que lhe entregam de um mar que pode não estar pra peixe daqui a algum tempo.
Em algum momento, as pessoas terão que se defrontar com a verdade, não essas bravatas confessas de um cara que já foi peão, mas a farsa que se apropria do trabalho dos outros, que se aproveita do ambiente sustentável para desconstruí-lo, paulatina e vagarosamente, que deturpa o ideal das pessoas que imaginavam um projeto de governo praticando um projeto de poder, que subverte o maior valor da cidadania, a ética, para depois confundir limitações humanas com absoluta falta de discernimento.
A verdade é que todas as pessoas decentes desejam um belo futuro para todos, pois não que-rem que ninguém se acomode em ser um eterno peão, muito menos, cego, mentiroso, manipulador, antiético, hipócrita e autocrata, pois esse peão em que qualquer um pode se transformar sempre cai do cavalo que não é seu.


EDUARDO HENRIQUE DANTAS - Engenheiro de transportes/COPPE/UFRJ

GOVERNADORA ROSALBA

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA

Quem dá mais?
RENATA LO PRETE

FOLHA DE SÃO PAULO 26/09/10

Dedicado à tarefa de impulsionar José Serra em São Paulo na semana final de campanha, o PSDB local faz marcação cerrada sobre os prefeitos que ameaçam se deixar seduzir pelo pacote de bondades do governo Lula. A operação responde à abundante oferta de obras para cidades com menos de 50 mil habitantes -e minguado orçamento- inscritas no PAC2.
Sinalizando dividendos da possível vitória de Geraldo Alckmin já em 3 de outubro, os tucanos querem evitar desmobilização dos "multiplicadores" e migração de apoio para Dilma Rousseff no interior no momento em que os serristas enxergam o Estado como peça-chave para tentar forçar o segundo turno.

Arsenal A preocupação dos tucanos se baseia em números robustos. O Planalto abriu cadastro para construir 1.500 creches, 1.529 quadras poliesportivas e 2.172 postos de saúde em todo o país. Os projetos dispensam contrapartida. "Tem prefeito que nunca disporia de verba própria para esse tipo de obra", diz um dirigente do PSDB.

Prioritário Nos intervalos do debate da CNBB, o marqueteiro de Dilma, João Santana, defendeu para Antonio Palocci a necessidade de recorrer ao STF para derrubar a exigência de apresentação de documento com foto, além do título de eleitor, na hora de votar. No dia seguinte, a campanha entrou com ação direta de inconstitucionalidade no Supremo.

Cadê? Anotação de advogados que leram a Adin: a petição não aponta qual dispositivo da Constituição teria sido violado pela exigência dos dois documentos.

Confortável 1 Quando Dilma emitiu os primeiros sinais de consolidação nas pesquisas, Celso Amorim (Relações Institucionais) deu a entender à própria que gostaria de ficar onde está.

Confortável 2 A movimentação de Amorim divide opiniões no governo. Há quem pense que contar com um chanceler experiente seria opção acertada para Dilma, em caso de vitória, dada a atenção que ela, novata na articulação política, terá de dedicar às questões domésticas. Outros, porém, lembram que Amorim é "a cara" da política externa de Lula, e que sua permanência daria a impressão de continuidade pura e simples nessa área.

Narrativa 1 Erenice Guerra não começou a empregar parentes quando chegou à Casa Civil. Na época em que era subordinada a Dilma Rousseff no Ministério de Minas e Energia (2003-2005), espalhou apaniguados por várias subsidiárias do setor elétrico. No Planalto agora se diz que Dilma, quando descobriu, chamou Erenice, e ela os afastou.

Narrativa 2 Integrantes do núcleo do governo avaliam que Erenice "se aproveitou" do afastamento de Dilma do dia a dia da Casa Civil, em virtude do tratamento contra o câncer, para nomear amigos do filho Israel Guerra. Vínicius Castro, derrubado por acusações de tráfico de influência, virou assessor de Erenice em 30 de junho de 2009. O tratamento de Dilma se concentrou entre abril e setembro desse ano.

Vai ficando Lula já fala em deixar o interino Carlos Eduardo Esteves Lima até o fim do governo na chefia da Casa Civil. Tudo para não criar turbulências.

Fiat lux O novo sistema de iluminação do Palácio do Planalto, baseado em sensores, criou constrangimento em recente cerimônia com a presença de Lula. Como as luzes se apagavam constantemente, um funcionário foi obrigado a "provocar" o sensor com uma vassoura enquanto durou o evento. com LETÍCIA SANDER e FÁBIO ZAMBELI

Tiroteio

"Ou o Serra saiu do PSDB e ninguém ficou sabendo, ou então o Sérgio Guerra se esqueceu de avisá-lo do que estava fazendo."
DO PRESIDENTE DO PT, JOSÉ EDUARDO DUTRA, em resposta ao candidato, segundo quem os vídeos de propaganda negativa contra Dilma Rousseff, encomendados pelo presidente tucano, não têm relação com sua campanha.

Dilema natural

Em episódio narrado por Carlos Chagas no livro "No Planalto, com a Imprensa", Café Filho recebeu Juscelino Kubitschek, então governador de Minas.
-Juscelino, senta aqui na cadeira de presidente...
Meio contrangido, o visitante obedeceu, e aí ouviu:
-Essa foi a primeira e única vez que você sentou na cadeira de presidente, porque está aqui o manifesto dos três ministros militares contra a sua candidatura!
Lá fora, quando um jornalista lhe perguntou se havia resolvido "a questão do café", motivo alegado da reunião, JK respondeu, muito bravo:
-De que café você fala: o vegetal ou o animal?