FOLHA DE SP - 01/07
Se os partidos brasileiros, sem exceção, saem politicamente abalados do saudável vendaval de passeatas no país, um deles certamente se ressente mais: o PT.
A presença maciça da classe média no movimento de protesto coloca em xeque, com mais ênfase, as contradições do partido.
Pressionado a oferecer respostas ao país, o governo federal improvisou uma constituinte restrita, rapidamente abandonada, e busca, por meio da proposta de um plebiscito de complexa elaboração, aprovar uma agenda que interessa muito mais ao PT do que ao Brasil.
Assim, o governo federal patrocina manobras que visam tirar o foco das legítimas reivindicações apresentadas pela população, oferecendo justamente mais daquilo de que os brasileiros demonstram estar fartos: desrespeito.
No recente evento dos dez anos do PT, a filósofa petista Marilena Chaui afirmou, sob aplausos, que odiava a classe média. E explicou: "A classe média é estupidez. É o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista. É uma abominação política, porque ela é fascista, uma abominação ética, porque ela é violenta, e é uma abominação cognitiva, porque ela é ignorante".
O leitor ficou chocado? O vídeo está no YouTube. Juntando-se essa fala raivosa e os protestos nas ruas, a conclusão é inevitável: o PT não gosta da classe média e por ela parece estar sendo correspondido na rejeição.
Os jovens questionam a forma tradicional de fazer política quando gritam: "O povo unido governa sem partido". A grande maioria deles nada tem de fascistas ou reacionários. Estão apenas expressando suas compreensíveis frustrações. Os manifestantes se insurgem contra os aproveitadores que viraram políticos, políticos que se elegeram governantes, governantes que se esbaldaram na corrupção, corrupção que impede a melhoria do transporte, da saúde e da educação. Uma ciranda como no poema de Drummond cujo nome é "Quadrilha", muito a propósito.
Um bom contraponto à intolerância de Marilena Chaui é um texto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de 2011. Nele, foi enfatizada a necessidade de maior diálogo com a classe média: "O caminho não se constrói apenas por partidos políticos, nem se limita ao jogo institucional. Ele brota também da sociedade, de seus blogs, tuítes, redes sociais, da mídia, das organizações da sociedade civil, enfim, é um processo coletivo. Não existe só uma oposição, a da arena institucional; existem vários focos de oposição, nas várias dimensões da sociedade".
Com 82 anos de idade, Fernando Henrique com certeza faria bonito na avenida Paulista, na Rio Branco ou na Afonso Pena dos dias de hoje.
segunda-feira, julho 01, 2013
A usurpação do novo - DENIS LERRER ROSENFIELD
O GLOBO - 01/07
As ruas brasileiras apresentam uma novidade que contrasta com toda a anomia anterior, onde prevalecia o divórcio entre o Estado e a sociedade, os representantes e os representados. Pior do que a anomia, contudo, era o ambiente de desregramento moral, crise de valores, onde os signos mais visíveis eram a corrupção e o desvio de recursos públicos, alinhados com a baixa qualidade dos serviços públicos.
As vozes da rua, de maneira difusa, deram vazão a uma inconformidade latente, fazendo valer outro discurso, totalmente distinto do oficial, ufanista e demagógico. “Nunca antes nesse país”, “saúde de qualidade” já realizada, entre outros slogans davam a impressão de que o povo estava anestesiado, desconhecia a realidade, e estava pronto para referendar mais uma vez o governo petista.
A sociedade civil acordou. Ao espreguiçar-se saindo logo correndo, derrubando o que encontrava pelo caminho, sabendo perfeitamente o que não mais queria, não conseguindo, contudo, articular ainda uma pauta propriamente positiva. O relevante, de qualquer forma, é o seu “não”: não à corrupção, não a políticos que só vislumbram seus interesses particulares, não às altas tarifas de transporte público, não a serviços públicos de baixa qualidade, não aos gastos da Copa das Confederações e do Mundial.
O movimento social assim florescente caracterizou-se pela autonomia, pelo apartidarismo, pelo não aparelhamento por partidos e por “movimentos sociais” como a CUT, o MST, a UNE e outros. Bandeiras dessas entidades foram rasgadas e seus militantes apupados. O PT, em particular, ficou atônito, pois jamais imaginou uma rua que não controlasse. O presidente do partido chegou a convocar a militância em uma manobra desastrada, mostrando o pouco preparo partidário para um contexto tão radicalmente novo.
Convém aqui fazer uma distinção da maior importância para que possamos entender o que está ocorrendo. O PT sempre entendeu os movimentos sociais enquanto “organizados”: movimentos por ele mesmo controlados. É o caso de seu braço sindical, a CUT, do seu braço social-revolucionário, MST, com suas entidades afilhadas, como a Via Campesina, o Movimento dos Atingidos pelas Barragens, o Movimento dos Pequenos Agricultores, o Movimento dos Sem Teto (esse último aparecendo nos últimos dias como protagonista). A UNE, embora controlada pelo PCdoB, apresenta a mesma forma de organização.
Ora, todos esses movimentos não foram efetivamente protagonistas das manifestações. Essas, por sua vez, se caracterizaram por serem “não organizadas” no sentido petista do termo, compostas por pessoas das mais distintas ideias e concepções, onde, mesmo, as qualificações de direita e de esquerda tornam-se difíceis de serem aplicadas. Seu instrumento de convocação foram as redes sociais. A primeira acepção pode ser dita heterônoma, pois aparelhada, a segunda autônoma, pois independente.
A ambiguidade do uso do termo “movimento social” está dando lugar agora à usurpação. Os movimentos sociais heterônomos estão procurando se colocar como os verdadeiros representantes das manifestações. Não deixa de ser risível militantes desse tipo dizerem que foram eles que estiveram presentes desde o início, tendo sido deles a iniciativas do “novo”. Eles são o “anacrônico”, que não ousa dizer o seu nome.
O governo está adotando a linha petista em sua tentativa de responder a uma crise que nem vislumbrou. O PT está tentando retomar o controle da situação. A presidente da República chamou, então, os “movimentos sociais” para conversar. Como assim? Chamou os usurpadores para uma conversa, deixando a sociedade autônoma ao léu?
A mixórdia foi total. As centrais sindicais foram chamadas para conversar, quando nada tiveram a dizer de manifestações das quais não foram protagonistas. O Movimento dos Sem Teto, outro ausente, aparece como interlocutor, forma de trazer o MST para junto do governo. A única exceção reside no Movimento do Passe Livre, que teve representatividade, embora a sua pauta seja dúbia. A pública é a de um movimento voltado para a redução da tarifa dos transportes públicos e, inclusive, pelo passe livre. A ideológica, segundo o seu próprio manifesto, é de natureza anticapitalista, contra a economia de mercado e a livre iniciativa. Do ponto de vista de suas concepções comunga com a ideologia do PT, considerando-a em situação de divórcio com o governo petista.
O governo foi além, fazendo valer outra forma de usurpação. Propôs, inicialmente, uma “Constituinte exclusiva” para a reforma política enquanto resposta, quando essa nem apareceu como agenda dos manifestantes. E o fez sob a forma de um “truque”, ou seja, a convocação de uma “Constituinte exclusiva” sob o modo de um “plebiscito”. Este conferiria uma aparência democrática à iniciativa, outorgando a uma “Constituinte” poderes ilimitados para questões políticas e, mesmo, para além delas, como a dita “democratização dos meios de comunicação”, sob o prisma “político” reformista evidentemente. Estaríamos, diante, de uma subversão da democracia por meios democráticos.
Quem controlaria uma “Constituinte” desse tipo? A resposta é óbvia: o governo, por deter o Poder, o PT, por ser o partido mais enraizado nacionalmente, e os movimentos sociais “organizados”. O processo político escaparia de qualquer marco legal, fazendo o país entrar em uma era de incerteza e insegurança. Sensatamente, o governo recuou de tal proposta, distanciando-se, novamente, das alas mais radicais de seu partido e dos movimentos sociais heterônomos.
Contudo, seria ingênuo considerar que o processo esteja terminando, nem que as formas de fazer política sejam somente essas. Os ditos “vândalos” correspondem, por sua vez, a movimentos políticos organizados, “sociais” ou não, ou de extrema esquerda, que estão apostando em uma crise institucional. Não se trata do crime organizado que se aproveita dessa situação, mas de uma forma de organização política que usa da violência para a consecução de seus próprios objetivos.
As ruas brasileiras apresentam uma novidade que contrasta com toda a anomia anterior, onde prevalecia o divórcio entre o Estado e a sociedade, os representantes e os representados. Pior do que a anomia, contudo, era o ambiente de desregramento moral, crise de valores, onde os signos mais visíveis eram a corrupção e o desvio de recursos públicos, alinhados com a baixa qualidade dos serviços públicos.
As vozes da rua, de maneira difusa, deram vazão a uma inconformidade latente, fazendo valer outro discurso, totalmente distinto do oficial, ufanista e demagógico. “Nunca antes nesse país”, “saúde de qualidade” já realizada, entre outros slogans davam a impressão de que o povo estava anestesiado, desconhecia a realidade, e estava pronto para referendar mais uma vez o governo petista.
A sociedade civil acordou. Ao espreguiçar-se saindo logo correndo, derrubando o que encontrava pelo caminho, sabendo perfeitamente o que não mais queria, não conseguindo, contudo, articular ainda uma pauta propriamente positiva. O relevante, de qualquer forma, é o seu “não”: não à corrupção, não a políticos que só vislumbram seus interesses particulares, não às altas tarifas de transporte público, não a serviços públicos de baixa qualidade, não aos gastos da Copa das Confederações e do Mundial.
O movimento social assim florescente caracterizou-se pela autonomia, pelo apartidarismo, pelo não aparelhamento por partidos e por “movimentos sociais” como a CUT, o MST, a UNE e outros. Bandeiras dessas entidades foram rasgadas e seus militantes apupados. O PT, em particular, ficou atônito, pois jamais imaginou uma rua que não controlasse. O presidente do partido chegou a convocar a militância em uma manobra desastrada, mostrando o pouco preparo partidário para um contexto tão radicalmente novo.
Convém aqui fazer uma distinção da maior importância para que possamos entender o que está ocorrendo. O PT sempre entendeu os movimentos sociais enquanto “organizados”: movimentos por ele mesmo controlados. É o caso de seu braço sindical, a CUT, do seu braço social-revolucionário, MST, com suas entidades afilhadas, como a Via Campesina, o Movimento dos Atingidos pelas Barragens, o Movimento dos Pequenos Agricultores, o Movimento dos Sem Teto (esse último aparecendo nos últimos dias como protagonista). A UNE, embora controlada pelo PCdoB, apresenta a mesma forma de organização.
Ora, todos esses movimentos não foram efetivamente protagonistas das manifestações. Essas, por sua vez, se caracterizaram por serem “não organizadas” no sentido petista do termo, compostas por pessoas das mais distintas ideias e concepções, onde, mesmo, as qualificações de direita e de esquerda tornam-se difíceis de serem aplicadas. Seu instrumento de convocação foram as redes sociais. A primeira acepção pode ser dita heterônoma, pois aparelhada, a segunda autônoma, pois independente.
A ambiguidade do uso do termo “movimento social” está dando lugar agora à usurpação. Os movimentos sociais heterônomos estão procurando se colocar como os verdadeiros representantes das manifestações. Não deixa de ser risível militantes desse tipo dizerem que foram eles que estiveram presentes desde o início, tendo sido deles a iniciativas do “novo”. Eles são o “anacrônico”, que não ousa dizer o seu nome.
O governo está adotando a linha petista em sua tentativa de responder a uma crise que nem vislumbrou. O PT está tentando retomar o controle da situação. A presidente da República chamou, então, os “movimentos sociais” para conversar. Como assim? Chamou os usurpadores para uma conversa, deixando a sociedade autônoma ao léu?
A mixórdia foi total. As centrais sindicais foram chamadas para conversar, quando nada tiveram a dizer de manifestações das quais não foram protagonistas. O Movimento dos Sem Teto, outro ausente, aparece como interlocutor, forma de trazer o MST para junto do governo. A única exceção reside no Movimento do Passe Livre, que teve representatividade, embora a sua pauta seja dúbia. A pública é a de um movimento voltado para a redução da tarifa dos transportes públicos e, inclusive, pelo passe livre. A ideológica, segundo o seu próprio manifesto, é de natureza anticapitalista, contra a economia de mercado e a livre iniciativa. Do ponto de vista de suas concepções comunga com a ideologia do PT, considerando-a em situação de divórcio com o governo petista.
O governo foi além, fazendo valer outra forma de usurpação. Propôs, inicialmente, uma “Constituinte exclusiva” para a reforma política enquanto resposta, quando essa nem apareceu como agenda dos manifestantes. E o fez sob a forma de um “truque”, ou seja, a convocação de uma “Constituinte exclusiva” sob o modo de um “plebiscito”. Este conferiria uma aparência democrática à iniciativa, outorgando a uma “Constituinte” poderes ilimitados para questões políticas e, mesmo, para além delas, como a dita “democratização dos meios de comunicação”, sob o prisma “político” reformista evidentemente. Estaríamos, diante, de uma subversão da democracia por meios democráticos.
Quem controlaria uma “Constituinte” desse tipo? A resposta é óbvia: o governo, por deter o Poder, o PT, por ser o partido mais enraizado nacionalmente, e os movimentos sociais “organizados”. O processo político escaparia de qualquer marco legal, fazendo o país entrar em uma era de incerteza e insegurança. Sensatamente, o governo recuou de tal proposta, distanciando-se, novamente, das alas mais radicais de seu partido e dos movimentos sociais heterônomos.
Contudo, seria ingênuo considerar que o processo esteja terminando, nem que as formas de fazer política sejam somente essas. Os ditos “vândalos” correspondem, por sua vez, a movimentos políticos organizados, “sociais” ou não, ou de extrema esquerda, que estão apostando em uma crise institucional. Não se trata do crime organizado que se aproveita dessa situação, mas de uma forma de organização política que usa da violência para a consecução de seus próprios objetivos.
Dilma e o ketchup - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
O Estado de S.Paulo - 01/07
Quando um fenômeno sem precedentes ocorre, faltam parâmetros para analisá-lo. As fórmulas gastas e os chavões não servem. Para entender o que acontece com a popularidade da presidente Dilma Rousseff é preciso combinar a ciência política com a física teórica. É exótico, mas o fato em análise também é.
Desde que se começou a sondar regularmente a opinião pública sobre o desempenho dos presidentes brasileiros, após a ditadura, nunca houve uma queda como a de Dilma. Uns governantes chegaram bem mais baixo, outros perderam mais pontos, mas ninguém caiu tão rapidamente quanto a presidente caiu em três semanas.
Dilma perde dois pontos de sua popularidade por dia, em média, desde o começo de junho. É três vezes mais rápido do que a maior perda de qualquer outro presidente desde o general Figueiredo. Colocada num gráfico (http://blog.estadaodados.com/aqueda), a curva de popularidade de Dilma vira uma queda livre, tão vertical que parece que a tinta escorreu. Não é erro.
É uma avalanche. Começou aparentemente do nada e virou um cataclismo. Na física, esses eventos inesperados de proporções gigantescas são associados ao que se chama de estado crítico: um intenso acúmulo de tensões que acabam liberadas de uma vez só.
É um fenômeno tão ubíquo que ocorre tanto na crosta terrestre (os terremotos) quanto nas garrafas de ketchup. Está presente em todos os lugares, mas é impossível de prever. Ninguém sabe quantos tapas pode dar no fundo da garrafa antes de ela despejar uma dose indesejada de ketchup no sanduíche. Quando se percebe, é tarde demais. Foi o que aconteceu com a popularidade de Dilma.
Havia estresse acumulado em várias camadas da sociedade brasileira, numa trama propícia ao deslizamento. É a inflação corroendo o poder de compra dos emergentes. É a insatisfação crescente de quem viu os de cima e os de baixo subirem enquanto ele camela no mesmo lugar. É o ônibus que não anda, a escola que não ensina, o hospital que não cura. Os protestos dos filhos da classe média foram apenas o último tapa no fundo da garrafa.
Quem viajou para o exterior no fim de maio e voltou hoje terá retornado a um País diferente do que deixou. E não são só os manifestantes bloqueando o caminho do aeroporto. O Brasil rompeu um ponto crítico. O que parecia um sólido apoio popular derreteu, o que era líquido e certo evaporou.
Uma avalanche, um terremoto, um grande incêndio, uma revolução são fruto de uma sequência de fatos aleatórios que acumula cada vez mais tensão até chegar ao estado crítico. Nesse ponto, um simples grão de areia é capaz de fazer desmoronar uma montanha. É a proverbial gota d'água que transborda e rompe o dique.
Tão mais raro é o fenômeno, maior ele é. Uma avalanche como a que atingiu Dilma só se explica pelo acúmulo por décadas de tensões históricas que não encontram mais na política a sua válvula de escape. Os mecanismos de representação ficaram insuficientes para dissipar o estresse e resolver os conflitos.
Com ou sem razão, Dilma personificou a crise. Estava bem na frente quando tudo deslizou. Acabou servindo de para-choque. Mesmo se a presidente propõe algo que tem o apoio de mais de dois terços dos brasileiros - como o plebiscito e a Constituinte para reformar a política -, isso não melhora a sua imagem.
A consequência imediata é que o drive eleitoral mudou. O desejo de continuidade virou desejo de mudança. Os 25% de simpatia que o PT sustenta apesar da crise possibilitam sonhar com um lugar na reta final de 2014, mas são insuficientes para a vitória. Aumenta a pressão para Lula sair da história para voltar à vida.
Na oposição, o cenário passa a ser de briga entre os candidatos pela outra vaga, já que o segundo turno parece garantido. Tudo parece certo, até a próxima avalanche reescrever a história.
Quando um fenômeno sem precedentes ocorre, faltam parâmetros para analisá-lo. As fórmulas gastas e os chavões não servem. Para entender o que acontece com a popularidade da presidente Dilma Rousseff é preciso combinar a ciência política com a física teórica. É exótico, mas o fato em análise também é.
Desde que se começou a sondar regularmente a opinião pública sobre o desempenho dos presidentes brasileiros, após a ditadura, nunca houve uma queda como a de Dilma. Uns governantes chegaram bem mais baixo, outros perderam mais pontos, mas ninguém caiu tão rapidamente quanto a presidente caiu em três semanas.
Dilma perde dois pontos de sua popularidade por dia, em média, desde o começo de junho. É três vezes mais rápido do que a maior perda de qualquer outro presidente desde o general Figueiredo. Colocada num gráfico (http://blog.estadaodados.com/aqueda), a curva de popularidade de Dilma vira uma queda livre, tão vertical que parece que a tinta escorreu. Não é erro.
É uma avalanche. Começou aparentemente do nada e virou um cataclismo. Na física, esses eventos inesperados de proporções gigantescas são associados ao que se chama de estado crítico: um intenso acúmulo de tensões que acabam liberadas de uma vez só.
É um fenômeno tão ubíquo que ocorre tanto na crosta terrestre (os terremotos) quanto nas garrafas de ketchup. Está presente em todos os lugares, mas é impossível de prever. Ninguém sabe quantos tapas pode dar no fundo da garrafa antes de ela despejar uma dose indesejada de ketchup no sanduíche. Quando se percebe, é tarde demais. Foi o que aconteceu com a popularidade de Dilma.
Havia estresse acumulado em várias camadas da sociedade brasileira, numa trama propícia ao deslizamento. É a inflação corroendo o poder de compra dos emergentes. É a insatisfação crescente de quem viu os de cima e os de baixo subirem enquanto ele camela no mesmo lugar. É o ônibus que não anda, a escola que não ensina, o hospital que não cura. Os protestos dos filhos da classe média foram apenas o último tapa no fundo da garrafa.
Quem viajou para o exterior no fim de maio e voltou hoje terá retornado a um País diferente do que deixou. E não são só os manifestantes bloqueando o caminho do aeroporto. O Brasil rompeu um ponto crítico. O que parecia um sólido apoio popular derreteu, o que era líquido e certo evaporou.
Uma avalanche, um terremoto, um grande incêndio, uma revolução são fruto de uma sequência de fatos aleatórios que acumula cada vez mais tensão até chegar ao estado crítico. Nesse ponto, um simples grão de areia é capaz de fazer desmoronar uma montanha. É a proverbial gota d'água que transborda e rompe o dique.
Tão mais raro é o fenômeno, maior ele é. Uma avalanche como a que atingiu Dilma só se explica pelo acúmulo por décadas de tensões históricas que não encontram mais na política a sua válvula de escape. Os mecanismos de representação ficaram insuficientes para dissipar o estresse e resolver os conflitos.
Com ou sem razão, Dilma personificou a crise. Estava bem na frente quando tudo deslizou. Acabou servindo de para-choque. Mesmo se a presidente propõe algo que tem o apoio de mais de dois terços dos brasileiros - como o plebiscito e a Constituinte para reformar a política -, isso não melhora a sua imagem.
A consequência imediata é que o drive eleitoral mudou. O desejo de continuidade virou desejo de mudança. Os 25% de simpatia que o PT sustenta apesar da crise possibilitam sonhar com um lugar na reta final de 2014, mas são insuficientes para a vitória. Aumenta a pressão para Lula sair da história para voltar à vida.
Na oposição, o cenário passa a ser de briga entre os candidatos pela outra vaga, já que o segundo turno parece garantido. Tudo parece certo, até a próxima avalanche reescrever a história.
Isso vai dar PT... - PAULO BRIGUET
GAZETA DO POVO - PR - 01/07
No jargão da polícia rodoviária e das companhias de seguro, a sigla PT quer dizer “perda total”. A expressão tem sido bastante usada na linguagem cotidiana. Por exemplo: quando um jovem vai para a balada e comete excessos, no dia seguinte comenta no Facebook: “Ontem eu dei PT”.
Nosso país vem dando PT há muito tempo – mas por que só agora as pessoas acham que existe alguma coisa errada? A resposta é simples: porque neste momento as manifestações serão utilizadas como pretexto para reforçar o poder do grupo governante. A tentativa de golpe de Estado proposta por dona Dilma, no calor dos protestos, é um exemplo dos perigos que nos cercam. Outras panaceias venenosas virão por aí: financiamento público de campanha (também conhecido como bolsa-candidato); voto em listas (devidamente organizadas pelos chefões partidários); controle social da mídia (o nome esquerdista para censura); eliminação de qualquer candidato ameaçador à hegemonia petista. Não custa lembrar que todas as grandes ditaduras modernas foram precedidas – e reforçadas – por movimentos de massa.
Por mais que apareçam bons resultados – uma PEC 37 derrubada aqui, um deputadozinho preso ali –, no fim essa democracia plebiscitária vai dar PT. E vai dar PT porque a oposição não existe, porque os liberais e conservadores mal conseguem lotar uma Kombi, porque os partidos de extrema-esquerda só dizem e fazem besteira, porque é impossível atender à infinidade de slogans e sandices propaladas na rua, porque não se constrói um país civilizado com histeria demagógica e chilique ideológico.
Entre os que hoje me hostilizam por não aderir à Revolução dos Vinte Centavos – esse reality show das massas, esse Big Brother coletivo sem Pedro Bial –, vejo vários cidadãos que ajudaram a dar PT na minha cidade e no país. Ficaram quietinhos quando o Brasil foi escolhido como sede da Copa e da Olimpíada, fingiram-se de mortos durante o mensalão, ajudaram a eleger dona Dilma e agora se acham campeões da moralidade pública. É compreensível que estejam bravinhos com quem se lembra desses fatos; só que também é ridículo.
Quando citei minha experiência pessoal para dizer por que não participo das atuais passeatas, disseram que eu fui “egocêntrico” e “vaidoso”. Quando citei autores que criticaram movimentos de massa, a acusação passou a ser de covardia e falta de originalidade. Mas quem disse que eu sou contra toda e qualquer marcha cívica? Eu sou apenas contra as marchas a ré – aquelas que dão PT.
No jargão da polícia rodoviária e das companhias de seguro, a sigla PT quer dizer “perda total”. A expressão tem sido bastante usada na linguagem cotidiana. Por exemplo: quando um jovem vai para a balada e comete excessos, no dia seguinte comenta no Facebook: “Ontem eu dei PT”.
Nosso país vem dando PT há muito tempo – mas por que só agora as pessoas acham que existe alguma coisa errada? A resposta é simples: porque neste momento as manifestações serão utilizadas como pretexto para reforçar o poder do grupo governante. A tentativa de golpe de Estado proposta por dona Dilma, no calor dos protestos, é um exemplo dos perigos que nos cercam. Outras panaceias venenosas virão por aí: financiamento público de campanha (também conhecido como bolsa-candidato); voto em listas (devidamente organizadas pelos chefões partidários); controle social da mídia (o nome esquerdista para censura); eliminação de qualquer candidato ameaçador à hegemonia petista. Não custa lembrar que todas as grandes ditaduras modernas foram precedidas – e reforçadas – por movimentos de massa.
Por mais que apareçam bons resultados – uma PEC 37 derrubada aqui, um deputadozinho preso ali –, no fim essa democracia plebiscitária vai dar PT. E vai dar PT porque a oposição não existe, porque os liberais e conservadores mal conseguem lotar uma Kombi, porque os partidos de extrema-esquerda só dizem e fazem besteira, porque é impossível atender à infinidade de slogans e sandices propaladas na rua, porque não se constrói um país civilizado com histeria demagógica e chilique ideológico.
Entre os que hoje me hostilizam por não aderir à Revolução dos Vinte Centavos – esse reality show das massas, esse Big Brother coletivo sem Pedro Bial –, vejo vários cidadãos que ajudaram a dar PT na minha cidade e no país. Ficaram quietinhos quando o Brasil foi escolhido como sede da Copa e da Olimpíada, fingiram-se de mortos durante o mensalão, ajudaram a eleger dona Dilma e agora se acham campeões da moralidade pública. É compreensível que estejam bravinhos com quem se lembra desses fatos; só que também é ridículo.
Quando citei minha experiência pessoal para dizer por que não participo das atuais passeatas, disseram que eu fui “egocêntrico” e “vaidoso”. Quando citei autores que criticaram movimentos de massa, a acusação passou a ser de covardia e falta de originalidade. Mas quem disse que eu sou contra toda e qualquer marcha cívica? Eu sou apenas contra as marchas a ré – aquelas que dão PT.
Zonzo e dividido - VALDO CRUZ
FOLHA DE SP - 01/07
BRASÍLIA - Zonzo com o tombo na pesquisa Datafolha, o governo Dilma finge tranquilidade e difunde o discurso ensaiado com o marqueteiro de que o "terremoto" político atingiu a todos os chefes do Executivo, sem exceção.
Tem lá suas razões, endossadas inclusive pelo tucano Aécio Neves, de que a insatisfação da voz das ruas é contra todo o mundo político.
Só que a queda de popularidade não adveio somente de quem foi para as ruas. Quem ficou em casa, teve a loja depredada, ficou preso no trânsito também está irritado.
O fato é que o governo não está apenas zonzo com o tamanho do recuo na popularidade e na intenção de voto presidencial, mas também dividido sobre o diagnóstico do tombo e a melhor forma de reação.
Uma ala diz que há uma sensação de "falta de pulso e autoridade" vinda da autoridade máxima, que teria sido muito tímida ao condenar os vândalos e arruaceiros. A hora seria de agir com mais energia.
Outra diz que o governo não pode nem pensar em passar a imagem de que irá reprimir a liberdade de expressão. E que é preciso calma quando se está entre dois fogos --críticas ao vandalismo, de um lado, e ao excesso de policiais, de outro.
Há quem garanta que a pesquisa captou tão somente um impacto político-emocional do momento, dado que não teria havido mudança na vida das pessoas, como aumento do desemprego e queda da renda e do consumo no país.
Visão não compartilhada por outro grupo, que defende mudanças na política econômica, inclusive de nomes na equipe, por pressentir que o cenário na economia está desandando e pode se agravar em breve.
Enfim, algo está fora do lugar. Até aqui, Dilma Rousseff não havia sido testada. Agora, fragilizada, mesmo que momentaneamente, terá de ceder e agregar. Caso contrário, vai se isolar. Hoje, a verdade é que há muita gente bem próxima a ela saboreando seu momento ruim.
BRASÍLIA - Zonzo com o tombo na pesquisa Datafolha, o governo Dilma finge tranquilidade e difunde o discurso ensaiado com o marqueteiro de que o "terremoto" político atingiu a todos os chefes do Executivo, sem exceção.
Tem lá suas razões, endossadas inclusive pelo tucano Aécio Neves, de que a insatisfação da voz das ruas é contra todo o mundo político.
Só que a queda de popularidade não adveio somente de quem foi para as ruas. Quem ficou em casa, teve a loja depredada, ficou preso no trânsito também está irritado.
O fato é que o governo não está apenas zonzo com o tamanho do recuo na popularidade e na intenção de voto presidencial, mas também dividido sobre o diagnóstico do tombo e a melhor forma de reação.
Uma ala diz que há uma sensação de "falta de pulso e autoridade" vinda da autoridade máxima, que teria sido muito tímida ao condenar os vândalos e arruaceiros. A hora seria de agir com mais energia.
Outra diz que o governo não pode nem pensar em passar a imagem de que irá reprimir a liberdade de expressão. E que é preciso calma quando se está entre dois fogos --críticas ao vandalismo, de um lado, e ao excesso de policiais, de outro.
Há quem garanta que a pesquisa captou tão somente um impacto político-emocional do momento, dado que não teria havido mudança na vida das pessoas, como aumento do desemprego e queda da renda e do consumo no país.
Visão não compartilhada por outro grupo, que defende mudanças na política econômica, inclusive de nomes na equipe, por pressentir que o cenário na economia está desandando e pode se agravar em breve.
Enfim, algo está fora do lugar. Até aqui, Dilma Rousseff não havia sido testada. Agora, fragilizada, mesmo que momentaneamente, terá de ceder e agregar. Caso contrário, vai se isolar. Hoje, a verdade é que há muita gente bem próxima a ela saboreando seu momento ruim.
Luzes acesas - PAULO GUEDES
O GLOBO - 01/07
As pesquisas de opinião após a onda de protestos nas ruas indicam queda abrupta da popularidade da presidente Dilma Rousseff e forte elevação das intenções de voto em Marina Silva. O também candidato Aécio Neves tem uma boa leitura do fenômeno: "Uma insatisfação dos brasileiros com a classe política, em razão da ausência de respostas efetivas aos problemas enfrentados pelas pessoas ao longo de anos." Marina Silva é identificada pelos eleitores como uma outsider do establishment político, assim como foi sempre um "trabalhador" o ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva.
A concentração de recursos públicos no governo federal contrasta com a necessidade de descentralização dos sistemas políticos abertos. Daí as reclamações por mais e melhores escolas, hospitais e transporte público, em vez de novos estádios. Governadores, prefeitos e suas bancadas exercem pressões legítimas. Eduardo Paes e Fernando Haddad acabam de sugerir novo regime para megacidades, um grito pela diástole representativa, pela descentralização administrativa e pela reforma fiscal. No governo federal, por falta da reforma administrativa, sobra dinheiro para a política e falta para saúde e educação.
"A raiz dos grandes problemas brasileiros é a crescente e absurda concentração de poder financeiro e político no governo federal. Precisamos resgatar a Federação", diagnosticou o mesmo Aécio Neves como exigência de nossa democracia emergente. As manifestações populares "contra a corrupção e a roubalheira" registram um cansaço histórico com a degeneração das práticas políticas. "As enormes quantias de dinheiro que passavam pelas mãos do Estado davam oportunidade para fraudulentos contratos de fornecimento, corrupção, subornos, malversações e ladroeiras de todo gênero", denunciava Marx. "O absolutismo do Antigo Regime desabou, mas permaneceram seus alicerces: a concentração de recursos e a centralização administrativa", advertia Tocqueville.
A hipertrofia do Estado e o aparelhamento da máquina pública têm consequências desastrosas sobre as práticas políticas e os valores morais da sociedade. São os ingredientes da fábrica de escândalos e da desmoralização dos partidos. As redes sociais e as manifestações das ruas são luzes acesas em uma sociedade aberta.
A concentração de recursos públicos no governo federal contrasta com a necessidade de descentralização dos sistemas políticos abertos. Daí as reclamações por mais e melhores escolas, hospitais e transporte público, em vez de novos estádios. Governadores, prefeitos e suas bancadas exercem pressões legítimas. Eduardo Paes e Fernando Haddad acabam de sugerir novo regime para megacidades, um grito pela diástole representativa, pela descentralização administrativa e pela reforma fiscal. No governo federal, por falta da reforma administrativa, sobra dinheiro para a política e falta para saúde e educação.
"A raiz dos grandes problemas brasileiros é a crescente e absurda concentração de poder financeiro e político no governo federal. Precisamos resgatar a Federação", diagnosticou o mesmo Aécio Neves como exigência de nossa democracia emergente. As manifestações populares "contra a corrupção e a roubalheira" registram um cansaço histórico com a degeneração das práticas políticas. "As enormes quantias de dinheiro que passavam pelas mãos do Estado davam oportunidade para fraudulentos contratos de fornecimento, corrupção, subornos, malversações e ladroeiras de todo gênero", denunciava Marx. "O absolutismo do Antigo Regime desabou, mas permaneceram seus alicerces: a concentração de recursos e a centralização administrativa", advertia Tocqueville.
A hipertrofia do Estado e o aparelhamento da máquina pública têm consequências desastrosas sobre as práticas políticas e os valores morais da sociedade. São os ingredientes da fábrica de escândalos e da desmoralização dos partidos. As redes sociais e as manifestações das ruas são luzes acesas em uma sociedade aberta.
Dissintonia crônica - RUBENS BUENO
GAZETA DO POVO - PR - 01/07
A importação de médicos pretendida pela presidente Dilma é daquelas propostas que aferem a dissintonia crônica entre o governo federal e a “voz das ruas”. Enquanto as pessoas continuam sem acesso à medicina de qualidade e permanecem estacionadas em hospitais e ambulatórios públicos à espera de atendimento, eis que agora prescreve-se a contratação de médicos de Portugal, Espanha e Cuba como solução para a saúde.
Acontece que o diagnóstico da presidente Dilma para um dos mais graves problemas do país, solução já criticada pelos conselhos e associações médicas, não encontra apoio nem sequer no PT. Se por um lado ela e o ministro Alexandre Padilha querem trazer sem restrições médicos estrangeiros, temos na Câmara Federal um projeto, pronto para ser votado, que proíbe a criação de novos cursos de Medicina e a ampliação de vagas naqueles já existentes. A proposta é do líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia, do mesmo PT de Dilma e de Padilha, o primeiro a divulgar a ideia em audiência na Câmara no mês passado.
Na justificativa do projeto, aliás, o autor fala ainda em proteger o médico brasileiro “da invasão do mercado de trabalho por diplomados em Medicina sem a adequada condição de exercê-la”. Ocorre que, ao contrário do escopo do projeto de Chinaglia, o governo quer justamente expandir vagas e cursos e franquear a vinda de médicos do exterior sem submetê-los a uma aferição mínima de suas qualidades profissionais. Em resumo, o projeto petista é duplamente incoerente com o discurso do governo.
Ademais, essa proposta de abrir o mercado para médicos estrangeiros é uma ação puramente de mídia. Mesmo que o ingresso de médicos fosse viabilizado sem a necessidade da revalidação de diplomas – numa declaração ao portal Terra, o ministro da Saúde fez alusão a liberar os médicos de fora do exame de revalidação de certificados –, esses profissionais precisariam de tempo para se adaptar ao aprendizado da língua portuguesa. É que, além de saber o português, seria preciso aprender expressões regionais usadas na designação de doenças, sintomas e de órgãos do corpo humano. Em alguns rincões do país, por exemplo, a hipertrofia da glândula tireoide é chamada de “estruma” ou “papeira”. A panturrilha é a “batata da perna” ou “barriga da perna” e por aí em diante.
O PPS propõe a criação de uma carreira federal de profissional de saúde para médicos, enfermeiros e odontólogos com atuação prioritária em áreas de baixa renda no interior do país. Além disso, defende a instituição de um piso nacional de salário para esses profissionais a fim de garantir uma qualidade mínima de remuneração. Essas duas medidas são importantes para algo que devemos almejar: a fixação de médicos fora dos grandes aglomerados urbanos. Além disso, sugerimos a instalação de cursos médicos descentralizados com a implantação de novas escolas em cidades do interior. E, para evitar a “invasão” de maus profissionais, apoiamos o Revalida, uma prova nacional que afere as habilidades do estrangeiro interessado em trabalhar no país, implantada em 2011.
Não é preciso ser contra a vinda de médicos estrangeiros, nem, num outro extremo, recebê-los sem testar seus conhecimentos. Bastam bom senso e propostas seguras e coerentes numa só direção: a de salvaguardar a qualidade da estrutura do atendimento médico ao povo brasileiro, estejam as pessoas onde estiverem.
A importação de médicos pretendida pela presidente Dilma é daquelas propostas que aferem a dissintonia crônica entre o governo federal e a “voz das ruas”. Enquanto as pessoas continuam sem acesso à medicina de qualidade e permanecem estacionadas em hospitais e ambulatórios públicos à espera de atendimento, eis que agora prescreve-se a contratação de médicos de Portugal, Espanha e Cuba como solução para a saúde.
Acontece que o diagnóstico da presidente Dilma para um dos mais graves problemas do país, solução já criticada pelos conselhos e associações médicas, não encontra apoio nem sequer no PT. Se por um lado ela e o ministro Alexandre Padilha querem trazer sem restrições médicos estrangeiros, temos na Câmara Federal um projeto, pronto para ser votado, que proíbe a criação de novos cursos de Medicina e a ampliação de vagas naqueles já existentes. A proposta é do líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia, do mesmo PT de Dilma e de Padilha, o primeiro a divulgar a ideia em audiência na Câmara no mês passado.
Na justificativa do projeto, aliás, o autor fala ainda em proteger o médico brasileiro “da invasão do mercado de trabalho por diplomados em Medicina sem a adequada condição de exercê-la”. Ocorre que, ao contrário do escopo do projeto de Chinaglia, o governo quer justamente expandir vagas e cursos e franquear a vinda de médicos do exterior sem submetê-los a uma aferição mínima de suas qualidades profissionais. Em resumo, o projeto petista é duplamente incoerente com o discurso do governo.
Ademais, essa proposta de abrir o mercado para médicos estrangeiros é uma ação puramente de mídia. Mesmo que o ingresso de médicos fosse viabilizado sem a necessidade da revalidação de diplomas – numa declaração ao portal Terra, o ministro da Saúde fez alusão a liberar os médicos de fora do exame de revalidação de certificados –, esses profissionais precisariam de tempo para se adaptar ao aprendizado da língua portuguesa. É que, além de saber o português, seria preciso aprender expressões regionais usadas na designação de doenças, sintomas e de órgãos do corpo humano. Em alguns rincões do país, por exemplo, a hipertrofia da glândula tireoide é chamada de “estruma” ou “papeira”. A panturrilha é a “batata da perna” ou “barriga da perna” e por aí em diante.
O PPS propõe a criação de uma carreira federal de profissional de saúde para médicos, enfermeiros e odontólogos com atuação prioritária em áreas de baixa renda no interior do país. Além disso, defende a instituição de um piso nacional de salário para esses profissionais a fim de garantir uma qualidade mínima de remuneração. Essas duas medidas são importantes para algo que devemos almejar: a fixação de médicos fora dos grandes aglomerados urbanos. Além disso, sugerimos a instalação de cursos médicos descentralizados com a implantação de novas escolas em cidades do interior. E, para evitar a “invasão” de maus profissionais, apoiamos o Revalida, uma prova nacional que afere as habilidades do estrangeiro interessado em trabalhar no país, implantada em 2011.
Não é preciso ser contra a vinda de médicos estrangeiros, nem, num outro extremo, recebê-los sem testar seus conhecimentos. Bastam bom senso e propostas seguras e coerentes numa só direção: a de salvaguardar a qualidade da estrutura do atendimento médico ao povo brasileiro, estejam as pessoas onde estiverem.
O grande embuste - RICARDO BALTHAZAR
FOLHA DE SP - 01/07
SÃO PAULO - Se Dilma Rousseff quiser realmente fazer alguma coisa para aplacar o clamor das ruas e recuperar a popularidade perdida, poderia começar abandonando a ideia de mudar as regras do jogo eleitoral às vésperas do início da partida.
O plebiscito que a presidente sugeriu para discussão da reforma política é um engodo. O que os petistas querem é aproveitar o clima de insatisfação popular para constranger o Congresso Nacional, forçando-o a promover mudanças cujo efeito mais imediato seria aumentar o poder de fogo da coalizão montada para reeleger Dilma, asfixiando a oposição.
O PT defende um sistema de financiamento público para as campanhas eleitorais, em que o dinheiro seria dividido de acordo com a composição das bancadas na Câmara dos Deputados e a captação de doações das empresas passaria a ser ilegal. Se o modelo começar a valer nas próximas eleições, como o governo quer, a campanha oficial ficará com mais de dois terços do dinheiro disponível.
Nos próximos dias, Dilma promete apresentar ao Congresso os temas que gostaria de submeter à consulta popular. O governo acha possível realizar o plebiscito em agosto e aprovar tudo a toque de caixa no Congresso antes de outubro, para garantir que as novas regras entrem em vigor a tempo de beneficiar Dilma.
Se o objetivo da presidente e de seu partido fosse mesmo ouvir a voz das ruas e aperfeiçoar o sistema político do país, eles estariam empenhados em assegurar que a população terá tempo para se informar sobre as mudanças propostas e debatê-las antes de apontar suas preferências.
As passeatas de junho indicaram que muita gente está farta dos políticos que elegeu, mas não se viu ninguém gritando nas ruas pelas reformas que os petistas defendem. Como mostrou a mais recente pesquisa do Datafolha, as pessoas estão angustiadas com os rumos da economia e se preocupam mais com a saúde e a educação do que com a sobrevivência política de Dilma Rousseff.
SÃO PAULO - Se Dilma Rousseff quiser realmente fazer alguma coisa para aplacar o clamor das ruas e recuperar a popularidade perdida, poderia começar abandonando a ideia de mudar as regras do jogo eleitoral às vésperas do início da partida.
O plebiscito que a presidente sugeriu para discussão da reforma política é um engodo. O que os petistas querem é aproveitar o clima de insatisfação popular para constranger o Congresso Nacional, forçando-o a promover mudanças cujo efeito mais imediato seria aumentar o poder de fogo da coalizão montada para reeleger Dilma, asfixiando a oposição.
O PT defende um sistema de financiamento público para as campanhas eleitorais, em que o dinheiro seria dividido de acordo com a composição das bancadas na Câmara dos Deputados e a captação de doações das empresas passaria a ser ilegal. Se o modelo começar a valer nas próximas eleições, como o governo quer, a campanha oficial ficará com mais de dois terços do dinheiro disponível.
Nos próximos dias, Dilma promete apresentar ao Congresso os temas que gostaria de submeter à consulta popular. O governo acha possível realizar o plebiscito em agosto e aprovar tudo a toque de caixa no Congresso antes de outubro, para garantir que as novas regras entrem em vigor a tempo de beneficiar Dilma.
Se o objetivo da presidente e de seu partido fosse mesmo ouvir a voz das ruas e aperfeiçoar o sistema político do país, eles estariam empenhados em assegurar que a população terá tempo para se informar sobre as mudanças propostas e debatê-las antes de apontar suas preferências.
As passeatas de junho indicaram que muita gente está farta dos políticos que elegeu, mas não se viu ninguém gritando nas ruas pelas reformas que os petistas defendem. Como mostrou a mais recente pesquisa do Datafolha, as pessoas estão angustiadas com os rumos da economia e se preocupam mais com a saúde e a educação do que com a sobrevivência política de Dilma Rousseff.
Não é solução - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 01/07
O tema e outros referentes à muito falada e nunca executada reforma política ganham realce agora que o PT e a presidente Dilma decidiram aproveitar o espaço político aberto pelas históricas manifestações iniciadas há semanas para, sob a justificativa de interpretar a voz da rua, para colocá-la na agenda do país.
Ao largo da discussão sobre a equivocada, por inconstitucional, proposta de uma “Constituinte exclusiva” para executar as mudanças na legislação político-eleitoral supostamente pedidas pelo povo, é certo que, sob inspiração petista, o governo incluirá, com ou sem plebiscito, o chamado financiamento público de campanha na lista de alterações.
É bandeira antiga do partido no poder e aliados, erguida com mais vigor depois do escândalo do mensalão, como se a estatização total das finanças político-eleitorais pudesse funcionar como antídoto infalível contra desvios de dinheiro público para o caixa dois da política. Não passa de ilusão.
A autópsia feita nos dois mensalões — o tucano, do então governador mineiro Eduardo Azeredo, e o petista, sob o comando de José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoíno — desvendou o uso de sofisticada engenharia de lavagem de dinheiro. Como provaram as investigações que fundamentaram as acusações encaminhadas pelo Ministério Público Federal ao Supremo, há tecnologia disponível no submundo financeiro da política capaz de driblar os débeis sistemas de controle da Justiça Eleitoral.
Indo ao ponto: aprovado o financiamento total das campanhas, o contribuinte, além de gastar mais com políticos e partidos, pagará duas vezes — via os impostos escorchantes que já recolhe ao Tesouro e, de maneira indireta, no superfaturamento no fornecimento de bens e serviços a governos por financiadores de caixas dois eleitorais. Como sabido, os provedores finais de todos os gastos são, de maneira dissimulada ou não, o contribuinte, ou seja, a população inteira.
Há, inclusive, uma visão distorcida implícita na proposta do “financiamento público”. Na verdade, público ele já é, e em uma parcela que não é pequena. O Fundo Partidário, a que todos os partidos têm direito, movimentou, ano passado, mais de R$ 300 milhões — dinheiro do contribuinte. Há, ainda, uma despesa não desprezível correspondente à isenção tributária concedida a emissoras de rádio e TV em troca do “horário gratuito” eleitoral. Ele é “gratuito”, esclareça-se, para candidatos e partidos. Não para o pagador de impostos. Vende-se a ilusão de que a corrupção será banida se os bilionários gastos de campanha forem bancados por um cheque único do Tesouro Nacional. Mais gastos em troca de nada.
Em vez da fórmula ilusória, que haja mais transparência compulsória nas cifras da política e que a legislação eleitoral seja reforçada para punir os desvios. Por exemplo, para retirar da vida pública o “conta-suja”, o fraudador da prestação de contas depois de cada eleição.
O tema e outros referentes à muito falada e nunca executada reforma política ganham realce agora que o PT e a presidente Dilma decidiram aproveitar o espaço político aberto pelas históricas manifestações iniciadas há semanas para, sob a justificativa de interpretar a voz da rua, para colocá-la na agenda do país.
Ao largo da discussão sobre a equivocada, por inconstitucional, proposta de uma “Constituinte exclusiva” para executar as mudanças na legislação político-eleitoral supostamente pedidas pelo povo, é certo que, sob inspiração petista, o governo incluirá, com ou sem plebiscito, o chamado financiamento público de campanha na lista de alterações.
É bandeira antiga do partido no poder e aliados, erguida com mais vigor depois do escândalo do mensalão, como se a estatização total das finanças político-eleitorais pudesse funcionar como antídoto infalível contra desvios de dinheiro público para o caixa dois da política. Não passa de ilusão.
A autópsia feita nos dois mensalões — o tucano, do então governador mineiro Eduardo Azeredo, e o petista, sob o comando de José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoíno — desvendou o uso de sofisticada engenharia de lavagem de dinheiro. Como provaram as investigações que fundamentaram as acusações encaminhadas pelo Ministério Público Federal ao Supremo, há tecnologia disponível no submundo financeiro da política capaz de driblar os débeis sistemas de controle da Justiça Eleitoral.
Indo ao ponto: aprovado o financiamento total das campanhas, o contribuinte, além de gastar mais com políticos e partidos, pagará duas vezes — via os impostos escorchantes que já recolhe ao Tesouro e, de maneira indireta, no superfaturamento no fornecimento de bens e serviços a governos por financiadores de caixas dois eleitorais. Como sabido, os provedores finais de todos os gastos são, de maneira dissimulada ou não, o contribuinte, ou seja, a população inteira.
Há, inclusive, uma visão distorcida implícita na proposta do “financiamento público”. Na verdade, público ele já é, e em uma parcela que não é pequena. O Fundo Partidário, a que todos os partidos têm direito, movimentou, ano passado, mais de R$ 300 milhões — dinheiro do contribuinte. Há, ainda, uma despesa não desprezível correspondente à isenção tributária concedida a emissoras de rádio e TV em troca do “horário gratuito” eleitoral. Ele é “gratuito”, esclareça-se, para candidatos e partidos. Não para o pagador de impostos. Vende-se a ilusão de que a corrupção será banida se os bilionários gastos de campanha forem bancados por um cheque único do Tesouro Nacional. Mais gastos em troca de nada.
Em vez da fórmula ilusória, que haja mais transparência compulsória nas cifras da política e que a legislação eleitoral seja reforçada para punir os desvios. Por exemplo, para retirar da vida pública o “conta-suja”, o fraudador da prestação de contas depois de cada eleição.
Por melhores serviços públicos - EDITORIAL ZERO HORA
ZERO HORA - 01/07
A inquietação manifestada pelos brasileiros nas últimas três semanas teve como estopim um problema de dramática atualidade: as altas tarifas e a má qualidade do serviço de transporte urbano. Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) com 3,7 mil pessoas em 212 municípios em 2011 sugere que se trata de dilema que afeta a população brasileira de forma desigual, mas extensiva. Dos entrevistados com renda familiar per capita mensal de zero a cinco salários mínimos, 99% declararam-se usuários cativos ou exclusivos do transporte público. Segundo o mesmo levantamento, a avaliação negativa do serviço cresce à medida que aumenta o tamanho da cidade: apenas 27% dos entrevistados em municípios com menos de 20 mil habitantes consideraram o transporte ruim ou muito ruim, enquanto essa mesma fatia sobe para 41% nas concentrações com mais de 100 mil habitantes.
Logo os manifestantes incluíram também na sua pauta de reivindicações outros serviços públicos deficientes, especialmente nas áreas de saúde, educação e segurança. Também nesse aspecto, mostraram ter com o restante da população uma sintonia raras vezes atingida por representantes eleitos nos parlamentos. Conforme o Datafolha, em levantamento realizado no dia 21, dois em cada três paulistanos eram favoráveis à continuidade das manifestações e propunham como principais bandeiras a saúde (40%), a educação (20%) e o combate à corrupção (17%). As demandas nessas áreas essenciais são urgentes, pois ninguém suporta mais ver filas de doentes nas emergências dos hospitais, pessoas esperando meses por consultas especializadas e cirurgias, falta de médicos em locais remotos, escolas sucateadas, professores desmotivados e mal pagos, índices constrangedores de reprovação e evasão escolar e violência desenfreada nos centros urbanos e até mesmo nas localidades interioranas.
Mais grave ainda do que essas falhas do Estado, que interferem diretamente na vida das pessoas, é a cultura da negligência, que permeia a máquina pública. É sabido que, nos últimos 10 anos, o Brasil experimentou uma redução significativa em sua histórica desigualdade social. Como lembra o presidente do Ipea, Marcelo Neri, nesse período a renda dos 10% mais pobres cresceu 550% mais rápido do que a dos 10% mais ricos. É compreensível que, pelo menos nos grandes centros urbanos, o ingresso massivo de brasileiros no universo do trabalho e do consumo ocorrido na última década provoque demandas adicionais sobre o conjunto dos serviços públicos e que a percepção de suas deficiências também seja acentuada com o aumento do acesso à educação e à informação. Se o país não estiver preparado para receber esse novo contingente de beneficiários de serviços e de políticas públicas com um incremento na qualidade da saúde, da educação e da segurança, estará apenas preparando o caldo de cultura para mais descontentamento.
A inquietação manifestada pelos brasileiros nas últimas três semanas teve como estopim um problema de dramática atualidade: as altas tarifas e a má qualidade do serviço de transporte urbano. Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) com 3,7 mil pessoas em 212 municípios em 2011 sugere que se trata de dilema que afeta a população brasileira de forma desigual, mas extensiva. Dos entrevistados com renda familiar per capita mensal de zero a cinco salários mínimos, 99% declararam-se usuários cativos ou exclusivos do transporte público. Segundo o mesmo levantamento, a avaliação negativa do serviço cresce à medida que aumenta o tamanho da cidade: apenas 27% dos entrevistados em municípios com menos de 20 mil habitantes consideraram o transporte ruim ou muito ruim, enquanto essa mesma fatia sobe para 41% nas concentrações com mais de 100 mil habitantes.
Logo os manifestantes incluíram também na sua pauta de reivindicações outros serviços públicos deficientes, especialmente nas áreas de saúde, educação e segurança. Também nesse aspecto, mostraram ter com o restante da população uma sintonia raras vezes atingida por representantes eleitos nos parlamentos. Conforme o Datafolha, em levantamento realizado no dia 21, dois em cada três paulistanos eram favoráveis à continuidade das manifestações e propunham como principais bandeiras a saúde (40%), a educação (20%) e o combate à corrupção (17%). As demandas nessas áreas essenciais são urgentes, pois ninguém suporta mais ver filas de doentes nas emergências dos hospitais, pessoas esperando meses por consultas especializadas e cirurgias, falta de médicos em locais remotos, escolas sucateadas, professores desmotivados e mal pagos, índices constrangedores de reprovação e evasão escolar e violência desenfreada nos centros urbanos e até mesmo nas localidades interioranas.
Mais grave ainda do que essas falhas do Estado, que interferem diretamente na vida das pessoas, é a cultura da negligência, que permeia a máquina pública. É sabido que, nos últimos 10 anos, o Brasil experimentou uma redução significativa em sua histórica desigualdade social. Como lembra o presidente do Ipea, Marcelo Neri, nesse período a renda dos 10% mais pobres cresceu 550% mais rápido do que a dos 10% mais ricos. É compreensível que, pelo menos nos grandes centros urbanos, o ingresso massivo de brasileiros no universo do trabalho e do consumo ocorrido na última década provoque demandas adicionais sobre o conjunto dos serviços públicos e que a percepção de suas deficiências também seja acentuada com o aumento do acesso à educação e à informação. Se o país não estiver preparado para receber esse novo contingente de beneficiários de serviços e de políticas públicas com um incremento na qualidade da saúde, da educação e da segurança, estará apenas preparando o caldo de cultura para mais descontentamento.
O BC se resguarda - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 01/07
Para melhorar suas análises econômicas, o Banco Central (BC) deixará de utilizar em seus estudos o conceito de superávit primário no qual o governo baseia sua política fiscal.
Da forma como vem sendo calculado e apresentado, o superávit primário não permite avaliar com mais precisão os efeitos das ações do governo na área fiscal - como estímulos tributários ao consumo, a redução de impostos em alguns setores, o aumento ou a redução de gastos em determinadas áreas - sobre a atividade econômica e sobre os preços.
Por isso, o Banco Central passará a utilizar outro conceito, o de superávit estrutural, para projetar a evolução das variáveis econômicas e os efeitos das políticas econômicas.
Embora justificada numa nota de natureza técnica inserida no Relatório de Inflação - na qual expõe a mais recente atualização dos modelos que utiliza para simular cenários e efeitos das políticas econômicas, com o objetivo de subsidiar as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) -, a mudança promovida pelo Banco Central tem efeitos práticos que vão muito além da criação de balizas mais adequadas para a definição do nível dos juros básicos.
Ela constitui uma crítica à maneira como o governo vem conduzindo a política fiscal e anunciando seus resultados, falseados por manobras contábeis. E, ao deixar de utilizar os dados apresentados pelo Ministério da Fazenda e pela Secretaria do Tesouro Nacional, o BC afasta-se mais um pouco da gestão da política econômica do governo Dilma.
Vem fazendo isso há algum tempo de maneira discreta, para reconstruir as partes de sua credibilidade que foram corroídas quando se rendeu ao discurso ufanista do governo num momento em que já eram nítidos os sinais de deterioração do ambiente econômico.
O próprio Relatório de Inflação, divulgado na quinta-feira passada, mostra um BC com uma visão da realidade econômica diferente daquela que tem o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Enquanto Mantega disse que a inflação está em queda - neste ano, poderá ser inferior à do ano passado -, o BC admite que ela poderá ser maior. Em março, o BC projetava inflação de 5,7% para este ano; agora, prevê 6%. Entre as fontes de pressão inflacionária, a instituição relacionou a "política fiscal expansionista" (isto é, gastos excessivos do governo), demanda forte demais em relação à oferta (mas o governo continua a estimular a demanda) e mercado de trabalho aquecido. Quanto ao desempenho da economia em 2013, o BC reviu para baixo sua projeção para o crescimento do PIB, de 3,1% para 2,7%.
A instituição, por compreensíveis motivos, não quer explicitar esse afastamento - que, destaque-se, é necessário para restabelecer não apenas sua credibilidade, mas também a de sua política, indispensável para, em sua esfera de influência, conter as pressões inflacionárias.
Em "nota de esclarecimento" divulgada na sexta-feira em resposta à reportagem do jornal Valor mostrando as mudanças técnicas, o BC diz que "a metodologia de apuração de resultados fiscais é universal, padronizada e estabelecida pelo Fundo Monetário Internacional", e que a sua utilização nos seus modelos de simulação e estudos econômicos "em nada afeta o conceito de resultado primário padronizado".
É tudo verdade. Mas não nega a troca da variável fiscal nos estudos da instituição. É, aliás, o que se lê no Relatório de Inflação. Segundo o BC, as atualizações nos modelos e nas variáveis que utiliza são necessárias "para manter o elevado nível de transparência das ações de política monetária" e, nas mudanças feitas agora com esse objetivo, "passou-se a utilizar o superávit primário estrutural como variável fiscal (...) em substituição ao superávit primário consolidado do setor público".
A diferença entre um conceito e outro é simples, mas essencial para tornar menos obscuros os resultados fiscais. O primeiro, diz a nota do BC, "é ajustado pelo ciclo econômico e exclui os efeitos de receitas e despesas extraordinárias". Já no cálculo do superávit primário, para cumprir a meta fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias, o governo tem lançado muitas receitas extraordinárias, obtidas por meio de artifícios contábeis, como a antecipação de dividendos de empresas estatais e outras manobras.
Para melhorar suas análises econômicas, o Banco Central (BC) deixará de utilizar em seus estudos o conceito de superávit primário no qual o governo baseia sua política fiscal.
Da forma como vem sendo calculado e apresentado, o superávit primário não permite avaliar com mais precisão os efeitos das ações do governo na área fiscal - como estímulos tributários ao consumo, a redução de impostos em alguns setores, o aumento ou a redução de gastos em determinadas áreas - sobre a atividade econômica e sobre os preços.
Por isso, o Banco Central passará a utilizar outro conceito, o de superávit estrutural, para projetar a evolução das variáveis econômicas e os efeitos das políticas econômicas.
Embora justificada numa nota de natureza técnica inserida no Relatório de Inflação - na qual expõe a mais recente atualização dos modelos que utiliza para simular cenários e efeitos das políticas econômicas, com o objetivo de subsidiar as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) -, a mudança promovida pelo Banco Central tem efeitos práticos que vão muito além da criação de balizas mais adequadas para a definição do nível dos juros básicos.
Ela constitui uma crítica à maneira como o governo vem conduzindo a política fiscal e anunciando seus resultados, falseados por manobras contábeis. E, ao deixar de utilizar os dados apresentados pelo Ministério da Fazenda e pela Secretaria do Tesouro Nacional, o BC afasta-se mais um pouco da gestão da política econômica do governo Dilma.
Vem fazendo isso há algum tempo de maneira discreta, para reconstruir as partes de sua credibilidade que foram corroídas quando se rendeu ao discurso ufanista do governo num momento em que já eram nítidos os sinais de deterioração do ambiente econômico.
O próprio Relatório de Inflação, divulgado na quinta-feira passada, mostra um BC com uma visão da realidade econômica diferente daquela que tem o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Enquanto Mantega disse que a inflação está em queda - neste ano, poderá ser inferior à do ano passado -, o BC admite que ela poderá ser maior. Em março, o BC projetava inflação de 5,7% para este ano; agora, prevê 6%. Entre as fontes de pressão inflacionária, a instituição relacionou a "política fiscal expansionista" (isto é, gastos excessivos do governo), demanda forte demais em relação à oferta (mas o governo continua a estimular a demanda) e mercado de trabalho aquecido. Quanto ao desempenho da economia em 2013, o BC reviu para baixo sua projeção para o crescimento do PIB, de 3,1% para 2,7%.
A instituição, por compreensíveis motivos, não quer explicitar esse afastamento - que, destaque-se, é necessário para restabelecer não apenas sua credibilidade, mas também a de sua política, indispensável para, em sua esfera de influência, conter as pressões inflacionárias.
Em "nota de esclarecimento" divulgada na sexta-feira em resposta à reportagem do jornal Valor mostrando as mudanças técnicas, o BC diz que "a metodologia de apuração de resultados fiscais é universal, padronizada e estabelecida pelo Fundo Monetário Internacional", e que a sua utilização nos seus modelos de simulação e estudos econômicos "em nada afeta o conceito de resultado primário padronizado".
É tudo verdade. Mas não nega a troca da variável fiscal nos estudos da instituição. É, aliás, o que se lê no Relatório de Inflação. Segundo o BC, as atualizações nos modelos e nas variáveis que utiliza são necessárias "para manter o elevado nível de transparência das ações de política monetária" e, nas mudanças feitas agora com esse objetivo, "passou-se a utilizar o superávit primário estrutural como variável fiscal (...) em substituição ao superávit primário consolidado do setor público".
A diferença entre um conceito e outro é simples, mas essencial para tornar menos obscuros os resultados fiscais. O primeiro, diz a nota do BC, "é ajustado pelo ciclo econômico e exclui os efeitos de receitas e despesas extraordinárias". Já no cálculo do superávit primário, para cumprir a meta fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias, o governo tem lançado muitas receitas extraordinárias, obtidas por meio de artifícios contábeis, como a antecipação de dividendos de empresas estatais e outras manobras.
Depois do tsunami - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 01/07
Datafolha registra queda expressiva na popularidade de Alckmin e Haddad; prognósticos para 2014 tornam-se mais difíceis
Reproduz-se, nos índices de popularidade do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e do prefeito Fernando Haddad (PT), o efeito devastador que as manifestações de junho tiveram sobre a avaliação do governo federal.
Em menos de um mês, segundo pesquisa Datafolha, caiu de 52% para 38% a proporção dos que consideram "bom" ou "ótimo" o desempenho do governador. Quanto ao prefeito, a queda, no mesmos quesito, foi de 34% para 18%.
Mais enfático, entretanto, é o fenômeno da rejeição a Haddad. Se Alckmin viu aumentar de 15% para 20% a proporção dos que consideram seu governo "ruim" ou "péssimo", no caso do mandatário municipal o salto foi de 21% para 40% na mesma rubrica.
Foi Haddad, afinal, o administrador em cujas mãos se inflamou o estopim das mobilizações. Diferentemente do governador ou da presidente, bem ou mal escorados numa imagem política mais consolidada, o prefeito enfrentou seu primeiro teste político real.
Seja como for, a perda na aprovação da dupla é comparável à que atingiu Dilma Rousseff, cuja aprovação caiu de 57% para 30%. Confirma-se a impressão de que, mais do que uma simples turbulência motivada pela questão dos ônibus ou do descontrole policial, são os políticos brasileiros de modo geral, naquilo em que todos se parecem, os vitimados pela inundação popular de junho.
O fenômeno se percebe com mais clareza quando se analisam os números relativos à preferência eleitoral dos entrevistados. Flutuam mal e mal, entre os destroços do tsunami, figuras atualmente desvinculadas de cargos administrativos --como o ex-governador tucano Aécio Neves, em torno de 15% nos diversos cenários da sucessão presidencial-- ou relativamente alheias à atividade política representativa.
Este é o caso do presidente do STF, Joaquim Barbosa --que passa a um patamar equivalente aos de Marina Silva e Aécio Neves. É também o caso, em certa medida, do peemedebista Paulo Skaf, que chega a 19% em alguns cenários para a sucessão estadual, sem destituir, entretanto, o favoritismo, ainda que abalado, de Alckmin.
Cabe ainda apontar, o que faz sentido no atual contexto, um notável aumento dos votos brancos e nulos. Praticamente dobrou a sua proporção, tanto no plano federal quanto no estadual.
O cenário mudou e mais do que nunca mostra-se indefinido. Convém lembrar, ademais, que, na pesquisa de intenção espontânea de voto para presidente, 55% ainda dizem não ter candidato. Se cabe a ironia, o mais sábio neste momento talvez seja nada saber.
Datafolha registra queda expressiva na popularidade de Alckmin e Haddad; prognósticos para 2014 tornam-se mais difíceis
Reproduz-se, nos índices de popularidade do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e do prefeito Fernando Haddad (PT), o efeito devastador que as manifestações de junho tiveram sobre a avaliação do governo federal.
Em menos de um mês, segundo pesquisa Datafolha, caiu de 52% para 38% a proporção dos que consideram "bom" ou "ótimo" o desempenho do governador. Quanto ao prefeito, a queda, no mesmos quesito, foi de 34% para 18%.
Mais enfático, entretanto, é o fenômeno da rejeição a Haddad. Se Alckmin viu aumentar de 15% para 20% a proporção dos que consideram seu governo "ruim" ou "péssimo", no caso do mandatário municipal o salto foi de 21% para 40% na mesma rubrica.
Foi Haddad, afinal, o administrador em cujas mãos se inflamou o estopim das mobilizações. Diferentemente do governador ou da presidente, bem ou mal escorados numa imagem política mais consolidada, o prefeito enfrentou seu primeiro teste político real.
Seja como for, a perda na aprovação da dupla é comparável à que atingiu Dilma Rousseff, cuja aprovação caiu de 57% para 30%. Confirma-se a impressão de que, mais do que uma simples turbulência motivada pela questão dos ônibus ou do descontrole policial, são os políticos brasileiros de modo geral, naquilo em que todos se parecem, os vitimados pela inundação popular de junho.
O fenômeno se percebe com mais clareza quando se analisam os números relativos à preferência eleitoral dos entrevistados. Flutuam mal e mal, entre os destroços do tsunami, figuras atualmente desvinculadas de cargos administrativos --como o ex-governador tucano Aécio Neves, em torno de 15% nos diversos cenários da sucessão presidencial-- ou relativamente alheias à atividade política representativa.
Este é o caso do presidente do STF, Joaquim Barbosa --que passa a um patamar equivalente aos de Marina Silva e Aécio Neves. É também o caso, em certa medida, do peemedebista Paulo Skaf, que chega a 19% em alguns cenários para a sucessão estadual, sem destituir, entretanto, o favoritismo, ainda que abalado, de Alckmin.
Cabe ainda apontar, o que faz sentido no atual contexto, um notável aumento dos votos brancos e nulos. Praticamente dobrou a sua proporção, tanto no plano federal quanto no estadual.
O cenário mudou e mais do que nunca mostra-se indefinido. Convém lembrar, ademais, que, na pesquisa de intenção espontânea de voto para presidente, 55% ainda dizem não ter candidato. Se cabe a ironia, o mais sábio neste momento talvez seja nada saber.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
"Ouvindo o povo, nosso sistema político poderá se renovar"
Ex-presidente Lula,ao negar críticas à decisão de Dilma sobre reforma política
Abin culpa general por desinformação de Dilma
Acusada de desinformada e por deixar o governo ser surpreendido pelas manifestações de rua, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) se defende. Dirigentes arapongas garantem (em off, claro) que enviam ao Planalto informes que nem sempre contêm boas notícias, por isso não são entregues à presidenta pelo general José Elito, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). É que ele morreria de medo de Dilma.
Toma que o filho é teu
José Elito sempre devolve à Abin informes sobre temas graves, e pede mais detalhes. Afinal, sem informe, não há despacho com Dilma.
Cautela e caldo de galinha
Amigos do general o consideram cauteloso. Pelo sim, pelo não, o chefe do GSI não mantém despacho privado com a presidenta há meses.
Sim, senhora
O chefe do GSI começou mal no governo, quando Dilma o obrigou a desdizer o que de fato havia dito, contra a Comissão da Verdade.
Aqui, não
Dilma não parece ter o general em alta conta. Assessores palacianos relatam que certa vez ela o expulsou do seu elevador privativo.
Brasil quase patrocina provocação a palestinos
A presidenta Dilma vetou integralmente uma lei proposta pelo senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) que seria uma provocação, não fosse produto da desinformação que levaria o Brasil ao ridículo. A lei definia 29 de novembro como o “Dia da Celebração da Amizade Brasil-Israel”. Mas justo nesse dia se celebra o “Dia Internacional de Solidariedade com o Povo da Palestina”, criado pela Assembleia Geral da ONU.
Comeram mosca
Deu mancada a assessoria legislativa do chanceler bananão Antônio Patriota, que não foi capaz detectar o projeto tramitando desde 2005.
Põe na conta
A estatal Furnas está liberando funcionários do turno da manhã mais cedo para “poupá-los dos transtornos das manifestações no Rio”.
Hora é agora
Líder do PT, José Guimarães (CE) defende inclusão do Plano Nacional de Educação no pacote que Câmara votará em resposta aos protestos.
Pata Manca
Na reunião de deputados do PT, há dias, em que Dilma foi duramente criticada pelos erros e negligência com os grandes eventos, a turma do “Volta, Lula” dizia que ela virou “pata manca”, numa alusão ao “Lame Duck”, termo americano para indicar presidente em final de mandato.
Déjà vu
O PMDB marcou mais uma vez reunião da Executiva Nacional no Hotel Nacional de Brasília, refutado em cima da hora no último encontro da sigla por não ter alvará de funcionamento nem saídas de emergência.
Ação conjunta
Relator da MP 612, que sepulta licitação para abertura de portos secos, Alfredo Kaefer (PSDB-PR) se reúne hoje com Vicente Cândido (PT-SP) e Ronaldo Medina, assessor da Receita Federal, para arrematar texto.
Tarso, o gestor
A empresa pública recém-criada pelo governador Tarso Genro, só para cobrar pedágios dos gaúchos em rodovias, tem um engenheiro como presidente e dentista como diretor técnico. Não há perigo de dar certo.
Resta um
Com as saídas do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan e da ex-presidenta do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie, do conselho da OGX, restou a Eike Batista se aconselhar com o seu pai, Eliezer.
Bola da vez
Cotado para dar palanque ao presidenciável Eduardo Campos (PSB-PE) no Rio em 2014, o ex-jogador de futebol Romário também tem sido alvo de assédio de outros partidos para sair candidato ao Senado.
Baú de ideias
O cientista político Murillo de Aragão, da Arko Advice, vai propor lei de iniciativa popular – como o Ficha Limpa: o “financiamento eleitoral cidadão”: só indivíduos, com limite para doação e teto de gastos.
Planeta água
Só no Estado de São Paulo, 12 milhões de veículos e 9 milhões de pessoas utilizaram o transporte aquaviário em 2012. Por isso a prefeita de Guarujá (SP), Maria Antonieta de Brito, sugeriu à Casa Civil e ao Senado a desoneração para o transporte por barca, catraias e balsas.
Caiu na rede
Lula, que quer adotar a rede social para conquistar “as ruas”, ganhou uma conta ontem no território (ainda) livre do Twitter: “lula@brasil”.
Poder sem pudor
Mentir não pode
A então deputada Maria Conceição Tavares (PT-RJ) debatia um pacote fiscal do governo FHC com o colega baiano Benito Gama, na TV Câmara, quando de repente ela perdeu a paciência e aplicou um sonoro tapa nas costas do adversário. Diante do perplexo apresentador, Luiz Augusto Gollo, e de um Benito assustado, ela gritou, bem ao seu estilo:
- Não mintas, ó Benito, isto é uma deslavada mentira!
Por pouco o debate não acaba nas mãos da segurança.
Ex-presidente Lula,ao negar críticas à decisão de Dilma sobre reforma política
Abin culpa general por desinformação de Dilma
Acusada de desinformada e por deixar o governo ser surpreendido pelas manifestações de rua, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) se defende. Dirigentes arapongas garantem (em off, claro) que enviam ao Planalto informes que nem sempre contêm boas notícias, por isso não são entregues à presidenta pelo general José Elito, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). É que ele morreria de medo de Dilma.
Toma que o filho é teu
José Elito sempre devolve à Abin informes sobre temas graves, e pede mais detalhes. Afinal, sem informe, não há despacho com Dilma.
Cautela e caldo de galinha
Amigos do general o consideram cauteloso. Pelo sim, pelo não, o chefe do GSI não mantém despacho privado com a presidenta há meses.
Sim, senhora
O chefe do GSI começou mal no governo, quando Dilma o obrigou a desdizer o que de fato havia dito, contra a Comissão da Verdade.
Aqui, não
Dilma não parece ter o general em alta conta. Assessores palacianos relatam que certa vez ela o expulsou do seu elevador privativo.
Brasil quase patrocina provocação a palestinos
A presidenta Dilma vetou integralmente uma lei proposta pelo senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) que seria uma provocação, não fosse produto da desinformação que levaria o Brasil ao ridículo. A lei definia 29 de novembro como o “Dia da Celebração da Amizade Brasil-Israel”. Mas justo nesse dia se celebra o “Dia Internacional de Solidariedade com o Povo da Palestina”, criado pela Assembleia Geral da ONU.
Comeram mosca
Deu mancada a assessoria legislativa do chanceler bananão Antônio Patriota, que não foi capaz detectar o projeto tramitando desde 2005.
Põe na conta
A estatal Furnas está liberando funcionários do turno da manhã mais cedo para “poupá-los dos transtornos das manifestações no Rio”.
Hora é agora
Líder do PT, José Guimarães (CE) defende inclusão do Plano Nacional de Educação no pacote que Câmara votará em resposta aos protestos.
Pata Manca
Na reunião de deputados do PT, há dias, em que Dilma foi duramente criticada pelos erros e negligência com os grandes eventos, a turma do “Volta, Lula” dizia que ela virou “pata manca”, numa alusão ao “Lame Duck”, termo americano para indicar presidente em final de mandato.
Déjà vu
O PMDB marcou mais uma vez reunião da Executiva Nacional no Hotel Nacional de Brasília, refutado em cima da hora no último encontro da sigla por não ter alvará de funcionamento nem saídas de emergência.
Ação conjunta
Relator da MP 612, que sepulta licitação para abertura de portos secos, Alfredo Kaefer (PSDB-PR) se reúne hoje com Vicente Cândido (PT-SP) e Ronaldo Medina, assessor da Receita Federal, para arrematar texto.
Tarso, o gestor
A empresa pública recém-criada pelo governador Tarso Genro, só para cobrar pedágios dos gaúchos em rodovias, tem um engenheiro como presidente e dentista como diretor técnico. Não há perigo de dar certo.
Resta um
Com as saídas do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan e da ex-presidenta do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie, do conselho da OGX, restou a Eike Batista se aconselhar com o seu pai, Eliezer.
Bola da vez
Cotado para dar palanque ao presidenciável Eduardo Campos (PSB-PE) no Rio em 2014, o ex-jogador de futebol Romário também tem sido alvo de assédio de outros partidos para sair candidato ao Senado.
Baú de ideias
O cientista político Murillo de Aragão, da Arko Advice, vai propor lei de iniciativa popular – como o Ficha Limpa: o “financiamento eleitoral cidadão”: só indivíduos, com limite para doação e teto de gastos.
Planeta água
Só no Estado de São Paulo, 12 milhões de veículos e 9 milhões de pessoas utilizaram o transporte aquaviário em 2012. Por isso a prefeita de Guarujá (SP), Maria Antonieta de Brito, sugeriu à Casa Civil e ao Senado a desoneração para o transporte por barca, catraias e balsas.
Caiu na rede
Lula, que quer adotar a rede social para conquistar “as ruas”, ganhou uma conta ontem no território (ainda) livre do Twitter: “lula@brasil”.
Poder sem pudor
Mentir não pode
A então deputada Maria Conceição Tavares (PT-RJ) debatia um pacote fiscal do governo FHC com o colega baiano Benito Gama, na TV Câmara, quando de repente ela perdeu a paciência e aplicou um sonoro tapa nas costas do adversário. Diante do perplexo apresentador, Luiz Augusto Gollo, e de um Benito assustado, ela gritou, bem ao seu estilo:
- Não mintas, ó Benito, isto é uma deslavada mentira!
Por pouco o debate não acaba nas mãos da segurança.
SEGUNDA NOS JORNAIS
- Globo: Olé Brasil bate Espanha por 3 a 0 e conquista Copa das Confederações em jogo eletrizante
- Folha: Popularidade de Alckmin cai; 40% rejeitam Haddad
- Estadão: Após pesquisa, base endurece com Dilma e faz cobranças
- Correio: E o Brasil deitou, e rolou
- Estado de Minas: Em atuação histórica, Brasil arrasa a Espanha no Maracanã
- Zero Hora: O campeão voltou
- Brasil Econômico: “Corrupção começa na eleição”
- Valor Econômico: Desvalorização de commodities ameaça balança
domingo, junho 30, 2013
Lula versus Dilma - RUTH DE AQUINO
REVISTA ÉPOCA
Por que o criador evitou apoiar a criatura no auge da crise? Por que ficou mudo?
Há uma pedra barbuda no escarpim de Dilma Rousseff, furando a meia-calça. Lula é seu nome. O maior líder popular do Brasil sumiu, escafedeu-se, silenciou sua voz rouca, justamente nas semanas em que o povo acordou da letargia para protestar contra uma herança maldita. Por que se calou o grilo falante em todas as celebrações de conquistas no país e no exterior? Só aparece na boa? Por que Lula finge que nada é com ele? Por que o criador evitou apoiar a criatura no auge da crise? Por que ficou mudo e invisível, quando a turba se insurgiu, e brasileiros de todas as idades passaram a falar, gritar, discutir e analisar, mesmo aos tropeços e sob o risco de errar? O Lula que se metamorfoseou em oito anos de mandato e rasgou a bandeira da ética na política... O Lula que suspendeu suas férias para defender o ex-presidente do Senado sob o argumento de que "Sarney não pode ser julgado como homem comum"... O Lula que se locupletou com o corrupto-mor Maluf para eleger Haddad, "o novo"... O Lula que se uniu "aos picaretas do Congresso"... O Lula que quis reeditar a CPMF, uma taxa que antes chamava de extorsão... Esse Lula não põe seu bloco na rua numa hora dessas? Por lealdade, deveria ter dado o braço a Dilma. Afinal, ela chefiava sua Casa Civil e só concordou em disputar a Presidência porque, sem Dirceu nem Palocci, Lula impôs seu nome.
Por que o criador evitou apoiar a criatura no auge da crise? Por que ficou mudo?
Há uma pedra barbuda no escarpim de Dilma Rousseff, furando a meia-calça. Lula é seu nome. O maior líder popular do Brasil sumiu, escafedeu-se, silenciou sua voz rouca, justamente nas semanas em que o povo acordou da letargia para protestar contra uma herança maldita. Por que se calou o grilo falante em todas as celebrações de conquistas no país e no exterior? Só aparece na boa? Por que Lula finge que nada é com ele? Por que o criador evitou apoiar a criatura no auge da crise? Por que ficou mudo e invisível, quando a turba se insurgiu, e brasileiros de todas as idades passaram a falar, gritar, discutir e analisar, mesmo aos tropeços e sob o risco de errar? O Lula que se metamorfoseou em oito anos de mandato e rasgou a bandeira da ética na política... O Lula que suspendeu suas férias para defender o ex-presidente do Senado sob o argumento de que "Sarney não pode ser julgado como homem comum"... O Lula que se locupletou com o corrupto-mor Maluf para eleger Haddad, "o novo"... O Lula que se uniu "aos picaretas do Congresso"... O Lula que quis reeditar a CPMF, uma taxa que antes chamava de extorsão... Esse Lula não põe seu bloco na rua numa hora dessas? Por lealdade, deveria ter dado o braço a Dilma. Afinal, ela chefiava sua Casa Civil e só concordou em disputar a Presidência porque, sem Dirceu nem Palocci, Lula impôs seu nome.
A técnica Dilma, a gerentona, a ex-guerrilheira, talvez um dia escreva um livro sobre sua relação com Lula. Por mais responsável que seja, como presidente, pela explosão da insatisfação no Brasil, Dilma sabe bem quem a colocou nessa roubada de "mãe do PAC". Sabe que recebeu uma herança de corrupção, impunidade, abuso de poder, desvio de verba pública, falta de re-presentatividade dos partidos, péssima qualidade de serviços essenciais, impostos absurdos, altos salários e mordomias dos burocratas dos Três Poderes, cinismo e oportunismo de governadores e prefeitos. O Brasil já era assim quando ela foi eleita.
O Lula presidente se lamentava da "herança maldita" de Fernando Henrique Cardoso. Dilma não pode dizer nada nem parecido. Lula teve oito anos para mudar o caráter do Brasil para melhor. Tinha tudo. Tinha uma história de defesa da liberdade e dos direitos humanos, tinha credibilidade e a legitimidade do voto, tinha nas mãos a esperança de tantos jovens aglutinados pela estrela do PT. E por tantas bandeiras no ar. A ética. A educação e a saúde de qualidade ao alcance de todos. As creches, o transporte de massa. Mas Lula achou que o Bolsa Família seria suficiente.
Os jovens que protestam agora, em paz ou com raiva, mal chegavam aos 10 anos de idade quando a eleição de Lula emocionou o Brasil. A geração YouTube deveria rever a bela cerimônia em que FHC passou o poder a Lula. Se, na última década, a oposição fracassou com a juventude, imagine a autocrítica do PT. Um partido que inchou com siglas infiltradas e perdeu companheiros de raiz. Uns saíram por racha ideológico, outros por convicção de que nada mudaria na essência, e outros ainda porque foram processados, cassados e condenados.
Os jovens brasileiros de 16 a 18 anos, para quem o voto é facultativo, se afastaram das urnas e, até umas semanas atrás, pareciam alienados. Eles não acreditam nos partidos. Quem de bom-senso ainda acredita, a não ser os que ganham o pão - e os dólares - com a política partidária? Por isso a ideia de candidatura avulsa, endossada pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa, ganha força. Joaquim defendeu um "recall" nacional dos políticos. Já pensou se os eleitores passam a ter o direito de revogar mandatos e de expulsar políticos de cargos? Renan continua com aquele sorrisinho pregado no rosto em todas as fotos. Até quando, Calheiros? Na semana passada, Dilma virou a Geni. Tudo que disse e desdisse levou pedra de aliados e oposicionistas. Uns vândalos. Constituinte, plebiscito, referendo, pactos, apelos, nada pegou bem, nem com a maquiagem e o penteado que custaram R$ 3.125. A presidente está isolada por seus pares e ímpares. Sua sorte é que, até agora, não há líderes oposicionistas com discurso consistente para o futuro do país. Aécio Neves converteu-se a uma pálida sombra do que poderia ser. Marina Silva virou uma analista em cima do muro, com o aposto de "evangélica". Eduardo Campos desistiu do combate às claras e age nos bastidores à espera de uma derrapagem fatal.
E Lula... Bem, Lula recebeu alguns jovens em seu instituto. A aliados, diz-se que acusou Dilma de cometer "barbeiragens" na articulação e na resposta à nação. Lula é hoje a pedra mais incômoda no sapato alto da presidente.
Anjos - MARTHA MEDEIROS
ZERO HORA - 30/06
Fala-se muito em Deus, mas pouco em anjos. Acredito neles, nos zelosos guardadores, não sentados em nuvens tocando trombeta, mas aqui, no plano terreno. Um pode ser o anjo do outro. Você pode ser meu anjo, e eu o seu.
Vou compartilhar uma história que aconteceu no final de fevereiro. Recebi um convite para integrar a equipe de uma instituição britânica liderada pelo filósofo e escritor Alain de Botton, a The School of Life, que está introduzindo atividades no Brasil. Topei. No entanto, meu inglês é precário.
Consigo viajar sem pagar micos, me comunico em hotéis e restaurantes, mas não tenho fluência para manter uma conversa digna com um estrangeiro. E isso será fundamental no novo desafio profissional que me surgiu. Preciso aprender inglês pra ontem. Como? De preferência, estudando fora, fazendo um curso de imersão. Até então, isso nunca tinha passado de um sonho da juventude.
Dias depois de a The School of Life me procurar, recebi outro convite: lançar meus livros em Torres. Passei quase três horas autografando para veranistas e moradores da cidade. Quando a livraria estava fechando a porta, um homem insistiu em entrar. Um turista. Ele pediu minha dedicatória, a última da noite, e me entregou seu cartão. Era, simplesmente, um renomado gestor de cursos de inglês no Exterior. O procurei na semana seguinte e, para encurtar a história, estou matriculada em uma das escolas mais sérias da Inglaterra, já tenho um flat alugado e estou com toda a burocracia resolvida. De quebra, fiz um novo amigo.
Esse tipo de história é recorrente na minha vida. Qualquer questão que se apresente, a solução cai do céu em dias, às vezes em horas, através de alguém que não conheço. O exemplo que dei é elitista, mas já aconteceram coisas bem mais prosaicas e milagrosas – nunca me apertei. Sempre um anjo apareceu do nada.
Pode-se chamar isso de ter sorte, ou uma boa estrela. Dá no mesmo. Estamos falando de receptividade e de doação. Você tem um anjo porque também já foi o anjo de alguém. E se tudo não passar de baboseira, que seja. Num mundo rude como o nosso, há que se flertar com o esotérico.
No momento em que você me lê, já estou em Londres. Amanhã começam minhas aulas e não vai ser moleza: serão seis horas por dia, afora os temas de casa e alguns compromissos com a The School of Life, a entidade que deu início a essa minha movimentação. Por isso, ficarei ausente do jornal durante todo o mês de julho. Prometo retornar em agosto mais inspirada e, se os anjos ajudarem, reencontrar vocês com saudades. Até breve.
Fala-se muito em Deus, mas pouco em anjos. Acredito neles, nos zelosos guardadores, não sentados em nuvens tocando trombeta, mas aqui, no plano terreno. Um pode ser o anjo do outro. Você pode ser meu anjo, e eu o seu.
Vou compartilhar uma história que aconteceu no final de fevereiro. Recebi um convite para integrar a equipe de uma instituição britânica liderada pelo filósofo e escritor Alain de Botton, a The School of Life, que está introduzindo atividades no Brasil. Topei. No entanto, meu inglês é precário.
Consigo viajar sem pagar micos, me comunico em hotéis e restaurantes, mas não tenho fluência para manter uma conversa digna com um estrangeiro. E isso será fundamental no novo desafio profissional que me surgiu. Preciso aprender inglês pra ontem. Como? De preferência, estudando fora, fazendo um curso de imersão. Até então, isso nunca tinha passado de um sonho da juventude.
Dias depois de a The School of Life me procurar, recebi outro convite: lançar meus livros em Torres. Passei quase três horas autografando para veranistas e moradores da cidade. Quando a livraria estava fechando a porta, um homem insistiu em entrar. Um turista. Ele pediu minha dedicatória, a última da noite, e me entregou seu cartão. Era, simplesmente, um renomado gestor de cursos de inglês no Exterior. O procurei na semana seguinte e, para encurtar a história, estou matriculada em uma das escolas mais sérias da Inglaterra, já tenho um flat alugado e estou com toda a burocracia resolvida. De quebra, fiz um novo amigo.
Esse tipo de história é recorrente na minha vida. Qualquer questão que se apresente, a solução cai do céu em dias, às vezes em horas, através de alguém que não conheço. O exemplo que dei é elitista, mas já aconteceram coisas bem mais prosaicas e milagrosas – nunca me apertei. Sempre um anjo apareceu do nada.
Pode-se chamar isso de ter sorte, ou uma boa estrela. Dá no mesmo. Estamos falando de receptividade e de doação. Você tem um anjo porque também já foi o anjo de alguém. E se tudo não passar de baboseira, que seja. Num mundo rude como o nosso, há que se flertar com o esotérico.
No momento em que você me lê, já estou em Londres. Amanhã começam minhas aulas e não vai ser moleza: serão seis horas por dia, afora os temas de casa e alguns compromissos com a The School of Life, a entidade que deu início a essa minha movimentação. Por isso, ficarei ausente do jornal durante todo o mês de julho. Prometo retornar em agosto mais inspirada e, se os anjos ajudarem, reencontrar vocês com saudades. Até breve.
A vez do povo desorganizado - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 30/06
Os políticos se tornaram uma casta que se apropriou da máquina do Estado em seu próprio benefício
As manifestações de protesto ocorridas nas últimas semanas em numerosas cidades brasileiras são, sem sombra de dúvida, um fenômeno novo na vida política do país, nos últimos 20 anos.
Causou surpresa a muita gente --inclusive a mim-- que o aumento de R$ 0,20 nas tarifas de transporte urbano tenha provocado tamanha revolta e mobilizado tanta gente.
É que essas manifestações traziam consigo outras motivações que não se revelaram no primeiro momento. Logo pôde-se ver que o aumento das tarifas foi apenas o detonador de um descontentamento maior que põe em questão o próprio sistema político que nos governa.
Ouvi e li opiniões segundo as quais trata-se de um fenômeno internacional, uma vez que, em vários países, protestos populares têm se repetido com frequência. Trata-se, creio eu, de uma opinião equivocada, já que as razões desses protestos são diferentes de país para país. O que há de comum neles é a influência das redes sociais, que possibilitam mobilizações em tal escala.
No caso do Brasil, por exemplo, está evidente que a revolta é contra os políticos em geral, sejam de que partidos forem, pertençam ao governo ou à oposição. Isso se tornou evidente em diversos momentos quando militantes deste ou daquele partido tentaram se manifestar: foram vaiados e até espancados. Foi o caso do PT que, oportunista como sempre, tentou tirar vantagem da situação e se deu mal.
Mas de onde vem esse horror aos políticos? A resposta é óbvia: eles se tornaram uma casta que se apropriou da máquina do Estado em seu próprio benefício.
Essa máquina, que é mantida com o dinheiro de impostos escorchantes, eles usam para empregar seus parentes e companheiros de partido, para enriquecer a si e a seus familiares, manipulando licitações e contratos de obras públicas --e usam isso, sobretudo, para se manter no poder.
Essa situação tornou-se particularmente insuportável depois que Lula assumiu o governo e pôs em prática uma política populista que veio agravar ainda mais aqueles fatores negativos da vida política brasileira. Quem nele acreditava viu, decepcionado, que ele ignorou os compromissos éticos assumidos e aliou-se a figuras como Maluf e o bispo Macedo --sem falar na compra, com dinheiro público, de partidos corruptos.
Essa aliança, com o submundo político, de um líder que surgiu como uma esperança de renovação, só poderia conduzir as pessoas em geral --e particularmente os que confiaram nele-- à desesperança total quanto ao futuro da nação.
O mais grave é que, somando-se isso à política assistencialista que adotou, tornou-se eleitoralmente imbatível. Assim, sem outra saída, os inconformados foram para as ruas. Nessa rejeição ao poder constituído e aos políticos em geral, o povo descontente pode não saber ainda por onde vai, mas sabe por onde não vai.
Não por acaso, a maioria desses manifestantes é de classe média. Não foram os pobres dos subúrbios que vieram para as ruas protestar, pois recebem Bolsa Família e melhoraram de vida. Quem está insatisfeita e revoltada é a parte da sociedade que só perdeu com o populismo lulista, uma vez que o dinheiro público, em lugar de ser investido em hospitais, escolas e serviços públicos, foi e é usado em programas assistencialistas e demagógicos.
Por outro lado, o lulismo cooptou as entidades representativas dos trabalhadores e dos estudantes (a CUT e a UNE), que, contrariamente a suas origens e à sua história, agora impedem manifestações contrárias ao governo. Desse modo, tanto os trabalhadores quanto os estudantes não têm quem os represente na luta por suas reivindicações.
Por isso, meses atrás, afirmei nesta coluna que a única solução possível seria o povo desorganizado ir para as ruas, já que não conta com as organizações que deveriam representá-lo. É o que acontece agora: o povo desorganizado está nas ruas. Desmascarada, a CUT tentou juntar-se aos manifestantes, mas foi repelida por eles.
Sem alternativa, a presidente Dilma promoveu uma reunião com governadores e prefeitos para aparecer como porta-voz dos inconformados, e propôs medidas que não se sabe quando nem se serão mesmo postas em prática.
Os políticos se tornaram uma casta que se apropriou da máquina do Estado em seu próprio benefício
As manifestações de protesto ocorridas nas últimas semanas em numerosas cidades brasileiras são, sem sombra de dúvida, um fenômeno novo na vida política do país, nos últimos 20 anos.
Causou surpresa a muita gente --inclusive a mim-- que o aumento de R$ 0,20 nas tarifas de transporte urbano tenha provocado tamanha revolta e mobilizado tanta gente.
É que essas manifestações traziam consigo outras motivações que não se revelaram no primeiro momento. Logo pôde-se ver que o aumento das tarifas foi apenas o detonador de um descontentamento maior que põe em questão o próprio sistema político que nos governa.
Ouvi e li opiniões segundo as quais trata-se de um fenômeno internacional, uma vez que, em vários países, protestos populares têm se repetido com frequência. Trata-se, creio eu, de uma opinião equivocada, já que as razões desses protestos são diferentes de país para país. O que há de comum neles é a influência das redes sociais, que possibilitam mobilizações em tal escala.
No caso do Brasil, por exemplo, está evidente que a revolta é contra os políticos em geral, sejam de que partidos forem, pertençam ao governo ou à oposição. Isso se tornou evidente em diversos momentos quando militantes deste ou daquele partido tentaram se manifestar: foram vaiados e até espancados. Foi o caso do PT que, oportunista como sempre, tentou tirar vantagem da situação e se deu mal.
Mas de onde vem esse horror aos políticos? A resposta é óbvia: eles se tornaram uma casta que se apropriou da máquina do Estado em seu próprio benefício.
Essa máquina, que é mantida com o dinheiro de impostos escorchantes, eles usam para empregar seus parentes e companheiros de partido, para enriquecer a si e a seus familiares, manipulando licitações e contratos de obras públicas --e usam isso, sobretudo, para se manter no poder.
Essa situação tornou-se particularmente insuportável depois que Lula assumiu o governo e pôs em prática uma política populista que veio agravar ainda mais aqueles fatores negativos da vida política brasileira. Quem nele acreditava viu, decepcionado, que ele ignorou os compromissos éticos assumidos e aliou-se a figuras como Maluf e o bispo Macedo --sem falar na compra, com dinheiro público, de partidos corruptos.
Essa aliança, com o submundo político, de um líder que surgiu como uma esperança de renovação, só poderia conduzir as pessoas em geral --e particularmente os que confiaram nele-- à desesperança total quanto ao futuro da nação.
O mais grave é que, somando-se isso à política assistencialista que adotou, tornou-se eleitoralmente imbatível. Assim, sem outra saída, os inconformados foram para as ruas. Nessa rejeição ao poder constituído e aos políticos em geral, o povo descontente pode não saber ainda por onde vai, mas sabe por onde não vai.
Não por acaso, a maioria desses manifestantes é de classe média. Não foram os pobres dos subúrbios que vieram para as ruas protestar, pois recebem Bolsa Família e melhoraram de vida. Quem está insatisfeita e revoltada é a parte da sociedade que só perdeu com o populismo lulista, uma vez que o dinheiro público, em lugar de ser investido em hospitais, escolas e serviços públicos, foi e é usado em programas assistencialistas e demagógicos.
Por outro lado, o lulismo cooptou as entidades representativas dos trabalhadores e dos estudantes (a CUT e a UNE), que, contrariamente a suas origens e à sua história, agora impedem manifestações contrárias ao governo. Desse modo, tanto os trabalhadores quanto os estudantes não têm quem os represente na luta por suas reivindicações.
Por isso, meses atrás, afirmei nesta coluna que a única solução possível seria o povo desorganizado ir para as ruas, já que não conta com as organizações que deveriam representá-lo. É o que acontece agora: o povo desorganizado está nas ruas. Desmascarada, a CUT tentou juntar-se aos manifestantes, mas foi repelida por eles.
Sem alternativa, a presidente Dilma promoveu uma reunião com governadores e prefeitos para aparecer como porta-voz dos inconformados, e propôs medidas que não se sabe quando nem se serão mesmo postas em prática.
A juventude não dormirá - DIANA LICHTENSTEIN CORSO
ZERO HORA - 30/06
Em 1964, num pequeno texto com esse título, escrito para a revista New Society, o psicanalista Winnicott tentava dialogar com aqueles que se horrorizavam diante de manifestações juvenis: "É dada publicidade a cada ato de baderna juvenil porque o público não quer ouvir ou ler a respeito dessas façanhas adolescentes que estão isentas de qualquer desvio antissocial. Além disso, quando acontece um milagre, como os Beatles, existem aqueles adultos que franzem o cenho quando podiam soltar um suspiro de alívio _ quer dizer, se estivessem livres da inveja que sentem do adolescente desta fase". Veja bem, ele retrata a obsessão do público por uma minoria de vândalos, cego à verdadeira relevância dos acontecimentos. O título refere a uma personagem de Shakespeare, que odiava a juventude e desejava que se dormisse dos 16 aos 23 anos.
É interessante a menção aos vovôs do rock, justamente para lembrar de que o tempo passa e crescemos como civilização assimilando e aprendendo com o que parecia dissonante e impossível de catalogar. O que mais alarma os intérpretes de plantão, nos quais me incluo, é a ignorância do rumo que as insatisfações expressadas vão tomar. Não se sabe do resultado das próximas eleições, nem como as cidades receberão a Copa e principalmente está para se descobrir como funcionam a política e a informação na era da internet. Como tampouco se sabia da comunicação após o telégrafo e o telefone, do rumo da música depois do rock, do destino da família após a revolução dos costumes, das mulheres após a pílula, do livro após o computador. Os adultos de diferentes épocas são reincidentes no medo do desconhecido, lembram seus tempos de interrogações e temem não ter feito as melhores escolhas. Os jovens representam esse processo, estão fadados a atravessá-lo e acabam suportando melhor o que não controlam.
Nesse e noutros textos, Winnicott lembra que a juventude passa nos indivíduos, que ficam velhos como os Beatles, mas nas sociedades a expressão juvenil chegou para ficar. Ele a chamou elogiosamente de "imaturidade adolescente", que seria a fonte das dúvidas que movem revoluções e permitem invenções. Tudo o que nos tornamos como civilização tem uma dívida com aqueles que enxergaram as coisas de modo diferente.
Mudam os atores, mas a peça da juventude segue em cartaz. A vantagem da visão de mundo adolescente, ou juvenil, é justamente sua relação com o tempo, a capacidade de reconhecer, com tristeza, mas sem pânico, que o futuro é incerto. Ser jovem é conviver com as próprias indefinições: duvidar sobre a quem e como amar, no que acreditar, como trabalhar, a quem admirar e o que se quer aprender. Ficar velho é satisfazer-se com o senso comum, é alardear o fim do mundo a cada vez que alguém faz um barulho que nosso cérebro não consegue decodificar. Encerro com Winnicott, pedindo que sejamos capazes de interpretar e conter nossa "indignação moral causada por ciúme da juventude". Corrompendo Quintana: a meninada passará, a juventude passarinho.
Em 1964, num pequeno texto com esse título, escrito para a revista New Society, o psicanalista Winnicott tentava dialogar com aqueles que se horrorizavam diante de manifestações juvenis: "É dada publicidade a cada ato de baderna juvenil porque o público não quer ouvir ou ler a respeito dessas façanhas adolescentes que estão isentas de qualquer desvio antissocial. Além disso, quando acontece um milagre, como os Beatles, existem aqueles adultos que franzem o cenho quando podiam soltar um suspiro de alívio _ quer dizer, se estivessem livres da inveja que sentem do adolescente desta fase". Veja bem, ele retrata a obsessão do público por uma minoria de vândalos, cego à verdadeira relevância dos acontecimentos. O título refere a uma personagem de Shakespeare, que odiava a juventude e desejava que se dormisse dos 16 aos 23 anos.
É interessante a menção aos vovôs do rock, justamente para lembrar de que o tempo passa e crescemos como civilização assimilando e aprendendo com o que parecia dissonante e impossível de catalogar. O que mais alarma os intérpretes de plantão, nos quais me incluo, é a ignorância do rumo que as insatisfações expressadas vão tomar. Não se sabe do resultado das próximas eleições, nem como as cidades receberão a Copa e principalmente está para se descobrir como funcionam a política e a informação na era da internet. Como tampouco se sabia da comunicação após o telégrafo e o telefone, do rumo da música depois do rock, do destino da família após a revolução dos costumes, das mulheres após a pílula, do livro após o computador. Os adultos de diferentes épocas são reincidentes no medo do desconhecido, lembram seus tempos de interrogações e temem não ter feito as melhores escolhas. Os jovens representam esse processo, estão fadados a atravessá-lo e acabam suportando melhor o que não controlam.
Nesse e noutros textos, Winnicott lembra que a juventude passa nos indivíduos, que ficam velhos como os Beatles, mas nas sociedades a expressão juvenil chegou para ficar. Ele a chamou elogiosamente de "imaturidade adolescente", que seria a fonte das dúvidas que movem revoluções e permitem invenções. Tudo o que nos tornamos como civilização tem uma dívida com aqueles que enxergaram as coisas de modo diferente.
Mudam os atores, mas a peça da juventude segue em cartaz. A vantagem da visão de mundo adolescente, ou juvenil, é justamente sua relação com o tempo, a capacidade de reconhecer, com tristeza, mas sem pânico, que o futuro é incerto. Ser jovem é conviver com as próprias indefinições: duvidar sobre a quem e como amar, no que acreditar, como trabalhar, a quem admirar e o que se quer aprender. Ficar velho é satisfazer-se com o senso comum, é alardear o fim do mundo a cada vez que alguém faz um barulho que nosso cérebro não consegue decodificar. Encerro com Winnicott, pedindo que sejamos capazes de interpretar e conter nossa "indignação moral causada por ciúme da juventude". Corrompendo Quintana: a meninada passará, a juventude passarinho.
Não é final do Mundial - TOSTÃO
FOLHA DE SP - 30/06
Se perder, a Espanha, pelo que joga e jogou durante os últimos anos, continuará superior ao Brasil. Não se mudam os conceitos por causa de um jogo. O Brasil, mesmo se for derrotado, já mostrou que, em casa, é forte candidato ao título mundial.
Em uma decisão, é impossível prever o comportamento emocional dos jogadores. A maioria fica mais tensa. A ansiedade, até certos limites, é benéfica. O corpo aumenta a produção de algumas substâncias químicas, e o jogador fica mais atento, esperto e com mais força física. É o doping fisiológico.
Se a ansiedade for muito intensa, o atleta fica mais agressivo, tem mais pressa de chegar ao gol, a bola bate na canela, além de perder a capacidade de antever o lance e de perceber, em uma fração de segundos, a movimentação dos companheiros e adversários. Quem joga em casa corre um pouco mais de risco de ficar mais tenso.
O Brasil tem boas chances de vencer porque possui ótimos zagueiros, especialmente Thiago Silva, e a Espanha não tem um grande atacante.
Os excepcionais armadores espanhóis não se destacam também pelas finalizações, além de entrarem pouco na área, com exceção de Fàbregas, que talvez não jogue. Dificilmente, o time espanhol fará mais de um gol.
O Brasil tem boas chances de vencer porque a Espanha marca mais à frente e, se o time brasileiro desarmar, com frequência, no meio-campo, os velozes Neymar, Oscar e Hulk terão mais espaços nos contra-ataques. A Itália fez isso bem, contra a Espanha, e criou várias chances de gols.
O Brasil tem boas chances de vencer porque a Espanha não tem meias, pelos lados, que protegem os laterais. Daniel Alves e Marcelo terão espaço para avançar e fazer duplas, pelas laterais, com Hulk, Oscar e Neymar.
O Brasil tem boas chances de vencer porque a Espanha está muito desgastada, pelo calor, pelo jogo na quinta-feira e pela prorrogação.
O Brasil tem usado bem a vantagem de atuar em casa, está com mais gana e se preparou para a competição, com muita seriedade, pela responsabilidade diante da torcida e porque quer recuperar o prestígio.
A Espanha possui também muitas chances de vencer porque é melhor, mais experiente, sofre poucos gols, tem ótimos zagueiros e goleiro, excepcionais armadores, um lateral, Jordi Alba, que avança muito bem.
A Espanha costuma comandar a partida, ficar com a bola, paralisar o adversário, até alguém penetrar para receber e fazer o gol. Felipão, para tentar equilibrar o meio-campo, tem a opção de escalar Hernanes, no lugar de Hulk ou de Oscar.
É um jogo muito esperado, uma decisão, mas não é final de Copa do Mundo nem motivo para comemorações nas ruas, no Brasil e na Espanha.
Se perder, a Espanha, pelo que joga e jogou durante os últimos anos, continuará superior ao Brasil. Não se mudam os conceitos por causa de um jogo. O Brasil, mesmo se for derrotado, já mostrou que, em casa, é forte candidato ao título mundial.
Em uma decisão, é impossível prever o comportamento emocional dos jogadores. A maioria fica mais tensa. A ansiedade, até certos limites, é benéfica. O corpo aumenta a produção de algumas substâncias químicas, e o jogador fica mais atento, esperto e com mais força física. É o doping fisiológico.
Se a ansiedade for muito intensa, o atleta fica mais agressivo, tem mais pressa de chegar ao gol, a bola bate na canela, além de perder a capacidade de antever o lance e de perceber, em uma fração de segundos, a movimentação dos companheiros e adversários. Quem joga em casa corre um pouco mais de risco de ficar mais tenso.
O Brasil tem boas chances de vencer porque possui ótimos zagueiros, especialmente Thiago Silva, e a Espanha não tem um grande atacante.
Os excepcionais armadores espanhóis não se destacam também pelas finalizações, além de entrarem pouco na área, com exceção de Fàbregas, que talvez não jogue. Dificilmente, o time espanhol fará mais de um gol.
O Brasil tem boas chances de vencer porque a Espanha marca mais à frente e, se o time brasileiro desarmar, com frequência, no meio-campo, os velozes Neymar, Oscar e Hulk terão mais espaços nos contra-ataques. A Itália fez isso bem, contra a Espanha, e criou várias chances de gols.
O Brasil tem boas chances de vencer porque a Espanha não tem meias, pelos lados, que protegem os laterais. Daniel Alves e Marcelo terão espaço para avançar e fazer duplas, pelas laterais, com Hulk, Oscar e Neymar.
O Brasil tem boas chances de vencer porque a Espanha está muito desgastada, pelo calor, pelo jogo na quinta-feira e pela prorrogação.
O Brasil tem usado bem a vantagem de atuar em casa, está com mais gana e se preparou para a competição, com muita seriedade, pela responsabilidade diante da torcida e porque quer recuperar o prestígio.
A Espanha possui também muitas chances de vencer porque é melhor, mais experiente, sofre poucos gols, tem ótimos zagueiros e goleiro, excepcionais armadores, um lateral, Jordi Alba, que avança muito bem.
A Espanha costuma comandar a partida, ficar com a bola, paralisar o adversário, até alguém penetrar para receber e fazer o gol. Felipão, para tentar equilibrar o meio-campo, tem a opção de escalar Hernanes, no lugar de Hulk ou de Oscar.
É um jogo muito esperado, uma decisão, mas não é final de Copa do Mundo nem motivo para comemorações nas ruas, no Brasil e na Espanha.
A voz das ruas e o passarinho - ADRIANA CALCANHOTTO
O GLOBO - 30/06
Os brasileiros estão nas ruas por motivos óbvios e acho bem estranho que o governo ache estranho
Embrenhada na mata amazônica, mais especificamente em Carajás, na turnê que homenageia Tom Jobim, com os queridos colegas Zélia Duncan, João Bosco, Roberta Sá e Zé Renato, estou quieta no meu quarto ouvindo o silêncio. Sabe-se que não há silêncio na mata, mesmo assim, prefiro mil vezes às campainhas de garagem de Ipanema, aos toques de celular metidos a engraçadinhos, às buzinas impacientes, à música no elevador, nas salas de espera, a tudo o que não deixa o silêncio em paz, por puro medo do silêncio, eu acho. Estamos hospedados em uma casa incrível e ouço à minha janela o jardineiro varrendo folhas secas sem pressa nenhuma. Daí a pouco ele passa a regar as plantas, batucando as gotas d'água nas folhas mais duras. Espio pela janela e vejo que ele usa fones de ouvido, alheio ao silêncio da mata e ao barulhinho bom que está produzindo. Parece acompanhar o que escuta com os movimentos da mangueira, empunhada com leveza e preguiça. Não muito ao longe o Sabiá Laranjeira, aquele que além de ter um canto belíssimo imita o canto de outros pássaros, e que os poetas adoram citar, gorjeia, entregando que é época de acasalamento. Ele atravessa o silêncio com suas melodias inventadas a partir do canto dos pássaros que repete, como qualquer compositor. Precisa perpetuar sua espécie e para isso canta, para atrair a metade que lhe falta para a empreitada. Canta, como os trovadores provençais, para aquela que no entanto pode não o querer. Canta como se não houvesse amanhã, transbordando de beleza meus pobres tímpanos, tão fatigados. Enquanto isso, na TV ligada, sem som, as cenas são impressionantemente lindas. O Brasil profundo, acordado, nas ruas, em manifestações pacíficas e apartidárias, coisa que não pensei que fosse viver para ver, muito menos o governo. Portanto não sei agora se participo, acompanhando ao vivo às manifestações, ou se ouço o sabiá, tipo um Antonio Brasileiro (urubu acho que não canta) traduzindo com seus trinados o mesmo Brasil profundo, no seio, no dentro da floresta amazônica. Posso gravar o sabiá para ouvir mais tarde, mas não seria a mesma coisa, o gravador registraria o canto mas não o agora do sabiá, que não sabe de mim ou da voz das ruas e seus tristes vândalos fim de festa. Ou mesmo de quantas árvores estão sendo dizimadas neste exato minuto a uns poucos quilômetros daqui, em gesto de autodestruição a que os humanos estão acostumados, e em que passarinho algum acreditaria. As imagens do povo encarapitado nos espaços curvilíneos do Niemeyer são muito comoventes, e fantasio que o arquiteto gostaria de assisti-las. Sei que vou rever à exaustão as imagens, em edições comportadinhas, com o mesmo texto lido por diversos locutores. Diferente de assistir ao vivo ao repórter cinematográfico ajustar o foco enquanto as pessoas clamam por um tratamento de cidadãos, que pagam impostos e não têm os serviços básicos, clamam por educação, por um sistema de saúde decente, por transparência nas contas públicas, por paz, por poesia, enojados da politiquinha que usa cargos como moeda, fisiológica, nepotista, cínica, corrupta, atrasada. Os brasileiros estão nas ruas por motivos óbvios e acho bem estranho que o governo ache estranho. Munidos de seus celulares os manifestantes são eles mesmos os repórteres de sua causa e deixam assim as coberturas tendenciosas comendo poeira, é tudo novo, vivo, ao vivo. O canto do sabiá prossegue em suas melodias de amor, harmonizado agora pelo canto de um sanhaço mais ao longe, um espetáculo. Penso no privilégio que é estar cantando nosso maestro soberano Brasil adentro justo no instante em que o Brasil acorda de sono pesado. O melhor compositor do mundo, como disse Frank Sinatra, sendo cantado a plenos pulmões por onde temos passado. Em teatros ou ao ar livre, o público canta todas as canções de cabo a rabo junto conosco. A galera que trabalha por trás do palco canta também o repertório do show, é lindo demais. Nunca fui muito boa em fazer escolhas, desde pequena achava chato ter de escolher, porque não posso ficar com todas as opções, é tão mais prático viver sem estar dividida. Então acontece isso, de eu estar com um olho na TV e os ouvidos no passarinho enquanto durar cada um dos eventos, que me aceleram o coração. Nas ruas não sei o que vai acontecer mas intuo que amanhã vai ser outro dia. Para a floresta amazônica posso sempre voltar, enquanto ela ainda existir, e assim prometo a mim mesma que vou voltar, sinto, sei que ainda vou voltar, para ouvir cantar minha sabiá, cantar minha sabiá.
Os brasileiros estão nas ruas por motivos óbvios e acho bem estranho que o governo ache estranho
Embrenhada na mata amazônica, mais especificamente em Carajás, na turnê que homenageia Tom Jobim, com os queridos colegas Zélia Duncan, João Bosco, Roberta Sá e Zé Renato, estou quieta no meu quarto ouvindo o silêncio. Sabe-se que não há silêncio na mata, mesmo assim, prefiro mil vezes às campainhas de garagem de Ipanema, aos toques de celular metidos a engraçadinhos, às buzinas impacientes, à música no elevador, nas salas de espera, a tudo o que não deixa o silêncio em paz, por puro medo do silêncio, eu acho. Estamos hospedados em uma casa incrível e ouço à minha janela o jardineiro varrendo folhas secas sem pressa nenhuma. Daí a pouco ele passa a regar as plantas, batucando as gotas d'água nas folhas mais duras. Espio pela janela e vejo que ele usa fones de ouvido, alheio ao silêncio da mata e ao barulhinho bom que está produzindo. Parece acompanhar o que escuta com os movimentos da mangueira, empunhada com leveza e preguiça. Não muito ao longe o Sabiá Laranjeira, aquele que além de ter um canto belíssimo imita o canto de outros pássaros, e que os poetas adoram citar, gorjeia, entregando que é época de acasalamento. Ele atravessa o silêncio com suas melodias inventadas a partir do canto dos pássaros que repete, como qualquer compositor. Precisa perpetuar sua espécie e para isso canta, para atrair a metade que lhe falta para a empreitada. Canta, como os trovadores provençais, para aquela que no entanto pode não o querer. Canta como se não houvesse amanhã, transbordando de beleza meus pobres tímpanos, tão fatigados. Enquanto isso, na TV ligada, sem som, as cenas são impressionantemente lindas. O Brasil profundo, acordado, nas ruas, em manifestações pacíficas e apartidárias, coisa que não pensei que fosse viver para ver, muito menos o governo. Portanto não sei agora se participo, acompanhando ao vivo às manifestações, ou se ouço o sabiá, tipo um Antonio Brasileiro (urubu acho que não canta) traduzindo com seus trinados o mesmo Brasil profundo, no seio, no dentro da floresta amazônica. Posso gravar o sabiá para ouvir mais tarde, mas não seria a mesma coisa, o gravador registraria o canto mas não o agora do sabiá, que não sabe de mim ou da voz das ruas e seus tristes vândalos fim de festa. Ou mesmo de quantas árvores estão sendo dizimadas neste exato minuto a uns poucos quilômetros daqui, em gesto de autodestruição a que os humanos estão acostumados, e em que passarinho algum acreditaria. As imagens do povo encarapitado nos espaços curvilíneos do Niemeyer são muito comoventes, e fantasio que o arquiteto gostaria de assisti-las. Sei que vou rever à exaustão as imagens, em edições comportadinhas, com o mesmo texto lido por diversos locutores. Diferente de assistir ao vivo ao repórter cinematográfico ajustar o foco enquanto as pessoas clamam por um tratamento de cidadãos, que pagam impostos e não têm os serviços básicos, clamam por educação, por um sistema de saúde decente, por transparência nas contas públicas, por paz, por poesia, enojados da politiquinha que usa cargos como moeda, fisiológica, nepotista, cínica, corrupta, atrasada. Os brasileiros estão nas ruas por motivos óbvios e acho bem estranho que o governo ache estranho. Munidos de seus celulares os manifestantes são eles mesmos os repórteres de sua causa e deixam assim as coberturas tendenciosas comendo poeira, é tudo novo, vivo, ao vivo. O canto do sabiá prossegue em suas melodias de amor, harmonizado agora pelo canto de um sanhaço mais ao longe, um espetáculo. Penso no privilégio que é estar cantando nosso maestro soberano Brasil adentro justo no instante em que o Brasil acorda de sono pesado. O melhor compositor do mundo, como disse Frank Sinatra, sendo cantado a plenos pulmões por onde temos passado. Em teatros ou ao ar livre, o público canta todas as canções de cabo a rabo junto conosco. A galera que trabalha por trás do palco canta também o repertório do show, é lindo demais. Nunca fui muito boa em fazer escolhas, desde pequena achava chato ter de escolher, porque não posso ficar com todas as opções, é tão mais prático viver sem estar dividida. Então acontece isso, de eu estar com um olho na TV e os ouvidos no passarinho enquanto durar cada um dos eventos, que me aceleram o coração. Nas ruas não sei o que vai acontecer mas intuo que amanhã vai ser outro dia. Para a floresta amazônica posso sempre voltar, enquanto ela ainda existir, e assim prometo a mim mesma que vou voltar, sinto, sei que ainda vou voltar, para ouvir cantar minha sabiá, cantar minha sabiá.
Futebol, efeito estufa e o jogo global - MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP - 30/06
Independentemente do resultado da partida, a Terra, nossa casa, continuará a se aquecer
HOJE É DIA da final da Copa das Confederações, imagino que a maioria absoluta dos brasileiros esteja grudada na TV. (Eu sou um deles, mesmo daqui dos EUA).
Interessante o contraste das culturas; por aqui, esse tipo de conexão nacional não existe em nenhum esporte. Não vejo os americanos unidos, torcendo pelo seu país em massa em um jogo, como ocorre no Brasil e em tantos outros países.
Isso é coisa do futebol e da Copa, um fenômeno único mesmo. Olimpíada é diferente, uma outra espécie de manifestação patriótica. Não é tanto um esporte, mas muitos juntos, e cada um vê o que gosta mais.
Isso faz do futebol uma coisa à parte, uma manifestação em massa quase que religiosa, algo que antropólogos culturais estudaram já em detalhe. Uma expressão de patriotismo, sem dúvida, mas muito mais do que isso. Aqui nos EUA, isso ocorre mais com as guerras do que com os esportes.
O que me faz pensar no próximo nível de adesão cultural em massa, quando não somos mais um país, mas uma espécie. Uma das assinaturas do novo milênio é a transcendência cultural por meio da globalização digital; todos têm, em princípio, uma voz, a informação que antes era difícil é acessível com alguns cliques; cursos dados por grandes professores, palestras sensacionais sobre ideias de vanguarda, vídeos políticos (como aqueles mostrando as manifestações no Brasil), filosóficos, esportivos...tudo ao alcance, basta só saber procurar conteúdo. E é esse o grande desafio da educação moderna: orientar as pessoas a buscar conteúdo de qualidade, coisas que nos ajudem a aprender, a crescer como indivíduos e mesmo como espécie.
Pois se uma coisa fica clara com essa globalização e com outra característica dos nossos tempos, o aquecimento global, é que qualquer ação local pode ter repercussão global. O moto "pense globalmente e haja localmente" diz tudo. Semana passada, o presidente Obama declarou a necessidade de os EUA mudarem sua política com relação à emissão de carbono: "Os cientistas estão convencidos na sua maioria absoluta de que o aquecimento global está sendo acelerado pelas atividades humanas; falo isso pelos meus filhos e as gerações futuras", declarou. Finalmente!
Não há mesmo dúvida de que estamos pondo uma espécie de cobertor em torno do planeta, que vai ficando cada vez mais sufocado. A conscientização conjunta de uma globalização pela internet e pelo clima deveria também despertar uma noção da necessidade de lutarmos como espécie para a preservação da nossa casa cósmica. Algo que a ciência moderna nos ensina é que a vida é rara e a vida complexa mais ainda; ademais, dadas as variações de planeta a planeta, e dado como a vida depende dessas variações, podemos afirmar que nós, humanos, somos únicos, futebol e tudo.
Se as variações culturais ainda são enormes, como no caso da devoção nacional ao futebol no Brasil e sua ausência nos EUA, estamos todos juntos neste mesmo planeta.
Independentemente do resultado do jogo, a Terra continuará sendo nossa casa e continuará a se aquecer. Torço para que o Brasil ganhe, claro, e para que nosso planeta vença também. Pois neste jogo ganhamos ou perdemos todos juntos.
Independentemente do resultado da partida, a Terra, nossa casa, continuará a se aquecer
HOJE É DIA da final da Copa das Confederações, imagino que a maioria absoluta dos brasileiros esteja grudada na TV. (Eu sou um deles, mesmo daqui dos EUA).
Interessante o contraste das culturas; por aqui, esse tipo de conexão nacional não existe em nenhum esporte. Não vejo os americanos unidos, torcendo pelo seu país em massa em um jogo, como ocorre no Brasil e em tantos outros países.
Isso é coisa do futebol e da Copa, um fenômeno único mesmo. Olimpíada é diferente, uma outra espécie de manifestação patriótica. Não é tanto um esporte, mas muitos juntos, e cada um vê o que gosta mais.
Isso faz do futebol uma coisa à parte, uma manifestação em massa quase que religiosa, algo que antropólogos culturais estudaram já em detalhe. Uma expressão de patriotismo, sem dúvida, mas muito mais do que isso. Aqui nos EUA, isso ocorre mais com as guerras do que com os esportes.
O que me faz pensar no próximo nível de adesão cultural em massa, quando não somos mais um país, mas uma espécie. Uma das assinaturas do novo milênio é a transcendência cultural por meio da globalização digital; todos têm, em princípio, uma voz, a informação que antes era difícil é acessível com alguns cliques; cursos dados por grandes professores, palestras sensacionais sobre ideias de vanguarda, vídeos políticos (como aqueles mostrando as manifestações no Brasil), filosóficos, esportivos...tudo ao alcance, basta só saber procurar conteúdo. E é esse o grande desafio da educação moderna: orientar as pessoas a buscar conteúdo de qualidade, coisas que nos ajudem a aprender, a crescer como indivíduos e mesmo como espécie.
Pois se uma coisa fica clara com essa globalização e com outra característica dos nossos tempos, o aquecimento global, é que qualquer ação local pode ter repercussão global. O moto "pense globalmente e haja localmente" diz tudo. Semana passada, o presidente Obama declarou a necessidade de os EUA mudarem sua política com relação à emissão de carbono: "Os cientistas estão convencidos na sua maioria absoluta de que o aquecimento global está sendo acelerado pelas atividades humanas; falo isso pelos meus filhos e as gerações futuras", declarou. Finalmente!
Não há mesmo dúvida de que estamos pondo uma espécie de cobertor em torno do planeta, que vai ficando cada vez mais sufocado. A conscientização conjunta de uma globalização pela internet e pelo clima deveria também despertar uma noção da necessidade de lutarmos como espécie para a preservação da nossa casa cósmica. Algo que a ciência moderna nos ensina é que a vida é rara e a vida complexa mais ainda; ademais, dadas as variações de planeta a planeta, e dado como a vida depende dessas variações, podemos afirmar que nós, humanos, somos únicos, futebol e tudo.
Se as variações culturais ainda são enormes, como no caso da devoção nacional ao futebol no Brasil e sua ausência nos EUA, estamos todos juntos neste mesmo planeta.
Independentemente do resultado do jogo, a Terra continuará sendo nossa casa e continuará a se aquecer. Torço para que o Brasil ganhe, claro, e para que nosso planeta vença também. Pois neste jogo ganhamos ou perdemos todos juntos.
Cuidado com Sebastião - JOÃO UBALDO RIBEIRO
O GLOBO - 30/06
Que dias temos vivido, hein? De monotonia é que não podemos fazer queixa. Continuo achando que ninguém sabe como surgiu e em que vai terminar a confusão das últimas semanas, mesmo depois que o Congresso foi tomado por uma operosidade nunca vista, apressando-se em aprovar medidas antes quase impossíveis. Apareceram palpites em grande variedade, mas nenhum me convenceu muito ainda. Recebo e-mails alarmistas e alarmados, leio artigos e reportagens, ouço comentaristas de televisão e assisto a vídeos na internet, e a profusão de diagnósticos e prognósticos chega a entontecer. Complica-se isto com a circunstância inquietante de que, se levarmos em conta todas as denúncias que não cessam de pipocar, seremos forçados a inferir que não se pode acreditar em nada, até naquilo que testemunhamos pessoalmente, pois o que vemos, ou até o de que participamos, pode não ser mais que a ação de inocentes úteis que não sabem o que fazem, ou uma farsa para ocultar interesses escusos de grupos e organizações daninhas, ou o que lá se queira pensar.
Na mídia, claro, não se pode confiar. Jornais, rádios e televisões são mantidos no cabresto do governo, que lhes fornece anúncios e comerciais bilionários, além de abrir facilidades fiscais e fechar os olhos a graves irregularidades. Paradoxalmente, a mídia, no ver do mesmo governo e seus correligionários, é golpista e a voz das elites conservadoras, que tudo fazem para derrubar um governo de raízes populares, devendo por isso mesmo ser submetida a “controle social”. Voltando ao outro lado, a mídia está toda aparelhada por militantes a serviço do governo, em todas as redações, são eles os que realmente mandam, só se publica ou vai ao ar o que o governo quer. Trocando de lado outra vez, os colunistas e comentaristas têm todos o rabo preso, um porque é funcionário fantasma do gabinete de um político, outro porque é um carreirista puxa-saco dos patrões e ganancioso, outro porque é um conhecido fascista — ou comunista, conforme — e por aí vai, parece uma gangorra.
É uma situação terrível, porque, por mais que não se queira, a mídia sempre nos alcança. Mesmo que não atentemos em qualquer noticiário ou comentário, o vizinho, o colega de trabalho e o pessoal do boteco não fazem o mesmo e terminamos vítimas indiretas da má informação. Claro, se não podemos acreditar na mídia, também não podemos acreditar no vizinho, porque ele, como os amigos do boteco, tiram da mídia suas informações e, não raro, até suas opiniões. Não podemos acreditar cegamente nem em nós mesmos, porque é muito difícil, ou impossível, fugir da influência do que circula na mídia e não há como avaliar o que, em nossa maneira de pensar sobre fatos como as manifestações de rua, não terá tido origem na mídia.
A tanta razão para desconfiança e dúvida some-se o atabalhoamento em que ficaram os governantes. Em algumas ocasiões, lembrava uma sátira ou uma comédia de pastelão. Também confrange os súditos serem informados de que, na hora do aperto, a presidenta amarelou e procurou o ex-presidente e atual presidento, para saber o que fazer, como umaadolescenta em busca do apoio paterno. Além de tudo o que essa dependência patética representa, o sujeito fica, pelo menos no meu caso, um pouco envergonhado com essas coisas, aquele tipo de vergonha que a gente sente pelos outros. Em seguida, ela apareceu para se pronunciar, virando a cabeça para lá e para cá enquanto falava, como quem lê o teleprompter com certa dificuldade. Ou será que ela não sabia bem o que significavam as palavras que repetiu em voz alta? Talvez não soubesse mesmo, naquelas horas nervosas, porque, no dia seguinte, como todos viram, ela disse que não disse o que todo mundo pensou que ela dissera — e eis aí mais um exemplo de como a verdade tem andado cada vez mais fugidia.
Mas, se as ilações, hipóteses e explicações agora circulando ainda não conseguem ser inteiramente convincentes e ainda paira no ar alguma iminência de monta, por enquanto não notada, o fato é que a ruidosa e universal rejeição a políticos e partidos que vem marcando as manifestações acendeu uma luzinha vermelha na mente dos governantes, tanto assim que eles vêm procurando atender às demandas com uma presteza que nos deixa de queixo caído. Também eles não sabem em que tudo isso vai terminar e, pelo sim, pelo não, tratam de corrigir como podem aquilo que não só o povo aponta, mas eles há muito sabem que está errado.
Aguilhoados pelos verdadeiros donos da soberania, os governantes mudaram sua postura habitualmente arrogante, indiferente ou cínica e baixaram a cabeça, diante da rebelião dos governados. As instituições também vêm funcionando e cumprindo seu papel. Ou seja, não é necessário nenhum radicalismo, basta que passemos a abandonar os costumes e práticas que têm caracterizado nossa vida política e contra os quais deveremos estar em permanente vigilância e possível mobilização. É primarismo advogar que sejamos governados “diretamente” pelo povo, através de decisões coletivas tomadas através de internet, porque isso só iria redundar nas decisões apressadas, emocionais e inconsequentes que as multidões, mesmo as eletrônicas, costumam tomar — e uma situação assim redunda em anarquia. Tampouco podemos ceder ao impulso, talvez atávico, de esperar a volta do rei Sebastião, que nos libertará, com virtude, carisma e amor ao povo, de todas as nossas aflições. Creio que já há aspirantes a esse posto, mas onde estava Sebastião, quando começaram as manifestações e as mudanças já obtidas? Estava malocado, esperando a hora de dar o bote e abocanhar o que não foi feito por nenhum Sebastião, mas pelo povo. Não se pode garantir que o povo não seja outra vez engabelado, mas venham com outra conversa, que o velho papo já não cola.
Que dias temos vivido, hein? De monotonia é que não podemos fazer queixa. Continuo achando que ninguém sabe como surgiu e em que vai terminar a confusão das últimas semanas, mesmo depois que o Congresso foi tomado por uma operosidade nunca vista, apressando-se em aprovar medidas antes quase impossíveis. Apareceram palpites em grande variedade, mas nenhum me convenceu muito ainda. Recebo e-mails alarmistas e alarmados, leio artigos e reportagens, ouço comentaristas de televisão e assisto a vídeos na internet, e a profusão de diagnósticos e prognósticos chega a entontecer. Complica-se isto com a circunstância inquietante de que, se levarmos em conta todas as denúncias que não cessam de pipocar, seremos forçados a inferir que não se pode acreditar em nada, até naquilo que testemunhamos pessoalmente, pois o que vemos, ou até o de que participamos, pode não ser mais que a ação de inocentes úteis que não sabem o que fazem, ou uma farsa para ocultar interesses escusos de grupos e organizações daninhas, ou o que lá se queira pensar.
Na mídia, claro, não se pode confiar. Jornais, rádios e televisões são mantidos no cabresto do governo, que lhes fornece anúncios e comerciais bilionários, além de abrir facilidades fiscais e fechar os olhos a graves irregularidades. Paradoxalmente, a mídia, no ver do mesmo governo e seus correligionários, é golpista e a voz das elites conservadoras, que tudo fazem para derrubar um governo de raízes populares, devendo por isso mesmo ser submetida a “controle social”. Voltando ao outro lado, a mídia está toda aparelhada por militantes a serviço do governo, em todas as redações, são eles os que realmente mandam, só se publica ou vai ao ar o que o governo quer. Trocando de lado outra vez, os colunistas e comentaristas têm todos o rabo preso, um porque é funcionário fantasma do gabinete de um político, outro porque é um carreirista puxa-saco dos patrões e ganancioso, outro porque é um conhecido fascista — ou comunista, conforme — e por aí vai, parece uma gangorra.
É uma situação terrível, porque, por mais que não se queira, a mídia sempre nos alcança. Mesmo que não atentemos em qualquer noticiário ou comentário, o vizinho, o colega de trabalho e o pessoal do boteco não fazem o mesmo e terminamos vítimas indiretas da má informação. Claro, se não podemos acreditar na mídia, também não podemos acreditar no vizinho, porque ele, como os amigos do boteco, tiram da mídia suas informações e, não raro, até suas opiniões. Não podemos acreditar cegamente nem em nós mesmos, porque é muito difícil, ou impossível, fugir da influência do que circula na mídia e não há como avaliar o que, em nossa maneira de pensar sobre fatos como as manifestações de rua, não terá tido origem na mídia.
A tanta razão para desconfiança e dúvida some-se o atabalhoamento em que ficaram os governantes. Em algumas ocasiões, lembrava uma sátira ou uma comédia de pastelão. Também confrange os súditos serem informados de que, na hora do aperto, a presidenta amarelou e procurou o ex-presidente e atual presidento, para saber o que fazer, como umaadolescenta em busca do apoio paterno. Além de tudo o que essa dependência patética representa, o sujeito fica, pelo menos no meu caso, um pouco envergonhado com essas coisas, aquele tipo de vergonha que a gente sente pelos outros. Em seguida, ela apareceu para se pronunciar, virando a cabeça para lá e para cá enquanto falava, como quem lê o teleprompter com certa dificuldade. Ou será que ela não sabia bem o que significavam as palavras que repetiu em voz alta? Talvez não soubesse mesmo, naquelas horas nervosas, porque, no dia seguinte, como todos viram, ela disse que não disse o que todo mundo pensou que ela dissera — e eis aí mais um exemplo de como a verdade tem andado cada vez mais fugidia.
Mas, se as ilações, hipóteses e explicações agora circulando ainda não conseguem ser inteiramente convincentes e ainda paira no ar alguma iminência de monta, por enquanto não notada, o fato é que a ruidosa e universal rejeição a políticos e partidos que vem marcando as manifestações acendeu uma luzinha vermelha na mente dos governantes, tanto assim que eles vêm procurando atender às demandas com uma presteza que nos deixa de queixo caído. Também eles não sabem em que tudo isso vai terminar e, pelo sim, pelo não, tratam de corrigir como podem aquilo que não só o povo aponta, mas eles há muito sabem que está errado.
Aguilhoados pelos verdadeiros donos da soberania, os governantes mudaram sua postura habitualmente arrogante, indiferente ou cínica e baixaram a cabeça, diante da rebelião dos governados. As instituições também vêm funcionando e cumprindo seu papel. Ou seja, não é necessário nenhum radicalismo, basta que passemos a abandonar os costumes e práticas que têm caracterizado nossa vida política e contra os quais deveremos estar em permanente vigilância e possível mobilização. É primarismo advogar que sejamos governados “diretamente” pelo povo, através de decisões coletivas tomadas através de internet, porque isso só iria redundar nas decisões apressadas, emocionais e inconsequentes que as multidões, mesmo as eletrônicas, costumam tomar — e uma situação assim redunda em anarquia. Tampouco podemos ceder ao impulso, talvez atávico, de esperar a volta do rei Sebastião, que nos libertará, com virtude, carisma e amor ao povo, de todas as nossas aflições. Creio que já há aspirantes a esse posto, mas onde estava Sebastião, quando começaram as manifestações e as mudanças já obtidas? Estava malocado, esperando a hora de dar o bote e abocanhar o que não foi feito por nenhum Sebastião, mas pelo povo. Não se pode garantir que o povo não seja outra vez engabelado, mas venham com outra conversa, que o velho papo já não cola.
Alternativa - LUIS FERNANDO VERISSIMO
O GLOBO - 30/06
Ao contrário da morte, de uma ditadura se volta, preferencialmente com uma lição aprendida. Para mudar isso aí, prefira a vida — e o voto
Envelhecer é chato, mas consolemo-nos: a alternativa é pior. Ninguém que eu conheça morreu e voltou para contar como é estar morto, mas o consenso geral é que existir é muito melhor do que não existir. Há dúvidas, claro. Muitos acreditam que com a morte se vai desta vida para outra melhor, inclusive mais barata, além de eterna. Só descobriremos quando chegarmos lá. Enquanto isto vamos envelhecendo com a dignidade possível, sem nenhuma vontade de experimentar a alternativa.
Mas há casos em que a alternativa para as coisas como estão é conhecida. Já passamos pela alternativa e sabemos muito bem como ela é. Por exemplo: a alternativa de um país sem políticos, ou com políticos cerceados por um poder mais alto e armado. Tivemos vinte anos desta alternativa e quem tem saudade dela precisa ser constantemente lembrado de como foi. Não havia corrupção? Havia, sim, não havia era investigação para valer. Havia prepotência, havia censura à imprensa, havia a Presidência passando de general para general sem consulta popular, repressão criminosa à divergência, uma política econômica subserviente e um “milagre” econômico enganador. Quem viveu naquele tempo lembra que as ordens do dia nos quartéis eram lidas e divulgadas como éditos papais para orientar os fiéis sobre o “pensamento militar”, que decidia nossas vidas.,
Ao contrario da morte, de uma ditadura se volta, preferencialmente com uma lição aprendida. E, se para garantir que a alternativa não se repita, é preciso cuidar para não desmoralizar demais a política e os políticos, que seja. Melhor uma democracia imperfeita do que uma ordem falsa, mas incontestável. Da próxima vez que desesperar dos nossos políticos, portanto, e que alguma notícia de Brasília lhe enojar, ou você concluir que o país estaria melhor sem esses dirigentes e representantes que só representam seus interesses, e seus bolsos, respire fundo e pense na alternativa.
Sequer pensar que a alternativa seria preferível — como tem gente pensando — equivale a um suicídio cívico. Para mudar isso aí, prefira a vida — e o voto.
Ao contrário da morte, de uma ditadura se volta, preferencialmente com uma lição aprendida. Para mudar isso aí, prefira a vida — e o voto
Envelhecer é chato, mas consolemo-nos: a alternativa é pior. Ninguém que eu conheça morreu e voltou para contar como é estar morto, mas o consenso geral é que existir é muito melhor do que não existir. Há dúvidas, claro. Muitos acreditam que com a morte se vai desta vida para outra melhor, inclusive mais barata, além de eterna. Só descobriremos quando chegarmos lá. Enquanto isto vamos envelhecendo com a dignidade possível, sem nenhuma vontade de experimentar a alternativa.
Mas há casos em que a alternativa para as coisas como estão é conhecida. Já passamos pela alternativa e sabemos muito bem como ela é. Por exemplo: a alternativa de um país sem políticos, ou com políticos cerceados por um poder mais alto e armado. Tivemos vinte anos desta alternativa e quem tem saudade dela precisa ser constantemente lembrado de como foi. Não havia corrupção? Havia, sim, não havia era investigação para valer. Havia prepotência, havia censura à imprensa, havia a Presidência passando de general para general sem consulta popular, repressão criminosa à divergência, uma política econômica subserviente e um “milagre” econômico enganador. Quem viveu naquele tempo lembra que as ordens do dia nos quartéis eram lidas e divulgadas como éditos papais para orientar os fiéis sobre o “pensamento militar”, que decidia nossas vidas.,
Ao contrario da morte, de uma ditadura se volta, preferencialmente com uma lição aprendida. E, se para garantir que a alternativa não se repita, é preciso cuidar para não desmoralizar demais a política e os políticos, que seja. Melhor uma democracia imperfeita do que uma ordem falsa, mas incontestável. Da próxima vez que desesperar dos nossos políticos, portanto, e que alguma notícia de Brasília lhe enojar, ou você concluir que o país estaria melhor sem esses dirigentes e representantes que só representam seus interesses, e seus bolsos, respire fundo e pense na alternativa.
Sequer pensar que a alternativa seria preferível — como tem gente pensando — equivale a um suicídio cívico. Para mudar isso aí, prefira a vida — e o voto.
Congresso! Trabalhos Forçados! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 30/06
E o PGN, o meu Partido da Genitália Nacional, já lançou a sua PEC: PEC 69! PEC NA MINHA E BALANÇA!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E o PGN, o meu Partido da Genitália Nacional, já lançou a sua PEC: PEC 69! PEC NA MINHA E BALANÇA! Rarará!
E o Congresso trabalhando? Trabalhos Forçados! O Congresso tá parecendo viúva tirando atraso de dez anos!
E o Renan Escandalheiros quer passe livre para estudantes. E eu quero passe livre pra ele sumir! Passe Livre pro Renan Sumir! Ele já virou tanta casaca que o casaco dele deve ter 20 avessos! Rarará!
E esta piada pronta de Floripa: "Com dois atos simultâneos, manifestantes sem partidos erram de protesto". Tá virando pastelão!
E esta: "Líder do PSDB, Sérgio Guerra se engana e vota a favor da PEC 37". ANTAlógica. O Tiririca votou direitinho!
E sofremos duas baixas internacionais! "Brad Pitt cancela sua vinda ao Rio por causa dos protestos." Bundão! Chama o Chuck Norris e o Arnold Schwarzenegger que eles topam. Dorme com a Angelina Jolie e tem medo de protestos?
"Por causa dos protestos, Superman cancela vinda ao Brasil". Bundão! Chama o Chapolin Colorado! E o Superman vinha pra divulgar o filme "O Homem de Aço". O Homem de Aço tem medo de bala de borracha! Rarará!
E a Dilma, pro próximo discurso, vai fazer um botoshop: botox com photoshop! O Laquê Acordou!
E eu fui a três manifestações. E o melhor cartaz: "Se a bomba é de efeito moral, joga no Congresso".
E o plebiscito? Proponho fazer um plebiscito para saber se a gente quer um plebiscito. Um PRÉbliscito! O cúmulo da democracia. E claro que gostei da IDEIA do plebiscito. Quando os políticos entram em pânico, a ideia é boa!
E os cartazes "Fora Feliciano"! "Feliciano, não nos esquecemos de você! É que estamos limpando uma merda por vez." "Feliciano, isso é orgulho ferido de um fiofó não comido." "Feliciano, me dê um atestado, hoje acordei sapata." Rarará!
E um gay: "Tá bom, quero me curar; aí vou ao médico e ele me receita o quê? Comer duas pererecas por dia?".
"Não me curem, não tenho roupa pra ser hétero". Vai pra Colombo e pra Vila Romana!
E não se muda o Brasil com rancor, mas com humor!
Nóis sofre, mas nóis goza.
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
E o PGN, o meu Partido da Genitália Nacional, já lançou a sua PEC: PEC 69! PEC NA MINHA E BALANÇA!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E o PGN, o meu Partido da Genitália Nacional, já lançou a sua PEC: PEC 69! PEC NA MINHA E BALANÇA! Rarará!
E o Congresso trabalhando? Trabalhos Forçados! O Congresso tá parecendo viúva tirando atraso de dez anos!
E o Renan Escandalheiros quer passe livre para estudantes. E eu quero passe livre pra ele sumir! Passe Livre pro Renan Sumir! Ele já virou tanta casaca que o casaco dele deve ter 20 avessos! Rarará!
E esta piada pronta de Floripa: "Com dois atos simultâneos, manifestantes sem partidos erram de protesto". Tá virando pastelão!
E esta: "Líder do PSDB, Sérgio Guerra se engana e vota a favor da PEC 37". ANTAlógica. O Tiririca votou direitinho!
E sofremos duas baixas internacionais! "Brad Pitt cancela sua vinda ao Rio por causa dos protestos." Bundão! Chama o Chuck Norris e o Arnold Schwarzenegger que eles topam. Dorme com a Angelina Jolie e tem medo de protestos?
"Por causa dos protestos, Superman cancela vinda ao Brasil". Bundão! Chama o Chapolin Colorado! E o Superman vinha pra divulgar o filme "O Homem de Aço". O Homem de Aço tem medo de bala de borracha! Rarará!
E a Dilma, pro próximo discurso, vai fazer um botoshop: botox com photoshop! O Laquê Acordou!
E eu fui a três manifestações. E o melhor cartaz: "Se a bomba é de efeito moral, joga no Congresso".
E o plebiscito? Proponho fazer um plebiscito para saber se a gente quer um plebiscito. Um PRÉbliscito! O cúmulo da democracia. E claro que gostei da IDEIA do plebiscito. Quando os políticos entram em pânico, a ideia é boa!
E os cartazes "Fora Feliciano"! "Feliciano, não nos esquecemos de você! É que estamos limpando uma merda por vez." "Feliciano, isso é orgulho ferido de um fiofó não comido." "Feliciano, me dê um atestado, hoje acordei sapata." Rarará!
E um gay: "Tá bom, quero me curar; aí vou ao médico e ele me receita o quê? Comer duas pererecas por dia?".
"Não me curem, não tenho roupa pra ser hétero". Vai pra Colombo e pra Vila Romana!
E não se muda o Brasil com rancor, mas com humor!
Nóis sofre, mas nóis goza.
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Gattopardo brasileiro - BELMIRO VALVERDE JOBIM CASTOR
GAZETA DO POVO - PR
No clássico romance Il Gattopardo (O Leopardo), Lampedusa descreve a visita de Tancredi, um jovem aristocrata, a seu tio, Don Fabrizio, o Príncipe da Casa Salina durante o confronto que levou à unificação da Itália e que colocou frente a frente a velha nobreza e os que queriam substituí-la. Quando Tancredi lhe revela que ele próprio já estava integrado ao movimento revoltoso e que iria, em breve, encontrar-se com Garibaldi, Don Fabrizio fica alarmado com a insensatez do sobrinho, mas este pondera sabiamente: “Se quisermos que as coisas continuem como estão, tudo tem de mudar!”
A presidente Dilma Rousseff e os seus aliados petistas, peemedebistas, oportunistas e outros “istas” estão tentando rescrever a fala de Tancredi adaptando-a ao Brasil de hoje: “Se quisermos que as coisas permaneçam como estão, é necessário fingir que tudo está mudando!” Pois só isso explica a enorme desfaçatez que está sendo encenada sob nossas vistas para parecer que o rugido das ruas foi ouvido e entendido pelos governantes e seus aliados.
Às pressas, depois de um aturdimento completo nos primeiros dias das manifestações, as “mudanças” começam em ritmo frenético: reajustes contratuais são adiados para parecer que a população foi ouvida, quando se sabe que – pela própria natureza contratual desses aumentos – mais hora ou menos hora eles serão pagos até o último centavo; um Congresso desmoralizado e desfibrado, intimidado pelas manifestações, vota em horas o que não havia votado em anos para parecer que finalmente a mensagem dos representados chegou aos representantes políticos; alguns absurdos legalistas são abortados, como a situação insólita de condenado à prisão que durante quatro anos exercia tranquilamente o mandato de deputado federal sem ser importunado.
Mas o fundamental continua o mesmo. A presidente, que nunca foi dada a articulações políticas, transformou-se subitamente na grande negociadora, chamando para o diálogo os políticos, os outros governantes, os movimentos sociais... Mas trata-se de diálogo curioso em que ela alardeia pactos sem tê-los discutido antes com os outros envolvidos, especialmente os que se opõem a ela e às políticas de seu partido; escorrega e anuncia uma Assembleia Constituinte para, em seguida, voltar atrás quando seus conselheiros (aliás, quem são eles e onde se escondem neste momento?) alertaram para o risco que o PT e seus aliados estariam correndo se realmente a população fosse chamada a modernizar nosso quadro institucional livremente, e não apenas seguir o script longamente acalentado por eles e que já foi repudiado no passado, como essa ridícula reforma eleitoral, com a introdução do voto de lista e do financiamento público das campanhas.
Em suas “articulações”, preferiu esquecer tudo aquilo que realmente levou milhões de pessoas às ruas: a desmoralização da base aliada, composta pelo que há de mais anacrônico e vicioso na política brasileira; a esbórnia de gastos públicos; os 39 ministérios; a escalada dos cargos comissionados para abrigar os companheiros e aliados; e o desarranjo da política econômica, que não consegue promover o crescimento e ainda traz de volta o fantasma da inflação; a inacreditável transformação do BNDES em uma cornucópia de recursos públicos para apoiar empresários “amigos da casa” a ampliar seus negócios absorvendo os concorrentes; a solução para a crise da “mobilidade urbana” que pariu o rato habitual de mais um conselho federal, e de vários estaduais e municipais “com a participação dos cidadãos”; e a tragédia da educação e da saúde pública, transformada em mero pretexto para abrir a medicina brasileira a profissionais cuja qualificação não foi certificada e à destinação, no futuro remoto, de mais recursos para a educação.
E, assim, nossa Tancredi brasileira e seus aliados pretendem que a população se convença de que algo está mudando, quando está ficando exatamente no mesmo.
No clássico romance Il Gattopardo (O Leopardo), Lampedusa descreve a visita de Tancredi, um jovem aristocrata, a seu tio, Don Fabrizio, o Príncipe da Casa Salina durante o confronto que levou à unificação da Itália e que colocou frente a frente a velha nobreza e os que queriam substituí-la. Quando Tancredi lhe revela que ele próprio já estava integrado ao movimento revoltoso e que iria, em breve, encontrar-se com Garibaldi, Don Fabrizio fica alarmado com a insensatez do sobrinho, mas este pondera sabiamente: “Se quisermos que as coisas continuem como estão, tudo tem de mudar!”
A presidente Dilma Rousseff e os seus aliados petistas, peemedebistas, oportunistas e outros “istas” estão tentando rescrever a fala de Tancredi adaptando-a ao Brasil de hoje: “Se quisermos que as coisas permaneçam como estão, é necessário fingir que tudo está mudando!” Pois só isso explica a enorme desfaçatez que está sendo encenada sob nossas vistas para parecer que o rugido das ruas foi ouvido e entendido pelos governantes e seus aliados.
Às pressas, depois de um aturdimento completo nos primeiros dias das manifestações, as “mudanças” começam em ritmo frenético: reajustes contratuais são adiados para parecer que a população foi ouvida, quando se sabe que – pela própria natureza contratual desses aumentos – mais hora ou menos hora eles serão pagos até o último centavo; um Congresso desmoralizado e desfibrado, intimidado pelas manifestações, vota em horas o que não havia votado em anos para parecer que finalmente a mensagem dos representados chegou aos representantes políticos; alguns absurdos legalistas são abortados, como a situação insólita de condenado à prisão que durante quatro anos exercia tranquilamente o mandato de deputado federal sem ser importunado.
Mas o fundamental continua o mesmo. A presidente, que nunca foi dada a articulações políticas, transformou-se subitamente na grande negociadora, chamando para o diálogo os políticos, os outros governantes, os movimentos sociais... Mas trata-se de diálogo curioso em que ela alardeia pactos sem tê-los discutido antes com os outros envolvidos, especialmente os que se opõem a ela e às políticas de seu partido; escorrega e anuncia uma Assembleia Constituinte para, em seguida, voltar atrás quando seus conselheiros (aliás, quem são eles e onde se escondem neste momento?) alertaram para o risco que o PT e seus aliados estariam correndo se realmente a população fosse chamada a modernizar nosso quadro institucional livremente, e não apenas seguir o script longamente acalentado por eles e que já foi repudiado no passado, como essa ridícula reforma eleitoral, com a introdução do voto de lista e do financiamento público das campanhas.
Em suas “articulações”, preferiu esquecer tudo aquilo que realmente levou milhões de pessoas às ruas: a desmoralização da base aliada, composta pelo que há de mais anacrônico e vicioso na política brasileira; a esbórnia de gastos públicos; os 39 ministérios; a escalada dos cargos comissionados para abrigar os companheiros e aliados; e o desarranjo da política econômica, que não consegue promover o crescimento e ainda traz de volta o fantasma da inflação; a inacreditável transformação do BNDES em uma cornucópia de recursos públicos para apoiar empresários “amigos da casa” a ampliar seus negócios absorvendo os concorrentes; a solução para a crise da “mobilidade urbana” que pariu o rato habitual de mais um conselho federal, e de vários estaduais e municipais “com a participação dos cidadãos”; e a tragédia da educação e da saúde pública, transformada em mero pretexto para abrir a medicina brasileira a profissionais cuja qualificação não foi certificada e à destinação, no futuro remoto, de mais recursos para a educação.
E, assim, nossa Tancredi brasileira e seus aliados pretendem que a população se convença de que algo está mudando, quando está ficando exatamente no mesmo.
Escolhidos e excluídos - TEREZA CRUVINEL
CORREIO BRAZILIENSE - 30/06
Com o legado do lulismo em risco, petistas dizem que o maior erro de Dilma foi a desatenção para com sua própria base social e política
"Quem joga os amigos ao mar não contará com eles na tempestade." Essa frase foi dita à presidente Dilma Rousseff, no início de seu governo, em conversa sobre o tratamento que vinha sendo dado a aliados e remanescentes do governo Lula. Mais que os amigos, dizem os petistas no calor da crise, Dilma foi desatenciosa para com a base social e política do próprio lulismo, que garantiu sua eleição. E a tempestade chegou. Na semana passada, ela dedicou-se a uma maratona de encontros com movimentos sociais - Passe Livre, centrais sindicais e LGBT - e com políticos aliados: presidentes de partidos e líderes que integram o Conselho Político do governo, que ela jamais convocou antes. Agora, quer ouvir a oposição, com a qual nunca houve diálogo, ainda que formal. Pessoas do governo procuraram outros segmentos abandonados, mas, na avaliação de petistas, isso não bastará para quebrar o isolamento, criado pelos protestos mas também por erros políticos e de comunicação, antigos e novos.
Iniciada a tempestade das ruas, o mal-estar já era grande. A bancada do PT engolira suas mágoas enquanto as bancadas dos partidos aliados respondiam ao desprestígio com guerrilhas nas votações deste ano. Na segunda-feira, os governadores e prefeitos chamados ao Planalto sentiram figurantes na reunião sobre um pacto que não foi discutido nem negociado previamente. A proposta de constituinte exclusiva, ao ser apresentada sem consulta prévia, irritou o Congresso e vitaminou a oposição. Sequer o vice Michel Temer, constitucionalista, fora informado. Os meninos do Passe Livre saíram praguejando contra a falta de objetividade. As centrais sindicais ficaram amuadas porque não se tratou da agenda delas, que inclui o fim do fator previdenciário e a redução da jornada. Na era Dilma, o latifúndio foi favorecido em relação aos índios e ambientalistas, e segmentos conservadores, como os evangélicos fundamentalistas, fortalecidos diante dos movimentos libertários.
Cobrou-se o silêncio de Lula, mas ele não esteve calado. O que evitou foi declarações pela imprensa. Conversou com líderes de movimentos sociais, os de sua base, e os estimulou a irem às ruas. "Se querem luta de massas, vamos fazer luta de massas", teria dito antes de embarcar para a África. As centrais, todas elas, marcaram um ato conjunto para o dia 11, que pode ter o formato de protesto ou de greve geral. Isso ainda estão definindo mas será um ato unitário e diferenciado dos protestos "difusos", do qual se aproveitam tantos grupos obscuros, inclusive uma extrema-direita renascida. O ato das centrais terá articulação, líderes e propostas. A UNE e UBES já mostraram a cara.
Julho, tudo indica, continuará movimentado. O Congresso terminou a semana entregando, com a eficiência ditada pelas ruas, uma boa cesta de votações, como a derrubada da PEC 37 e a nova criminalização da corrupção. Mas, tendo no colo a proposta de um plebiscito sobre a reforma política, que terá de viabilizar, embora a preferência nítida seja pelo referendo. Quando, no futuro, os historiadores escreverem sobre o levante junino, qualquer que seja o nome que lhe deem, alinharão muito mais que estes elementos para explicar como ocorreu tão brusca e veloz alteração na conjuntura que ameaça o legado do lulismo e do PT, na economia e no social.
Na verdade, a dilapidação foi lenta e contínua, e teve como corrosivo o descaso com a política e com a base social, sem falar na classe média.
Aulas no plebiscito
Se o plebiscito vingar mesmo, terá uma campanha curta em agosto. Os partidos - por mais que os manifestantes não queiram, eles são os atores da representação democrática - formarão frentes parlamentares para defender diferentes preferências. O tempo de tevê será igual para todos. O senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) já defende, entretanto, que boa parte dele seja reservada ao TSE, para a veiculação de explicações didáticas sobre temas com o voto distrital e voto proporcional; lista aberta ou lista fechada; financiamento público ou privado de campanhas. A reforma política tem que ir além, mas outros pontos não devem entrar. Caberá ao Congresso entender o recado das ruas e aprovar as mudanças complementares.
Junto e misturado
Só não viu quem não quis que nestes protestos havia mais que indignação política. As forças de segurança já sabem que no Rio, por exemplo, atuaram mercenários do tráfico, em revanche contra as UPPs que minaram seus negócios. Os donos de vans, do transporte pirata suprimido pelo prefeito Eduardo Paes, mandaram seus vândalos quebrar os ônibus. Outras forças ocultas estão sendo identificadas.
Milagre das ruas
Os ventos fortes, soprando para a direita, conseguiram reunir a velha frente de esquerda - PT, PCdoB, PDT e PSB, que já se havia distanciado - num fórum de defesa do plebiscito. E fizeram sumir das falas do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, o sotaque de candidato. Para pensar em eleição, agora só depois que o tempo serenar. Em poucas semanas, o capital de Dilma caiu tanto quanto as ações da Bovespa. O Planalto já tem suas pesquisas, mas esconde os números. Lula, em 2005, no auge do mensalão, estava a esta mesma distancia temporal da reeleição. Sangrou no segundo semestre e começou a se recuperar em janeiro de 2006, reelegendo-se em outubro. Quem fez a diferença foi a economia.
"Quem joga os amigos ao mar não contará com eles na tempestade." Essa frase foi dita à presidente Dilma Rousseff, no início de seu governo, em conversa sobre o tratamento que vinha sendo dado a aliados e remanescentes do governo Lula. Mais que os amigos, dizem os petistas no calor da crise, Dilma foi desatenciosa para com a base social e política do próprio lulismo, que garantiu sua eleição. E a tempestade chegou. Na semana passada, ela dedicou-se a uma maratona de encontros com movimentos sociais - Passe Livre, centrais sindicais e LGBT - e com políticos aliados: presidentes de partidos e líderes que integram o Conselho Político do governo, que ela jamais convocou antes. Agora, quer ouvir a oposição, com a qual nunca houve diálogo, ainda que formal. Pessoas do governo procuraram outros segmentos abandonados, mas, na avaliação de petistas, isso não bastará para quebrar o isolamento, criado pelos protestos mas também por erros políticos e de comunicação, antigos e novos.
Iniciada a tempestade das ruas, o mal-estar já era grande. A bancada do PT engolira suas mágoas enquanto as bancadas dos partidos aliados respondiam ao desprestígio com guerrilhas nas votações deste ano. Na segunda-feira, os governadores e prefeitos chamados ao Planalto sentiram figurantes na reunião sobre um pacto que não foi discutido nem negociado previamente. A proposta de constituinte exclusiva, ao ser apresentada sem consulta prévia, irritou o Congresso e vitaminou a oposição. Sequer o vice Michel Temer, constitucionalista, fora informado. Os meninos do Passe Livre saíram praguejando contra a falta de objetividade. As centrais sindicais ficaram amuadas porque não se tratou da agenda delas, que inclui o fim do fator previdenciário e a redução da jornada. Na era Dilma, o latifúndio foi favorecido em relação aos índios e ambientalistas, e segmentos conservadores, como os evangélicos fundamentalistas, fortalecidos diante dos movimentos libertários.
Cobrou-se o silêncio de Lula, mas ele não esteve calado. O que evitou foi declarações pela imprensa. Conversou com líderes de movimentos sociais, os de sua base, e os estimulou a irem às ruas. "Se querem luta de massas, vamos fazer luta de massas", teria dito antes de embarcar para a África. As centrais, todas elas, marcaram um ato conjunto para o dia 11, que pode ter o formato de protesto ou de greve geral. Isso ainda estão definindo mas será um ato unitário e diferenciado dos protestos "difusos", do qual se aproveitam tantos grupos obscuros, inclusive uma extrema-direita renascida. O ato das centrais terá articulação, líderes e propostas. A UNE e UBES já mostraram a cara.
Julho, tudo indica, continuará movimentado. O Congresso terminou a semana entregando, com a eficiência ditada pelas ruas, uma boa cesta de votações, como a derrubada da PEC 37 e a nova criminalização da corrupção. Mas, tendo no colo a proposta de um plebiscito sobre a reforma política, que terá de viabilizar, embora a preferência nítida seja pelo referendo. Quando, no futuro, os historiadores escreverem sobre o levante junino, qualquer que seja o nome que lhe deem, alinharão muito mais que estes elementos para explicar como ocorreu tão brusca e veloz alteração na conjuntura que ameaça o legado do lulismo e do PT, na economia e no social.
Na verdade, a dilapidação foi lenta e contínua, e teve como corrosivo o descaso com a política e com a base social, sem falar na classe média.
Aulas no plebiscito
Se o plebiscito vingar mesmo, terá uma campanha curta em agosto. Os partidos - por mais que os manifestantes não queiram, eles são os atores da representação democrática - formarão frentes parlamentares para defender diferentes preferências. O tempo de tevê será igual para todos. O senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) já defende, entretanto, que boa parte dele seja reservada ao TSE, para a veiculação de explicações didáticas sobre temas com o voto distrital e voto proporcional; lista aberta ou lista fechada; financiamento público ou privado de campanhas. A reforma política tem que ir além, mas outros pontos não devem entrar. Caberá ao Congresso entender o recado das ruas e aprovar as mudanças complementares.
Junto e misturado
Só não viu quem não quis que nestes protestos havia mais que indignação política. As forças de segurança já sabem que no Rio, por exemplo, atuaram mercenários do tráfico, em revanche contra as UPPs que minaram seus negócios. Os donos de vans, do transporte pirata suprimido pelo prefeito Eduardo Paes, mandaram seus vândalos quebrar os ônibus. Outras forças ocultas estão sendo identificadas.
Milagre das ruas
Os ventos fortes, soprando para a direita, conseguiram reunir a velha frente de esquerda - PT, PCdoB, PDT e PSB, que já se havia distanciado - num fórum de defesa do plebiscito. E fizeram sumir das falas do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, o sotaque de candidato. Para pensar em eleição, agora só depois que o tempo serenar. Em poucas semanas, o capital de Dilma caiu tanto quanto as ações da Bovespa. O Planalto já tem suas pesquisas, mas esconde os números. Lula, em 2005, no auge do mensalão, estava a esta mesma distancia temporal da reeleição. Sangrou no segundo semestre e começou a se recuperar em janeiro de 2006, reelegendo-se em outubro. Quem fez a diferença foi a economia.
O ministro e a cuca - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 30/06
Às vezes, os curtos-circuitos de comunicação são causados apenas por diferença de tom. Mas, no caso do ministro da Fazenda, Guido Mantega, é mais que isso. Ele parece enxergar diferente dos demais.
O tom é essencial na comunicação. Muitas vezes, é mais importante do que o conteúdo do que é dito. Tomemos as nossas tradicionais cantigas de ninar. Quem se apega apenas às letras fica horripilado. É a cuca que está logo ali, pronta pra pegar o nenê; é o pai que está na roça e a mãe, também longe, no cafezal, situação que aponta para uma solidão inexorável; é o assustador boi da cara preta, também predador de pequenos. Essas coisas foram, e ainda são, marteladas sobre almas desprotegidas... E, no entanto, a criança dorme. Por quê? Porque o tom aconchegante prevalece sobre os horrores da letra.
É por isso, também, que as análises de economia e política precisam sempre perseguir o tom correto, sob pena de pôr a perder o essencial.
Um dos problemas do ministro Mantega na comunicação com o público é o tom inadequado com que diz as coisas. Ele ignora os problemas que não poderia ignorar, especialmente quando o País e a economia, como agora, estão alvoroçados, esfolando renda e patrimônio financeiro.
Não é apenas o tom errado. As intervenções do ministro Mantega são frequentemente tomadas por exasperante irrealismo. Depois de ter afirmado que não vira nas manifestações nenhum cartaz contra a política econômica, no pronunciamento de quarta-feira na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, Mantega apontou coisas que só ele vê.
Ele garantiu, por exemplo, que a inflação está caindo e que vai convergir para a meta ainda neste ano. Vá lá, pode ser que, de um mês para outro, fique mais baixa. Mas é inevitável que pelo menos "no curto prazo", como aponta o Banco Central, a acumulada em 12 meses estoure o teto. A projeção do Banco Central para a inflação deste ano é 6,0%, enquanto a meta é 4,5%.
Depois de passar meses a fio prometendo entregar um crescimento do PIB em torno de 4,0% a 4,5%, Mantega limita-se agora a avisar que o País avançará neste ano "mais do que em 2012", como se fosse feito extraordinário crescer mais do que o mísero 0,9% obtido então. Hoje, sabemos, vai ser difícil o PIB evoluir em 2013 mais de 2%.
O ministro também deitou louvação no "novo mix de políticas econômicas" colocado em prática no governo Dilma. Esse mix é um fracasso. Não garante crescimento sustentável do PIB acima de 3%; produz inflação que, no momento, perfura o teto da meta; provoca séria deterioração das contas externas; não segura os juros baixos, perseguidos tão obsessivamente; e, finalmente, é responsável por avarias nas contas públicas. Esse é outro ponto do qual o ministro discorda. Para ele, o equilíbrio orçamentário é exemplar, embora a percepção dos que se debruçam sobre o assunto seja a de que a política fiscal é uma bagunça, como até mesmo o ex-ministro Delfim Netto tem advertido. O próprio Banco Central projeta um resultado fiscal mais baixo do que o ministro.
Fica difícil a criança dormir ao ouvir cantigas com esse tom e conteúdo.
Às vezes, os curtos-circuitos de comunicação são causados apenas por diferença de tom. Mas, no caso do ministro da Fazenda, Guido Mantega, é mais que isso. Ele parece enxergar diferente dos demais.
O tom é essencial na comunicação. Muitas vezes, é mais importante do que o conteúdo do que é dito. Tomemos as nossas tradicionais cantigas de ninar. Quem se apega apenas às letras fica horripilado. É a cuca que está logo ali, pronta pra pegar o nenê; é o pai que está na roça e a mãe, também longe, no cafezal, situação que aponta para uma solidão inexorável; é o assustador boi da cara preta, também predador de pequenos. Essas coisas foram, e ainda são, marteladas sobre almas desprotegidas... E, no entanto, a criança dorme. Por quê? Porque o tom aconchegante prevalece sobre os horrores da letra.
É por isso, também, que as análises de economia e política precisam sempre perseguir o tom correto, sob pena de pôr a perder o essencial.
Um dos problemas do ministro Mantega na comunicação com o público é o tom inadequado com que diz as coisas. Ele ignora os problemas que não poderia ignorar, especialmente quando o País e a economia, como agora, estão alvoroçados, esfolando renda e patrimônio financeiro.
Não é apenas o tom errado. As intervenções do ministro Mantega são frequentemente tomadas por exasperante irrealismo. Depois de ter afirmado que não vira nas manifestações nenhum cartaz contra a política econômica, no pronunciamento de quarta-feira na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, Mantega apontou coisas que só ele vê.
Ele garantiu, por exemplo, que a inflação está caindo e que vai convergir para a meta ainda neste ano. Vá lá, pode ser que, de um mês para outro, fique mais baixa. Mas é inevitável que pelo menos "no curto prazo", como aponta o Banco Central, a acumulada em 12 meses estoure o teto. A projeção do Banco Central para a inflação deste ano é 6,0%, enquanto a meta é 4,5%.
Depois de passar meses a fio prometendo entregar um crescimento do PIB em torno de 4,0% a 4,5%, Mantega limita-se agora a avisar que o País avançará neste ano "mais do que em 2012", como se fosse feito extraordinário crescer mais do que o mísero 0,9% obtido então. Hoje, sabemos, vai ser difícil o PIB evoluir em 2013 mais de 2%.
O ministro também deitou louvação no "novo mix de políticas econômicas" colocado em prática no governo Dilma. Esse mix é um fracasso. Não garante crescimento sustentável do PIB acima de 3%; produz inflação que, no momento, perfura o teto da meta; provoca séria deterioração das contas externas; não segura os juros baixos, perseguidos tão obsessivamente; e, finalmente, é responsável por avarias nas contas públicas. Esse é outro ponto do qual o ministro discorda. Para ele, o equilíbrio orçamentário é exemplar, embora a percepção dos que se debruçam sobre o assunto seja a de que a política fiscal é uma bagunça, como até mesmo o ex-ministro Delfim Netto tem advertido. O próprio Banco Central projeta um resultado fiscal mais baixo do que o ministro.
Fica difícil a criança dormir ao ouvir cantigas com esse tom e conteúdo.
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