FOLHA DE SP - 17/05
BRASÍLIA - Alguma coisa acontece na Esplanada dos Ministérios. A celebração, comum diante de indicadores econômicos razoáveis, deu lugar à cautela. E quem desfilou com o novo figurino foi ninguém menos do que o ministro Guido Mantega.
O chefe da equipe econômica do governo Dilma Rousseff é conhecido por suas projeções otimistas, mesmo quando faz isso com base em dados não tão bons assim.
No mercado financeiro, isso lhe garantiu o título de "levantador de PIB". O apelido nunca causou incômodo: ao contrário, foi assumido pelo titular da Fazenda.
Mas Mantega foi comedido ao comentar o avanço de 1,05% que a economia brasileira registrou nos três primeiros meses do ano, em comparação ao último trimestre de 2012.
O indicador, calculado pelo Banco Central, não superava a marca de 1% desde o início de 2011. Mas nem isso foi suficiente para animar o otimista de plantão.
Mantega reconheceu que o resultado foi bom, mas disse que era melhor ser "cauteloso" e esperar pelo "verdadeiro PIB", que, será divulgado dentro de duas semanas, exatamente no dia em que o BC define se manterá o aperto nos juros.
A atitude refletiu uma rara sintonia entre governo e analistas.
O tom de cautela estava expresso em boa parte das análises feitas ontem pelo mercado financeiro sobre os dados do BC.
Todos concordam que o desempenho da economia neste ano será melhor do que a mirrada expansão registrada no ano passado.
Mas a recuperação será lenta e errática. Por isso mesmo, abrir o ano com uma taxa de expansão forte não significa que o desempenho será repetido até dezembro.
Essa análise é expressa de forma clara por economistas do setor privado. No governo, a conversa ainda acontece intramuros --o que torna ainda mais surpreendente o tom de Mantega ontem.
sexta-feira, maio 17, 2013
Prenúncio de um bom combate - MARIA CRISTINA FERNANDES
Valor Econômico - 17/05
A política é a arte de administrar o tempo. O senador Aécio Neves começa a conversa com esta frase. Aos 53 anos, o ex-presidente da Câmara dos Deputados e ex-governador de Minas Gerais por dois mandatos, torna-se amanhã o presidente nacional do PSDB, antessala de sua candidatura à Presidência da República.
Aos 53 anos, Aécio tem administrado seu tempo de olho no relógio do PSDB paulista. Depois de três disputas presidenciais consecutivas perdidas pelos paulistas do partido, o senador mineiro assume a missão de acertar os ponteiros tucanos pelas mesmas badaladas.
Em 2010, depois dos dois principais nomes do PSDB paulista, Geraldo Alckmin e José Serra, terem tido, cada um, sua chance, Aécio chegou a se insinuar. Recuou face à decisão de Serra de se recandidatar e, por fim, resistiu aos apelos para que se tomasse vice em sua chapa.
Orgulha-se de levar um PSDB unido à convenção, ainda que a concessão de cargos na máquina do partido aos paulistas seja apenas um dos muitos capítulos de disputa interna que ainda terá que aplacar.
Aécio diz que a agenda do partido em 2014 terá como pontos de partida aqueles lançados pelo governo Fernando Henrique Cardoso: estabilidade da moeda, câmbio flutuante, internacionalização da economia e transferência de renda.
O governo do ex-presidente, ao contrário do que aconteceu nas últimas campanhas, será resgatado. E que não tentem fazer caso da divergência de ambos em relação ao instituto da reeleição. "Continuo achando que seria melhor para o Brasil a lista fechada, o fim das coligações proporcionais e o mandato de cinco anos sem reeleição. O fato de Fernando Henrique ser contra não desmerece a proposta".
Uma demonstração de que o ex-presidente é parceiro de primeira hora da candidatura é a gestação de dois documentos internos, gerados sob seus auspícios por ex-colaboradores de seu governo, que já antecipam o debate do programa de governo (leia textos em www.valor.com.br).
O primeiro, assinado por Xico Graziano, que foi ex-chefe de gabinete da Presidência, pontua a disposição do PSDB de reivindicar a primazia na formatação de programas de transferência de renda. É o prenúncio do que pode vir a ser uma "Carta ao eleitor brasileiro".
O outro é coordenado por Nassim Gabriel Mehedff, ex-secretário nacional de políticas públicas de trabalho e renda e atual diretor da seção fluminense do Instituto Teotonio Vilela. Esse documento chega a questionar, sem ignorar a contenda eleitoral do debate, se o aumento dos recursos para a educação terá alguma serventia se as políticas do setor não forem direcionadas para a necessidade do país de aumentar sua produtividade.
O tema, que levou o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), a antecipar lei estadual que estabelece 100% dos royalties para a educação, é um dos carros-chefes da campanha da presidente Dilma Rousseff à reeleição, também terá a colher do PSDB. O senador tucano se compromete não apenas em destinar a totalidade dos royalties para a educação como também com os 10% do PIB para o setor.
Aécio reconhece o avanço do PT no que chama de "adensamento de programas sociais", mas apresenta-se disposto a disputar a bandeira. Chega até mesmo a dizer que a política de valorização do salário mínimo é conquista social a ser mantida. É uma notícia a alegrar a base sindical que pretende montar para sua candidatura, mas deve preocupar os economistas próximos do partido, que não veem como as contas fiscais do governo podem fechar enquanto a política estiver em vigor.
Aécio diz que o PSDB não tem nenhum economista que fale em nome do partido. Não quer se comprometer com alternativas de políticas econômica e monetária —"Esse ônus deixo para o governo" —, mas deixa claro que se "um período transitório de juros mais altos for necessário, será apenas para preservar o poder de compra dos menos favorecidos".
Recusa contenda com Serra no ringue da inflação. No palanque do 1º de Maio da Força Sindical, Aécio usou "leniência", "grave momento" e "perspectivas sombrias" para definir a atual política anti-inflacionária. Dias depois, Serra, em palestra na USP, disse que "de jeito nenhum" via explosão inflacionária no país.
O senador afirma concordar com Serra, mas logo emenda nova crítica ao governo Dilma Rousseff. Diz que o maior atestado de fracasso petista foi escolher os dez anos de governo para comemorar, e não os dois anos de gestão Dilma. "Sabe por quê? Porque ela só tem duas marcas: crescimento pífio e inflação".
Aécio tem na ponta da língua toda a numeralha de candidato de oposição: 63% dos brasileiros estão endividados e um quarto deles com prestações em atraso, a refinaria que deveria custar R$ 4 bi vai sair por R$ 40 bi, o país virou exportador de commodities com 0,9% do comércio mundial e a União reduziu a participação no financiamento da saúde de 45% para 36%.
Se Dilma pretende usar a conquista da OMC para lustrar o patriotismo dos anos lulistas, Aécio vai rebatê-la dizendo que o país perdeu a credibilidade internacional, "deixou de ser a bola da vez" para os investimentos internacionais. O argumento será o de que faz um "governo em zigue-zague" ao estabelecer regras excessivamente rígidas para investimentos e depois volta atrás oferecendo taxas de retomo mais elevadas.
O futuro presidente do PSDB diz que o debate apenas começou e não vê como o partido possa ter um programa antes do início de 2014.
Discorda dos rumos tomados pelo partido na sucessão de 2010, quando o PSDB surfou numa campanha obscurantista de aborto e kit gay. "É fácil falar depois do leite derramado, mas discordo do encaminhamento. Não vamos admitir que nos joguem no gueto conservador. Não é nele que está refletida a história de nossas maiores lideranças."
A política é a arte de administrar o tempo. O senador Aécio Neves começa a conversa com esta frase. Aos 53 anos, o ex-presidente da Câmara dos Deputados e ex-governador de Minas Gerais por dois mandatos, torna-se amanhã o presidente nacional do PSDB, antessala de sua candidatura à Presidência da República.
Aos 53 anos, Aécio tem administrado seu tempo de olho no relógio do PSDB paulista. Depois de três disputas presidenciais consecutivas perdidas pelos paulistas do partido, o senador mineiro assume a missão de acertar os ponteiros tucanos pelas mesmas badaladas.
Em 2010, depois dos dois principais nomes do PSDB paulista, Geraldo Alckmin e José Serra, terem tido, cada um, sua chance, Aécio chegou a se insinuar. Recuou face à decisão de Serra de se recandidatar e, por fim, resistiu aos apelos para que se tomasse vice em sua chapa.
Orgulha-se de levar um PSDB unido à convenção, ainda que a concessão de cargos na máquina do partido aos paulistas seja apenas um dos muitos capítulos de disputa interna que ainda terá que aplacar.
Aécio diz que a agenda do partido em 2014 terá como pontos de partida aqueles lançados pelo governo Fernando Henrique Cardoso: estabilidade da moeda, câmbio flutuante, internacionalização da economia e transferência de renda.
O governo do ex-presidente, ao contrário do que aconteceu nas últimas campanhas, será resgatado. E que não tentem fazer caso da divergência de ambos em relação ao instituto da reeleição. "Continuo achando que seria melhor para o Brasil a lista fechada, o fim das coligações proporcionais e o mandato de cinco anos sem reeleição. O fato de Fernando Henrique ser contra não desmerece a proposta".
Uma demonstração de que o ex-presidente é parceiro de primeira hora da candidatura é a gestação de dois documentos internos, gerados sob seus auspícios por ex-colaboradores de seu governo, que já antecipam o debate do programa de governo (leia textos em www.valor.com.br).
O primeiro, assinado por Xico Graziano, que foi ex-chefe de gabinete da Presidência, pontua a disposição do PSDB de reivindicar a primazia na formatação de programas de transferência de renda. É o prenúncio do que pode vir a ser uma "Carta ao eleitor brasileiro".
O outro é coordenado por Nassim Gabriel Mehedff, ex-secretário nacional de políticas públicas de trabalho e renda e atual diretor da seção fluminense do Instituto Teotonio Vilela. Esse documento chega a questionar, sem ignorar a contenda eleitoral do debate, se o aumento dos recursos para a educação terá alguma serventia se as políticas do setor não forem direcionadas para a necessidade do país de aumentar sua produtividade.
O tema, que levou o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), a antecipar lei estadual que estabelece 100% dos royalties para a educação, é um dos carros-chefes da campanha da presidente Dilma Rousseff à reeleição, também terá a colher do PSDB. O senador tucano se compromete não apenas em destinar a totalidade dos royalties para a educação como também com os 10% do PIB para o setor.
Aécio reconhece o avanço do PT no que chama de "adensamento de programas sociais", mas apresenta-se disposto a disputar a bandeira. Chega até mesmo a dizer que a política de valorização do salário mínimo é conquista social a ser mantida. É uma notícia a alegrar a base sindical que pretende montar para sua candidatura, mas deve preocupar os economistas próximos do partido, que não veem como as contas fiscais do governo podem fechar enquanto a política estiver em vigor.
Aécio diz que o PSDB não tem nenhum economista que fale em nome do partido. Não quer se comprometer com alternativas de políticas econômica e monetária —"Esse ônus deixo para o governo" —, mas deixa claro que se "um período transitório de juros mais altos for necessário, será apenas para preservar o poder de compra dos menos favorecidos".
Recusa contenda com Serra no ringue da inflação. No palanque do 1º de Maio da Força Sindical, Aécio usou "leniência", "grave momento" e "perspectivas sombrias" para definir a atual política anti-inflacionária. Dias depois, Serra, em palestra na USP, disse que "de jeito nenhum" via explosão inflacionária no país.
O senador afirma concordar com Serra, mas logo emenda nova crítica ao governo Dilma Rousseff. Diz que o maior atestado de fracasso petista foi escolher os dez anos de governo para comemorar, e não os dois anos de gestão Dilma. "Sabe por quê? Porque ela só tem duas marcas: crescimento pífio e inflação".
Aécio tem na ponta da língua toda a numeralha de candidato de oposição: 63% dos brasileiros estão endividados e um quarto deles com prestações em atraso, a refinaria que deveria custar R$ 4 bi vai sair por R$ 40 bi, o país virou exportador de commodities com 0,9% do comércio mundial e a União reduziu a participação no financiamento da saúde de 45% para 36%.
Se Dilma pretende usar a conquista da OMC para lustrar o patriotismo dos anos lulistas, Aécio vai rebatê-la dizendo que o país perdeu a credibilidade internacional, "deixou de ser a bola da vez" para os investimentos internacionais. O argumento será o de que faz um "governo em zigue-zague" ao estabelecer regras excessivamente rígidas para investimentos e depois volta atrás oferecendo taxas de retomo mais elevadas.
O futuro presidente do PSDB diz que o debate apenas começou e não vê como o partido possa ter um programa antes do início de 2014.
Discorda dos rumos tomados pelo partido na sucessão de 2010, quando o PSDB surfou numa campanha obscurantista de aborto e kit gay. "É fácil falar depois do leite derramado, mas discordo do encaminhamento. Não vamos admitir que nos joguem no gueto conservador. Não é nele que está refletida a história de nossas maiores lideranças."
Arte da guerra - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 17/05
Bancada governista de 423 deputados fazendo contagem regressiva para alcançar quorum de votação da redação final de medida provisória depois de dois dias e duas noites de tentativas, realmente, é uma cena em tudo e por tudo paradoxal. Governo forte no Congresso não faz contagem de conta-gotas de votos.
A menos que a situação expresse, como na manhã de ontem na Câmara, a falência talvez ainda não do sistema de coalizão, mas certamente da metodologia empregada para o manejo do mastodonte.
"É uma festa estranha com gente esquisita", disse em determinado momento um deputado ao microfone de apartes em que se revezavam governistas ora implorando aos correligionários que registrassem suas presenças, ora apelando à oposição que abrisse mão de seu direito regimental de obstruir a votação.
Como se os oposicionistas com seus 90 deputados tivessem alguma coisa a ver com a evidência de que os aliados do governo não conseguiam ou não queriam fazer valer a vantagem de 166 parlamentares existente entre o quorum necessário (257) e o tamanho da base (423).
Mesmo alvo de ironias por causa de sua insignificância numérica e inferioridade política, a oposição já ajudou o governo em outras ocasiões.
Arcou com o ônus de ser vista como condescendente e, portanto, sem vocação para o exercício do contraditório na medida necessária para levá-la a condições razoáveis de competitividade eleitoral. Em resumo algo chulo: é tida como frouxa.
No caso da MP dos Portos não foi. Na Câmara nem no Senado, onde, contudo, a resistência oposicionista deveu-se a outro tipo de deformação gerada no campo situacionista: a transformação da Casa revisora em cartório de ofício com requintes de humilhação.
Os deputados oposicionistas enxergaram uma janela de oportunidade na troca de acusações entre governistas sobre o conteúdo da emenda e se utilizaram do clima de suspeição para justificar a obstrução a uma medida que, no conteúdo, não se confrontava programaticamente com o PSDB e o DEM. Ao contrário, os tucanos haviam anunciado apoio antes de os atritos entre situacionistas terem aberto espaço à obstrução.
O que mudou no ânimo oposicionista? Há todas as distorções desse processo em particular. Mas não se pode desconsiderar, nesse quadro, a influência da abertura da temporada eleitoral.
O governo e o PT quiseram antecipar a campanha a fim de reafirmar a candidatura da presidente Dilma Rousseff à reeleição e interditar os caminhos dos adversários. Os partidos que pretendem disputar com o PT em 2014 captaram a mensagem e anteciparam também seus movimentos.
De onde é natural que se reduza automaticamente o espírito colaboracionista, notadamente naqueles de marcada oposição. Eles ficam atentos a todas as chances de marcar posição, impor derrotas - se não numéricas, políticas - ou criar constrangimentos ao governo.
Nesse caso, a oposição valeu-se de um dos ensinamentos da arte da guerra: usar a força do inimigo contra ele, sabendo identificar e explorar seus pontos fracos. Por essa "lei", é o próprio adversário quem oferece a oportunidade para derrotá-lo. A metodologia rude da Presidência e a improdutividade de seu latifúndio na Câmara abriram esse espaço.
Aprovado o texto-base, os conflitos internos - expostos em acusações de petistas ao presidente da Câmara, visto como generoso demais com a oposição - fizeram com que a MP chegasse ao Senado 12 horas antes do prazo fatal.
O zombeteiro afogadilho suscitou a discussão de um tema que resultará em novas fissuras: o rebaixamento institucional dos senadores, usados como funcionários de departamento carimbador das decisões da Câmara e das vontades do Palácio do Planalto.
Bancada governista de 423 deputados fazendo contagem regressiva para alcançar quorum de votação da redação final de medida provisória depois de dois dias e duas noites de tentativas, realmente, é uma cena em tudo e por tudo paradoxal. Governo forte no Congresso não faz contagem de conta-gotas de votos.
A menos que a situação expresse, como na manhã de ontem na Câmara, a falência talvez ainda não do sistema de coalizão, mas certamente da metodologia empregada para o manejo do mastodonte.
"É uma festa estranha com gente esquisita", disse em determinado momento um deputado ao microfone de apartes em que se revezavam governistas ora implorando aos correligionários que registrassem suas presenças, ora apelando à oposição que abrisse mão de seu direito regimental de obstruir a votação.
Como se os oposicionistas com seus 90 deputados tivessem alguma coisa a ver com a evidência de que os aliados do governo não conseguiam ou não queriam fazer valer a vantagem de 166 parlamentares existente entre o quorum necessário (257) e o tamanho da base (423).
Mesmo alvo de ironias por causa de sua insignificância numérica e inferioridade política, a oposição já ajudou o governo em outras ocasiões.
Arcou com o ônus de ser vista como condescendente e, portanto, sem vocação para o exercício do contraditório na medida necessária para levá-la a condições razoáveis de competitividade eleitoral. Em resumo algo chulo: é tida como frouxa.
No caso da MP dos Portos não foi. Na Câmara nem no Senado, onde, contudo, a resistência oposicionista deveu-se a outro tipo de deformação gerada no campo situacionista: a transformação da Casa revisora em cartório de ofício com requintes de humilhação.
Os deputados oposicionistas enxergaram uma janela de oportunidade na troca de acusações entre governistas sobre o conteúdo da emenda e se utilizaram do clima de suspeição para justificar a obstrução a uma medida que, no conteúdo, não se confrontava programaticamente com o PSDB e o DEM. Ao contrário, os tucanos haviam anunciado apoio antes de os atritos entre situacionistas terem aberto espaço à obstrução.
O que mudou no ânimo oposicionista? Há todas as distorções desse processo em particular. Mas não se pode desconsiderar, nesse quadro, a influência da abertura da temporada eleitoral.
O governo e o PT quiseram antecipar a campanha a fim de reafirmar a candidatura da presidente Dilma Rousseff à reeleição e interditar os caminhos dos adversários. Os partidos que pretendem disputar com o PT em 2014 captaram a mensagem e anteciparam também seus movimentos.
De onde é natural que se reduza automaticamente o espírito colaboracionista, notadamente naqueles de marcada oposição. Eles ficam atentos a todas as chances de marcar posição, impor derrotas - se não numéricas, políticas - ou criar constrangimentos ao governo.
Nesse caso, a oposição valeu-se de um dos ensinamentos da arte da guerra: usar a força do inimigo contra ele, sabendo identificar e explorar seus pontos fracos. Por essa "lei", é o próprio adversário quem oferece a oportunidade para derrotá-lo. A metodologia rude da Presidência e a improdutividade de seu latifúndio na Câmara abriram esse espaço.
Aprovado o texto-base, os conflitos internos - expostos em acusações de petistas ao presidente da Câmara, visto como generoso demais com a oposição - fizeram com que a MP chegasse ao Senado 12 horas antes do prazo fatal.
O zombeteiro afogadilho suscitou a discussão de um tema que resultará em novas fissuras: o rebaixamento institucional dos senadores, usados como funcionários de departamento carimbador das decisões da Câmara e das vontades do Palácio do Planalto.
Batalha inglória - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 17/05
É possível entender tudo de mau que a aprovação da MP dos Portos trouxe para o equilíbrio institucional do país analisando-se os verdadeiros malabarismos, verbais e regimentais, que foram necessários para que a decisão saísse em tempo hábil, antes que a medida provisória perdesse seu efeito.
A começar pelos diversos acordos quebrados, o principal deles a promessa feita pelo então presidente do Senado, José Sarney, e referendada pelas lideranças partidárias, entre elas, o senador Renan Calheiros, que hoje preside aquela Casa.
Sarney prometeu aos senadores que nunca mais eles teriam que se submeter a votações de afogadilho e firmou um compromisso de que no mínimo duas sessões (ou dois dias, sem atropelos) seriam necessárias para que uma medida provisória fosse analisada no Senado. Já seria um exagero, pois, pela lei, o Senado tem pelo menos 42 dias para analisar uma medida provisória. Isso nunca acontece, mas, votar a toque de caixa como aconteceu ontem, nunca havia sido visto.
O acordo ocorreu porque os senadores estavam se sentindo humilhados pela tramitação das medidas provisórias, pois em muitos casos, como no de ontem, eles têm que abrir mão de sua função de Casa revisora para aceitar sem modificações o texto aprovado pela Câmara. Caso alguma modificação fosse feita na MP dos Portos, por exemplo, a tramitação começaria novamente na Câmara, e o prazo do governo expiraria.
No último dia 8, governo e oposição concordaram em abrir uma exceção ao acordo. Havia uma medida provisória que concedia novos benefícios para os agraciados com o programa Bolsa Família. Todos os líderes concordaram que o assunto merecia um tratamento especial, mesmo porque não há partido político no mundo que aceitaria ser responsabilizado por ter impedido a distribuição de benesses apenas por questões regimentais.
Oito dias depois dessa exceção, lá vem o presidente do Senado, Renan Calheiros, pedir mais uma exceção, desta vez para a MP dos Portos, que tramita há tempos na Câmara e que o governo deixou para a última hora a decisão de negociação. Pela lei, texto aprovado pela Câmara teria de ser encaminhado ao Senado com todo o processo, inclusive os pontos rejeitados pela Câmara. Quando aprovaram simbolicamente o texto que chegara pela manhã, os senadores não sabiam do que se tratava, a não ser pelas notícias dos jornais e pelos comentários de colegas.
O líder do PSDB, Aloysio Nunes Ferreira, recusou-se a votar alegando que não conhecia o texto aprovado: "Eu não estou aqui para aprovar o que não conheço. E creio que a maioria dos senadores também não." O líder do PSOL constrangeu seus companheiros perguntando coisas tão simples como: "Alguém sabe me dizer, agora, o que esta medida provisória ainda guarda do seu texto original, na Câmara dos Deputados? Alguém aqui, em sã consciência, sabe me dizer desta medida provisória, aprovada, na Câmara dos Deputados, às oito horas desta manhã, o que contém e se o que contém é pelo menos fiel ao texto original encaminhado pela presidente da República?"
O senador Rodrigues disse que o que estava em jogo era a credibilidade do Senado, que não pode ser obrigado pelo Executivo a aprovar qualquer coisa em qualquer tempo, apenas porque o interesse do governo assim o determina. O líder do DEM, senador José Agripino Maia, concordou e foi fundo na dúvida sobre a MP dos Portos: "(...) Nós estamos sendo levados, ou compelidos, ou obrigados por uma força sobrenatural a votar a coisa que é a salvação da pátria: a MP dos Portos."
Nem é a salvação da pátria, ressaltou Maia, destacando que o governo não sabia o que queria, pois aceitou emendas que no dia anterior acusara de "imorais". O governo mostrou para que serve uma maioria esmagadora no Congresso: para desmoralizá-lo ainda mais, colocando-o como poder subjugado pelo Executivo.
Depois dessa batalha inglória do Congresso, vou descansar um pouco. Volto a escrever a coluna no dia 4 de junho.
A começar pelos diversos acordos quebrados, o principal deles a promessa feita pelo então presidente do Senado, José Sarney, e referendada pelas lideranças partidárias, entre elas, o senador Renan Calheiros, que hoje preside aquela Casa.
Sarney prometeu aos senadores que nunca mais eles teriam que se submeter a votações de afogadilho e firmou um compromisso de que no mínimo duas sessões (ou dois dias, sem atropelos) seriam necessárias para que uma medida provisória fosse analisada no Senado. Já seria um exagero, pois, pela lei, o Senado tem pelo menos 42 dias para analisar uma medida provisória. Isso nunca acontece, mas, votar a toque de caixa como aconteceu ontem, nunca havia sido visto.
O acordo ocorreu porque os senadores estavam se sentindo humilhados pela tramitação das medidas provisórias, pois em muitos casos, como no de ontem, eles têm que abrir mão de sua função de Casa revisora para aceitar sem modificações o texto aprovado pela Câmara. Caso alguma modificação fosse feita na MP dos Portos, por exemplo, a tramitação começaria novamente na Câmara, e o prazo do governo expiraria.
No último dia 8, governo e oposição concordaram em abrir uma exceção ao acordo. Havia uma medida provisória que concedia novos benefícios para os agraciados com o programa Bolsa Família. Todos os líderes concordaram que o assunto merecia um tratamento especial, mesmo porque não há partido político no mundo que aceitaria ser responsabilizado por ter impedido a distribuição de benesses apenas por questões regimentais.
Oito dias depois dessa exceção, lá vem o presidente do Senado, Renan Calheiros, pedir mais uma exceção, desta vez para a MP dos Portos, que tramita há tempos na Câmara e que o governo deixou para a última hora a decisão de negociação. Pela lei, texto aprovado pela Câmara teria de ser encaminhado ao Senado com todo o processo, inclusive os pontos rejeitados pela Câmara. Quando aprovaram simbolicamente o texto que chegara pela manhã, os senadores não sabiam do que se tratava, a não ser pelas notícias dos jornais e pelos comentários de colegas.
O líder do PSDB, Aloysio Nunes Ferreira, recusou-se a votar alegando que não conhecia o texto aprovado: "Eu não estou aqui para aprovar o que não conheço. E creio que a maioria dos senadores também não." O líder do PSOL constrangeu seus companheiros perguntando coisas tão simples como: "Alguém sabe me dizer, agora, o que esta medida provisória ainda guarda do seu texto original, na Câmara dos Deputados? Alguém aqui, em sã consciência, sabe me dizer desta medida provisória, aprovada, na Câmara dos Deputados, às oito horas desta manhã, o que contém e se o que contém é pelo menos fiel ao texto original encaminhado pela presidente da República?"
O senador Rodrigues disse que o que estava em jogo era a credibilidade do Senado, que não pode ser obrigado pelo Executivo a aprovar qualquer coisa em qualquer tempo, apenas porque o interesse do governo assim o determina. O líder do DEM, senador José Agripino Maia, concordou e foi fundo na dúvida sobre a MP dos Portos: "(...) Nós estamos sendo levados, ou compelidos, ou obrigados por uma força sobrenatural a votar a coisa que é a salvação da pátria: a MP dos Portos."
Nem é a salvação da pátria, ressaltou Maia, destacando que o governo não sabia o que queria, pois aceitou emendas que no dia anterior acusara de "imorais". O governo mostrou para que serve uma maioria esmagadora no Congresso: para desmoralizá-lo ainda mais, colocando-o como poder subjugado pelo Executivo.
Depois dessa batalha inglória do Congresso, vou descansar um pouco. Volto a escrever a coluna no dia 4 de junho.
Como apaziguar um tigre - JOÃO MELLÃO NETO
ESTADÃO - 17/05
O meu filho do meio, o Ricardo, anda indignado. Todos os dias ele abre os jornais, inteira-se dos novos e cabeludos escândalos que surgem em nossa República e constata que acabam por não dar em nada. Como gosta de política, recentemente dei-lhe um livro sobre o Carlos Lacerda. Um homem que por vezes acertava, por vezes errava, mas nunca se omitia. Era o terror das autoridades de plantão, que tremiam de medo à simples menção de seu nome.
Direta ou indiretamente, Lacerda foi o responsável pela queda de três presidentes da República: Getúlio, Jânio e Jango - e o primeiro acabou por se suicidar. Alguns resistiram às suas demolidoras investidas, porém à custa de grande parte de seu prestígio pessoal. Foi o caso de Juscelino, que o processou (e perdeu) na Câmara dos Deputados, e de Castelo Branco, que nunca conseguiu atraí-lo para o seu lado. Na política nacional, a década de 1950 e parte da de 1960 foram marcadas pela sua mordacidade, quer no Parlamento, quer no seu jornal, A Tribuna da Imprensa, quer nas emissoras de televisão, que sempre lhe deram espaço porque suas revelações eram realmente bombásticas.
Muitos de seus apartes na tribuna da Câmara, de tão arrasadores, acabaram por fazer parte do folclore político nacional. Nos anais da Casa consta que certa vez uma deputada o desafiou: "Senhor Lacerda, não perderei o meu tempo com Vossa Excelência porque todos aqui sabem que o senhor é o purgante da política brasileira".
"Eu sou o purgante e a senhora é o efeito dele."
Em outra ocasião, o líder do governo foi escalado para defender a política econômica então em curso. "Senhores deputados", iniciou o discurso, "de acordo com as leis do mercado, de autoria de Adam Smith...".
"Senhor líder, pode me conceder um aparte?"
"Por favor, nobre deputado Lacerda."
"Eu peço vênia a Vossa Excelência para uma pequena correção. Como deve ser de seu conhecimento, as leis do mercado não são de autoria de Adam Smith, como se diz, mas sim do grande matemático Thomas Windows, que o precedeu."
"Vossa Excelência está coberto de razão. Segundo as leis do mercado, de autoria de Thomas Windows..."
"Vossa Excelência me concede outro aparte?"
"Pois não..."
"O senhor líder do governo acaba de demonstrar, de maneira cabal, que realmente não entende nada do assunto que pretende abordar. As leis do mercado são mesmo do escocês Adam Smith, enquanto windows não passam de janelas em inglês."
Lacerda era tido como o homem mais inteligente e culto da política brasileira. Como ele mesmo admitia, havia se preparado a vida inteira para, um dia, vir a exercer a Presidência da República. Os fados do destino, porém, falaram mais alto e ele terminou os seus dias cassado e esquecido.
É difícil fazer uma leitura fria sobre sua trajetória de vida. O fato é que ele arrumou inimigos demais. Brigou com os getulistas e, mais tarde, com os generais. Mas o que se pode dizer a seu favor é que nem antes nem depois de sua passagem pela política brasileira alguém exerceu a oposição com tamanha maestria.
O inconformismo de meu filho tem razão de ser. E eu ainda acrescento mais: não é que oposição no Brasil, hoje em dia, seja frouxa ou inapetente. Ela simplesmente não existe. Recordo-me de, na época do "mensalão", ter redigido um artigo contundente com o título Que falta que nos faz um Lacerda. Pois bem, todas as condições estavam postas, naquela época, para se apresentar, com êxito, o impeachment do então presidente Lula, haja vista que Collor fora apeado do poder por muito menos. Lula estava acuado e aceitaria qualquer solução minimamente honrosa.
Mas na "leal oposição a Sua Majestade" só havia cavalheiros. Não existia ninguém que se dispusesse, então, a acabar com aquela agonia, cravando de vez a estaca de madeira no vampiro. Surgiu até uma tese misericordiosa: deixá-lo sangrando para depois vencê-lo nas urnas. Pois bem, passados os momentos críticos, Lula restabeleceu-se e venceu com facilidade as duas eleições seguintes, com ele e com Dilma Rousseff. E hoje eles dominam politicamente o Brasil. Quem não está ao lado deles gostaria, no seu íntimo, de estar. Ninguém ousa criticá-los, nem sequer apontar seus erros.
Ora, é de todo improvável que estejamos sendo governados por uma legião de anjos, ou mesmo que não esteja ocorrendo nada de errado ou condenável no Brasil. Isso contraria a própria natureza dos fatos. O mais provável, isso sim, é que não haja ninguém nos meios políticos que se proponha a enfrentar os nossos governantes. A não ser, como acabamos de ver no caso do "mensalão", a imprensa e a magistratura. E, mesmo assim, após enorme pressão da camada esclarecida da opinião pública.
Cabe o registro de que não foi toda a imprensa nem a unanimidade da magistratura que assim agiu. Houve, nas duas instituições, quem torcesse por um desfecho diverso e muito mais ameno. E cabe lembrar que o julgamento em questão ainda não se encerrou - há quem acredite que jamais se encerrará.
O argumento que tem mobilizado vários segmentos das esquerdas é o de que juízes togados - que passaram a maior parte de sua vida em gabinetes - carecem de legitimidade para julgar autênticos "revolucionários", como José Dirceu e José Genoino, que teriam supostamente arriscado a vida em nome de uma nobre causa. Embora seja notório e sabido que os fatos não se deram bem assim, são esses os "heróis" de que nossa esquerda dispõe.
No mais, parece que os parlamentares brasileiros - não sem amargura - já assimilaram a antiga lição: no jogo bruto do poder, não há como apaziguar um tigre. A não ser, talvez, deixando-se devorar.
O meu filho do meio, o Ricardo, anda indignado. Todos os dias ele abre os jornais, inteira-se dos novos e cabeludos escândalos que surgem em nossa República e constata que acabam por não dar em nada. Como gosta de política, recentemente dei-lhe um livro sobre o Carlos Lacerda. Um homem que por vezes acertava, por vezes errava, mas nunca se omitia. Era o terror das autoridades de plantão, que tremiam de medo à simples menção de seu nome.
Direta ou indiretamente, Lacerda foi o responsável pela queda de três presidentes da República: Getúlio, Jânio e Jango - e o primeiro acabou por se suicidar. Alguns resistiram às suas demolidoras investidas, porém à custa de grande parte de seu prestígio pessoal. Foi o caso de Juscelino, que o processou (e perdeu) na Câmara dos Deputados, e de Castelo Branco, que nunca conseguiu atraí-lo para o seu lado. Na política nacional, a década de 1950 e parte da de 1960 foram marcadas pela sua mordacidade, quer no Parlamento, quer no seu jornal, A Tribuna da Imprensa, quer nas emissoras de televisão, que sempre lhe deram espaço porque suas revelações eram realmente bombásticas.
Muitos de seus apartes na tribuna da Câmara, de tão arrasadores, acabaram por fazer parte do folclore político nacional. Nos anais da Casa consta que certa vez uma deputada o desafiou: "Senhor Lacerda, não perderei o meu tempo com Vossa Excelência porque todos aqui sabem que o senhor é o purgante da política brasileira".
"Eu sou o purgante e a senhora é o efeito dele."
Em outra ocasião, o líder do governo foi escalado para defender a política econômica então em curso. "Senhores deputados", iniciou o discurso, "de acordo com as leis do mercado, de autoria de Adam Smith...".
"Senhor líder, pode me conceder um aparte?"
"Por favor, nobre deputado Lacerda."
"Eu peço vênia a Vossa Excelência para uma pequena correção. Como deve ser de seu conhecimento, as leis do mercado não são de autoria de Adam Smith, como se diz, mas sim do grande matemático Thomas Windows, que o precedeu."
"Vossa Excelência está coberto de razão. Segundo as leis do mercado, de autoria de Thomas Windows..."
"Vossa Excelência me concede outro aparte?"
"Pois não..."
"O senhor líder do governo acaba de demonstrar, de maneira cabal, que realmente não entende nada do assunto que pretende abordar. As leis do mercado são mesmo do escocês Adam Smith, enquanto windows não passam de janelas em inglês."
Lacerda era tido como o homem mais inteligente e culto da política brasileira. Como ele mesmo admitia, havia se preparado a vida inteira para, um dia, vir a exercer a Presidência da República. Os fados do destino, porém, falaram mais alto e ele terminou os seus dias cassado e esquecido.
É difícil fazer uma leitura fria sobre sua trajetória de vida. O fato é que ele arrumou inimigos demais. Brigou com os getulistas e, mais tarde, com os generais. Mas o que se pode dizer a seu favor é que nem antes nem depois de sua passagem pela política brasileira alguém exerceu a oposição com tamanha maestria.
O inconformismo de meu filho tem razão de ser. E eu ainda acrescento mais: não é que oposição no Brasil, hoje em dia, seja frouxa ou inapetente. Ela simplesmente não existe. Recordo-me de, na época do "mensalão", ter redigido um artigo contundente com o título Que falta que nos faz um Lacerda. Pois bem, todas as condições estavam postas, naquela época, para se apresentar, com êxito, o impeachment do então presidente Lula, haja vista que Collor fora apeado do poder por muito menos. Lula estava acuado e aceitaria qualquer solução minimamente honrosa.
Mas na "leal oposição a Sua Majestade" só havia cavalheiros. Não existia ninguém que se dispusesse, então, a acabar com aquela agonia, cravando de vez a estaca de madeira no vampiro. Surgiu até uma tese misericordiosa: deixá-lo sangrando para depois vencê-lo nas urnas. Pois bem, passados os momentos críticos, Lula restabeleceu-se e venceu com facilidade as duas eleições seguintes, com ele e com Dilma Rousseff. E hoje eles dominam politicamente o Brasil. Quem não está ao lado deles gostaria, no seu íntimo, de estar. Ninguém ousa criticá-los, nem sequer apontar seus erros.
Ora, é de todo improvável que estejamos sendo governados por uma legião de anjos, ou mesmo que não esteja ocorrendo nada de errado ou condenável no Brasil. Isso contraria a própria natureza dos fatos. O mais provável, isso sim, é que não haja ninguém nos meios políticos que se proponha a enfrentar os nossos governantes. A não ser, como acabamos de ver no caso do "mensalão", a imprensa e a magistratura. E, mesmo assim, após enorme pressão da camada esclarecida da opinião pública.
Cabe o registro de que não foi toda a imprensa nem a unanimidade da magistratura que assim agiu. Houve, nas duas instituições, quem torcesse por um desfecho diverso e muito mais ameno. E cabe lembrar que o julgamento em questão ainda não se encerrou - há quem acredite que jamais se encerrará.
O argumento que tem mobilizado vários segmentos das esquerdas é o de que juízes togados - que passaram a maior parte de sua vida em gabinetes - carecem de legitimidade para julgar autênticos "revolucionários", como José Dirceu e José Genoino, que teriam supostamente arriscado a vida em nome de uma nobre causa. Embora seja notório e sabido que os fatos não se deram bem assim, são esses os "heróis" de que nossa esquerda dispõe.
No mais, parece que os parlamentares brasileiros - não sem amargura - já assimilaram a antiga lição: no jogo bruto do poder, não há como apaziguar um tigre. A não ser, talvez, deixando-se devorar.
A produtiva experiência de Minas - ANTONIO ANASTASIA
O GLOBO - 17/05
Quando uma palavra esquecida no Brasil há 20 anos volta a assombrar o nosso cotidiano, é hora de se redobrarem os cuidados com as finanças públicas. Sintoma maior de desequilíbrio da economia, ela, a inflação, preocupa os brasileiros quando ainda nem bem se dissiparam os efeitos recessivos das crises internacionais. Um cenário que exige cautela e madura reflexão.
Governar é escolher caminhos estáveis que não só ultrapassem, mas mantenham distância segura de adversidades. Isso se faz com uma gestão austera, eficiente e transparente, capaz de assegurar políticas prioritárias para a sociedade. Ao iniciarmos em 2003, em Minas Gerais, o choque de gestão - inovador modelo que permitiu ao estado zerar em apenas um ano um déficit previsto de R$ 2,4 bilhões -, esse debate era periférico.
Muitos combateram - e ainda há quem combata - a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Excluída da disciplina orçamentária imposta pela LRF, desde 2000, aos estados e aos municípios, a União não tem hoje como esconder que até suas medidas para expandir a economia tornam-se reféns do velho descompasso entre receita e despesa. Não há planejamento que resista à deterioração das contas públicas.
Foi a partir da conquista do equilíbrio fiscal em 2004 que reorganizamos o estado para cumprir programas estratégicos e voltar a ter crédito e investimento. Ampliamos com sucesso, entre 2007 e 2010, nossos projetos graças ao trabalho de nossas equipes, avaliadas e premiadas por produtividade.
Este segundo momento foi denominado Estado para Resultados. Resultados que, como é do feitio mineiro, não alardeamos: falam por nós os números oficiais do IBGE, dos ministérios e de organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas e o Banco Mundial.
Segundo estes avaliadores, Minas tem a melhor educação básica do país; a mais alta expectativa de vida ao nascer e o melhor desempenho do SUS no Sudeste; uma taxa de desemprego menor do que a nacional; o melhor saldo da balança comercial; e o maior incremento na participação do PIB.
Como já atingimos sete dos oito Objetivos do Milênio, somos também os primeiros do mundo a repactuar metas de desenvolvimento mais elevadas para 2015.
De 2012 para cá, recebemos 35 delegações nacionais e internacionais interessadas na evolução do choque de gestão. Qualificar o gasto público para alcançar a prosperidade social é hoje um debate prestigiado. Hoje, mais do que oportuno.
Governar é escolher caminhos estáveis que não só ultrapassem, mas mantenham distância segura de adversidades. Isso se faz com uma gestão austera, eficiente e transparente, capaz de assegurar políticas prioritárias para a sociedade. Ao iniciarmos em 2003, em Minas Gerais, o choque de gestão - inovador modelo que permitiu ao estado zerar em apenas um ano um déficit previsto de R$ 2,4 bilhões -, esse debate era periférico.
Muitos combateram - e ainda há quem combata - a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Excluída da disciplina orçamentária imposta pela LRF, desde 2000, aos estados e aos municípios, a União não tem hoje como esconder que até suas medidas para expandir a economia tornam-se reféns do velho descompasso entre receita e despesa. Não há planejamento que resista à deterioração das contas públicas.
Foi a partir da conquista do equilíbrio fiscal em 2004 que reorganizamos o estado para cumprir programas estratégicos e voltar a ter crédito e investimento. Ampliamos com sucesso, entre 2007 e 2010, nossos projetos graças ao trabalho de nossas equipes, avaliadas e premiadas por produtividade.
Este segundo momento foi denominado Estado para Resultados. Resultados que, como é do feitio mineiro, não alardeamos: falam por nós os números oficiais do IBGE, dos ministérios e de organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas e o Banco Mundial.
Segundo estes avaliadores, Minas tem a melhor educação básica do país; a mais alta expectativa de vida ao nascer e o melhor desempenho do SUS no Sudeste; uma taxa de desemprego menor do que a nacional; o melhor saldo da balança comercial; e o maior incremento na participação do PIB.
Como já atingimos sete dos oito Objetivos do Milênio, somos também os primeiros do mundo a repactuar metas de desenvolvimento mais elevadas para 2015.
De 2012 para cá, recebemos 35 delegações nacionais e internacionais interessadas na evolução do choque de gestão. Qualificar o gasto público para alcançar a prosperidade social é hoje um debate prestigiado. Hoje, mais do que oportuno.
A largada do PSDB - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 17/05
Quando discursar amanhã na convenção de seu partido, assumindo o comando político do PSDB, o senador Aécio Neves terá a missão de transmitir um apetite maior para ser candidato a presidente da República
O Brasil vive atualmente um processo inverso ao que se verificava em outros tempos. Agora, é o governo quem começa sua campanha mais cedo. A presidente Dilma Rousseff, popular candidata à reeleição, está nas ruas, nos encontros partidários, como o de Porto Alegre, onde circulou essa semana acompanhada do ex-presidente Lula. Enquanto isso, a oposição, pequena e muitas vezes desarticulada, parece com o motor engasgado. Amanhã, depois de meses de idas e vindas, será a convenção em que o principal partido desse campo político, o PSDB, pretende finalmente tentar ao menos tirar um pouco da diferença que o separa hoje da presidente Dilma, encostando as pré-campanhas.
A tarefa dos oposicionistas, entretanto, não será fácil. Logo pela manhã, enquanto os tucanos estiverem abrindo a sua convenção, a atenção da maioria dos brasileiros na seara política estará novamente voltada à presidente Dilma Rousseff. Ela participará da festa de inauguração do Estádio Nacional Mané Garrincha, ao lado do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, do PT. Levará alguns ministros, como o do Esporte, Aldo Rebelo. O estádio fica a menos de um quilômetro do local que o PSDB escolheu para a sua convenção, o centro Brasil XXI.
Há quem diga que esses dois eventos no mesmo dia são resultado de mera coincidência. Os políticos, entretanto, tendem a acreditar que não há coincidência nessa atividade. Num sábado qualquer, sem uma inauguração que chamasse a atenção de Brasília, os holofotes estariam todos voltados para a convenção do principal partido de oposição. Diante disso, essa “coincidência” ajuda a simbolizar as dificuldades externas e internas do PSDB, que não são poucas.
Quando discursar amanhã na convenção de seu partido, assumindo o comando político do PSDB, o senador Aécio Neves terá a missão de transmitir um apetite maior para ser candidato. Embora ele tenha dito com todas as letras que está à disposição do PSDB para ser candidato, todos os dias surge um político no Congresso dizendo que duvida dessa vontade. E isso dos mais variados partidos. (Com o ex-presidente Lula ocorre o inverso. Ele diz que não é candidato, mas muitos acreditam que daqui a seis meses ele pode mudar de ideia).
Tirar essa impressão de que pode não concorrer é o primeiro passo na missão de empolgar o PSDB, mostrar a que veio e tratar de buscar aliados, delegando a terceiros a parte administrativa e burocrática. Nesse sentido, nem os gestos de apreço a José Serra podem ficar esquecidos. E a escolha de aliados dele para cargos importantes no PSDB tem um motivo: tentar evitar que Serra termine deixando o PSDB . Hoje, as apostas dos principais serristas são as de que o ex-candidato a presidente por duas vezes , e ex-governador de São Paulo tende a ficar no ninho tucano. Afinal, se saísse não levaria muita gente com ele. Um de seus maiores aliados, o deputado Jutahy Júnior, da Bahia, sempre rechaçou a ideia de deixar a sigla. Para completar, o futuro ao lado do MD de Roberto Freire hoje é tão incerto quanto era a MP dos Portos ontem no início da tarde.
Por falar em MP dos Portos...
O tema fez com que a mesma Dilma Rousseff, que demonizava o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), erguesse um altar para enaltecer a figura do presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas. A contar pela pressa com que Renan agiu para garantir a votação do marco regulatório dos portos ontem, ele terá tudo o que quiser da presidente da República. O mesmo, entretanto, não ocorrerá com ele em relação ao conjunto de senadores, constrangidos com a pressão feita pelo presidente da Casa. Um senador da base governista comentava ontem, no início da noite, que se sentia bem menor do que há dois dias, quando a Casa parecia mais disposta a demonstrar altivez e debater os temas. Sentia-se rebaixado a mero apertador de botão.
O sentimento dos parlamentares era o de que o único a ganhar com a pressa e a votação foi mesmo Renan Calheiros. E, numa casa colegiada, quando um se torna muito superior a seus pares, deixando neles o sentimento de inutilidade, o feitiço de hoje pode virar contra o feiticeiro amanhã. Afinal, para quem prometeu enaltecer o Senado como uma Casa de deveres para com o país e debatedora de todos os temas, Renan pareceu disposto a transformá-la em mera batedora de carimbo do que vem da Câmara. O tempo dirá se essa redução da autoestima dos senadores pelo seu próprio presidente trará algum desgaste maior a Renan. Aí, será outra história.
O Brasil vive atualmente um processo inverso ao que se verificava em outros tempos. Agora, é o governo quem começa sua campanha mais cedo. A presidente Dilma Rousseff, popular candidata à reeleição, está nas ruas, nos encontros partidários, como o de Porto Alegre, onde circulou essa semana acompanhada do ex-presidente Lula. Enquanto isso, a oposição, pequena e muitas vezes desarticulada, parece com o motor engasgado. Amanhã, depois de meses de idas e vindas, será a convenção em que o principal partido desse campo político, o PSDB, pretende finalmente tentar ao menos tirar um pouco da diferença que o separa hoje da presidente Dilma, encostando as pré-campanhas.
A tarefa dos oposicionistas, entretanto, não será fácil. Logo pela manhã, enquanto os tucanos estiverem abrindo a sua convenção, a atenção da maioria dos brasileiros na seara política estará novamente voltada à presidente Dilma Rousseff. Ela participará da festa de inauguração do Estádio Nacional Mané Garrincha, ao lado do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, do PT. Levará alguns ministros, como o do Esporte, Aldo Rebelo. O estádio fica a menos de um quilômetro do local que o PSDB escolheu para a sua convenção, o centro Brasil XXI.
Há quem diga que esses dois eventos no mesmo dia são resultado de mera coincidência. Os políticos, entretanto, tendem a acreditar que não há coincidência nessa atividade. Num sábado qualquer, sem uma inauguração que chamasse a atenção de Brasília, os holofotes estariam todos voltados para a convenção do principal partido de oposição. Diante disso, essa “coincidência” ajuda a simbolizar as dificuldades externas e internas do PSDB, que não são poucas.
Quando discursar amanhã na convenção de seu partido, assumindo o comando político do PSDB, o senador Aécio Neves terá a missão de transmitir um apetite maior para ser candidato. Embora ele tenha dito com todas as letras que está à disposição do PSDB para ser candidato, todos os dias surge um político no Congresso dizendo que duvida dessa vontade. E isso dos mais variados partidos. (Com o ex-presidente Lula ocorre o inverso. Ele diz que não é candidato, mas muitos acreditam que daqui a seis meses ele pode mudar de ideia).
Tirar essa impressão de que pode não concorrer é o primeiro passo na missão de empolgar o PSDB, mostrar a que veio e tratar de buscar aliados, delegando a terceiros a parte administrativa e burocrática. Nesse sentido, nem os gestos de apreço a José Serra podem ficar esquecidos. E a escolha de aliados dele para cargos importantes no PSDB tem um motivo: tentar evitar que Serra termine deixando o PSDB . Hoje, as apostas dos principais serristas são as de que o ex-candidato a presidente por duas vezes , e ex-governador de São Paulo tende a ficar no ninho tucano. Afinal, se saísse não levaria muita gente com ele. Um de seus maiores aliados, o deputado Jutahy Júnior, da Bahia, sempre rechaçou a ideia de deixar a sigla. Para completar, o futuro ao lado do MD de Roberto Freire hoje é tão incerto quanto era a MP dos Portos ontem no início da tarde.
Por falar em MP dos Portos...
O tema fez com que a mesma Dilma Rousseff, que demonizava o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), erguesse um altar para enaltecer a figura do presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas. A contar pela pressa com que Renan agiu para garantir a votação do marco regulatório dos portos ontem, ele terá tudo o que quiser da presidente da República. O mesmo, entretanto, não ocorrerá com ele em relação ao conjunto de senadores, constrangidos com a pressão feita pelo presidente da Casa. Um senador da base governista comentava ontem, no início da noite, que se sentia bem menor do que há dois dias, quando a Casa parecia mais disposta a demonstrar altivez e debater os temas. Sentia-se rebaixado a mero apertador de botão.
O sentimento dos parlamentares era o de que o único a ganhar com a pressa e a votação foi mesmo Renan Calheiros. E, numa casa colegiada, quando um se torna muito superior a seus pares, deixando neles o sentimento de inutilidade, o feitiço de hoje pode virar contra o feiticeiro amanhã. Afinal, para quem prometeu enaltecer o Senado como uma Casa de deveres para com o país e debatedora de todos os temas, Renan pareceu disposto a transformá-la em mera batedora de carimbo do que vem da Câmara. O tempo dirá se essa redução da autoestima dos senadores pelo seu próprio presidente trará algum desgaste maior a Renan. Aí, será outra história.
Quem é mais conservador? - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 17/05
SÃO PAULO - O presidente do PT, Rui Falcão, afirmou que o Judiciário é conservador, e o STF constitui o exemplo máximo dessa tendência.
Em tese, eu tenderia a concordar com Falcão. Na economia interna da repartição dos Poderes, caberia ao Judiciário promover a segurança jurídica, que é um outro jeito de dizer que os magistrados devem zelar pela manutenção do "statu quo". Nesse modelo, as inovações deveriam ter origem no Legislativo, que, não por acaso, é o Poder mais multifacetado e próximo dos anseios da população.
O problema com as teorias é que elas nem sempre funcionam. Boa parte dos mais recentes avanços nos direitos civis foi decidida pelo Supremo e não pelo Parlamento. Compõem essa lista o recém-validado casamento gay e o direito ao aborto de fetos anencefálicos. De resto, a corte chancelou a pesquisa com células-tronco embrionárias e as cotas raciais, que haviam sido aprovadas no Legislativo, mas sobre as quais pairavam dúvidas. Poderá em breve descriminalizar o consumo de drogas.
É preciso muita indulgência linguística para classificar tais atitudes como conservadoras, especialmente quando se considera que o Congresso foi incapaz até de manifestar-se sobre as duas primeiras. Pelo menos nestes temas, temos um Legislativo mais retrógrado do que o Judiciário.
Minha hipótese para explicar a aparente contradição, além do fato de a população nutrir ideias tradicionalistas, é que nosso sistema eleitoral exacerba tal tendência, ao favorecer candidatos ligados a igrejas e outros grupos ideologicamente coesos, mesmo que não sejam representativos da opinião média das pessoas.
Tenho dúvidas, entretanto, de que Falcão esteja realmente preocupado com a ampliação de direitos. Meu palpite é que sua cisma com o STF se deve ao julgamento do mensalão. É difícil, porém, classificar a condenação de políticos envolvidos em esquemas ilícitos como uma posição de esquerda ou de direita.
SÃO PAULO - O presidente do PT, Rui Falcão, afirmou que o Judiciário é conservador, e o STF constitui o exemplo máximo dessa tendência.
Em tese, eu tenderia a concordar com Falcão. Na economia interna da repartição dos Poderes, caberia ao Judiciário promover a segurança jurídica, que é um outro jeito de dizer que os magistrados devem zelar pela manutenção do "statu quo". Nesse modelo, as inovações deveriam ter origem no Legislativo, que, não por acaso, é o Poder mais multifacetado e próximo dos anseios da população.
O problema com as teorias é que elas nem sempre funcionam. Boa parte dos mais recentes avanços nos direitos civis foi decidida pelo Supremo e não pelo Parlamento. Compõem essa lista o recém-validado casamento gay e o direito ao aborto de fetos anencefálicos. De resto, a corte chancelou a pesquisa com células-tronco embrionárias e as cotas raciais, que haviam sido aprovadas no Legislativo, mas sobre as quais pairavam dúvidas. Poderá em breve descriminalizar o consumo de drogas.
É preciso muita indulgência linguística para classificar tais atitudes como conservadoras, especialmente quando se considera que o Congresso foi incapaz até de manifestar-se sobre as duas primeiras. Pelo menos nestes temas, temos um Legislativo mais retrógrado do que o Judiciário.
Minha hipótese para explicar a aparente contradição, além do fato de a população nutrir ideias tradicionalistas, é que nosso sistema eleitoral exacerba tal tendência, ao favorecer candidatos ligados a igrejas e outros grupos ideologicamente coesos, mesmo que não sejam representativos da opinião média das pessoas.
Tenho dúvidas, entretanto, de que Falcão esteja realmente preocupado com a ampliação de direitos. Meu palpite é que sua cisma com o STF se deve ao julgamento do mensalão. É difícil, porém, classificar a condenação de políticos envolvidos em esquemas ilícitos como uma posição de esquerda ou de direita.
Lula e a falta de ética - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 17/05
Sob o comando de Lula, o PT antecipou o início da campanha presidencial, cuja eleição se realiza daqui a 17 meses, de modo que tudo o que as lideranças do partido e do governo fazem e dizem deve ser considerado de uma perspectiva predominantemente eleitoral. E desse ponto de vista ganham importância as mais recentes declarações do chefe do PT que, do alto de seu irreprimível sentimento de onipotência, anda sendo acometido por surpreendentes surtos de franqueza. No lançamento de um livro hagiográfico dos 10 anos de governo petista, Lula garantiu que não existe político "irretocável do ponto de vista do comportamento moral e ético". "Não existe", reiterou. Vale como confissão.
Lula está errado. O que ele afirma serve mesmo é para comprovar os seus próprios defeitos. Seus oito anos na chefia do governo foram de uma dedicação exemplar à tarefa de mediocrizar o exercício da política, transformando-a, como nunca antes na história deste país, em nome de um equivocado conceito de governabilidade, num balcão de negócios cuja expressão máxima foi o episódio do mensalão.
É claro que Lula e o PT não inventaram o toma lá dá cá, a corrupção ativa e passiva, o peculato, a formação de quadrilha na vida pública. Apenas banalizaram a prática desses "malfeitos", sob o pretexto de criar condições para o desenvolvimento de um programa "popular" de combate às injustiças e à desigualdade social. Durante oito anos, Lula não conseguiu enxergar criminosos em seu governo. Via, no máximo, "aloprados", cujas cabeças nunca deixou de afagar. O nível de sua tolerância com os "malfeitos" refletiu-se no trabalho que Dilma Rousseff teve, no primeiro ano de seu mandato, para fazer uma "faxina" nos altos escalões do governo.
O que Lula pretende com suas destrambelhadas declarações sobre moral e ética na política é rebaixar a seu nível as relativamente pouco numerosas, mas sem dúvida alguma existentes, figuras combativas de políticos brasileiros que se esforçam - nos partidos, nos três níveis de governo, no Parlamento - para manter padrões de retidão e honestidade na política e na administração pública.
O verdadeiro espírito público não admite mistificação, manipulação, malversação. Ser tolerante com práticas imorais e antiéticas na vida pública pode até estigmatizar como réprobos aqueles que se recusam a se tornar autores ou cúmplices de atos que a consciência cívica da sociedade - e as leis - condenam. Mas não há índice de popularidade, por mais alto que seja, capaz de absolver indefinidamente os espertalhões bons de bico que exploram a miséria humana em benefício próprio. Aquela tolerância, afinal, caracteriza uma ofensa inominável não só aos políticos de genuíno espírito público que o País ainda pode se orgulhar de possuir, como à imensa maioria dos brasileiros que na sua vida diária mantêm inatacável padrão de honradez e dignidade.
Não é à toa que as manifestações públicas de Luiz Inácio Lula da Silva, além das manifestações de crescente megalomania, reservam sempre um bom espaço para o ataque aos "inimigos". A imagem de Lula, o benfeitor da Pátria, necessita sobressair-se no permanente confronto com antagonistas. Na política externa, são os Estados Unidos. Aqui dentro, multiplicam-se, sempre sob a qualificação depreciativa de "direita". Mas o alvo predileto é a mídia "monopolista" e "golpista" que se recusa a endossar tudo o que emana do lulopetismo.
Uma das últimas pérolas do repertório lulista é antológica: "Acho que determinados setores da comunicação estão exilados dentro do Brasil. Eles não estão compreendendo o que está acontecendo". Essa obsessão no ataque à imprensa, que frequentemente se materializa na tentativa de impor o "controle social" da mídia no melhor estilo "bolivariano" - intenção a qual a presidente Dilma, faça-se justiça, tem se mantido firmemente refratária -, só não explica como, tendo a conspirar contra si todo o aparato de comunicação do País, o lulopetismo logrou vencer três eleições presidenciais consecutivas. O fato é que Lula e seus seguidores não se contentam com menos do que a unanimidade.
Sob o comando de Lula, o PT antecipou o início da campanha presidencial, cuja eleição se realiza daqui a 17 meses, de modo que tudo o que as lideranças do partido e do governo fazem e dizem deve ser considerado de uma perspectiva predominantemente eleitoral. E desse ponto de vista ganham importância as mais recentes declarações do chefe do PT que, do alto de seu irreprimível sentimento de onipotência, anda sendo acometido por surpreendentes surtos de franqueza. No lançamento de um livro hagiográfico dos 10 anos de governo petista, Lula garantiu que não existe político "irretocável do ponto de vista do comportamento moral e ético". "Não existe", reiterou. Vale como confissão.
Lula está errado. O que ele afirma serve mesmo é para comprovar os seus próprios defeitos. Seus oito anos na chefia do governo foram de uma dedicação exemplar à tarefa de mediocrizar o exercício da política, transformando-a, como nunca antes na história deste país, em nome de um equivocado conceito de governabilidade, num balcão de negócios cuja expressão máxima foi o episódio do mensalão.
É claro que Lula e o PT não inventaram o toma lá dá cá, a corrupção ativa e passiva, o peculato, a formação de quadrilha na vida pública. Apenas banalizaram a prática desses "malfeitos", sob o pretexto de criar condições para o desenvolvimento de um programa "popular" de combate às injustiças e à desigualdade social. Durante oito anos, Lula não conseguiu enxergar criminosos em seu governo. Via, no máximo, "aloprados", cujas cabeças nunca deixou de afagar. O nível de sua tolerância com os "malfeitos" refletiu-se no trabalho que Dilma Rousseff teve, no primeiro ano de seu mandato, para fazer uma "faxina" nos altos escalões do governo.
O que Lula pretende com suas destrambelhadas declarações sobre moral e ética na política é rebaixar a seu nível as relativamente pouco numerosas, mas sem dúvida alguma existentes, figuras combativas de políticos brasileiros que se esforçam - nos partidos, nos três níveis de governo, no Parlamento - para manter padrões de retidão e honestidade na política e na administração pública.
O verdadeiro espírito público não admite mistificação, manipulação, malversação. Ser tolerante com práticas imorais e antiéticas na vida pública pode até estigmatizar como réprobos aqueles que se recusam a se tornar autores ou cúmplices de atos que a consciência cívica da sociedade - e as leis - condenam. Mas não há índice de popularidade, por mais alto que seja, capaz de absolver indefinidamente os espertalhões bons de bico que exploram a miséria humana em benefício próprio. Aquela tolerância, afinal, caracteriza uma ofensa inominável não só aos políticos de genuíno espírito público que o País ainda pode se orgulhar de possuir, como à imensa maioria dos brasileiros que na sua vida diária mantêm inatacável padrão de honradez e dignidade.
Não é à toa que as manifestações públicas de Luiz Inácio Lula da Silva, além das manifestações de crescente megalomania, reservam sempre um bom espaço para o ataque aos "inimigos". A imagem de Lula, o benfeitor da Pátria, necessita sobressair-se no permanente confronto com antagonistas. Na política externa, são os Estados Unidos. Aqui dentro, multiplicam-se, sempre sob a qualificação depreciativa de "direita". Mas o alvo predileto é a mídia "monopolista" e "golpista" que se recusa a endossar tudo o que emana do lulopetismo.
Uma das últimas pérolas do repertório lulista é antológica: "Acho que determinados setores da comunicação estão exilados dentro do Brasil. Eles não estão compreendendo o que está acontecendo". Essa obsessão no ataque à imprensa, que frequentemente se materializa na tentativa de impor o "controle social" da mídia no melhor estilo "bolivariano" - intenção a qual a presidente Dilma, faça-se justiça, tem se mantido firmemente refratária -, só não explica como, tendo a conspirar contra si todo o aparato de comunicação do País, o lulopetismo logrou vencer três eleições presidenciais consecutivas. O fato é que Lula e seus seguidores não se contentam com menos do que a unanimidade.
Legado efetivo da Copa será a síndrome do Pan - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 17/05
A um mês da Copa das Confederações e um ano da Copa do Mundo, os temores em relação à preparação dos estádios para os dois eventos parecem dissipados. A conclusão, dentro do prazo da Fifa, do Itaquerão, em São Paulo, a arena programada para receber o jogo de abertura do Mundial de 2014, ficou encaminhada nos contatos mantidos esta semana entre Jérôme Valcke, secretário-geral da entidade, diretores do Corinthians e representantes do poder público. O Maracanã, onde serão disputadas as finais dos dois torneios, está nos retoques, e as arenas das outras sedes se encontram prontas ou com obras em fase final.
Visto o quadro só pelo ângulo dos palcos dos jogos, o Brasil está cumprindo a agenda acertada com a Fifa. Mas, analisando-se a preparação do país à luz do caderno de encargos, do ponto de vista dos legados — capítulo a princípio inegociável dos compromissos do poder público para sediar a Copa —, o que de maneira geral ficará de testamento do Mundial de 2014 é uma espécie de síndrome do Pan de 2007. Neste caso, é de se lamentar.
Países que sediaram eventos grandiosos como a Copa do Mundo aproveitaram os estímulos extras — econômicos, turísticos, urbanísticos — deles decorrentes para incrementar reformas estruturais nas cidades-sede, em áreas como mobilidade urbana, transportes de massa em particular, sistema viário etc. Mas, a exemplo do que ocorreu no Rio por ocasião dos Jogos Pan-Americanos, as prometidas intervenções do poder público em obras, melhorias urbanísticas e equipamentos deixados pela competição praticamente não saíram do papel — ou saíram nem sempre em harmonia com as demandas dos municípios. Repete-se agora o fenômeno: de maneira geral, as cidades-sede não estão aproveitando este momento particularmente favorável para superar crônicos contenciosos de infraestrutura, ou o estão fazendo em dimensões bem mais acanhadas do que as necessidades pedem.
É compreensível que, após encenar um endurecimento do jogo com os entes envolvidos no projeto Copa, para cobrar ações de melhoria da mobilidade urbana, o secretário-geral Valcke já esteja se dando por resignado com a visível tibieza das intervenções que não sejam diretamente ligadas à qualidade das arenas. O negócio da Fifa é futebol e o que dele pode resultar em lucros para a entidade; melhorias urbanísticas seriam a cereja de um bolo que os municípios estão rebarbando. Não é problema da cartolagem.
Neste quadro, o Rio ainda é um caso à parte. Os projetos em curso não são puxados apenas pela Copa, mas têm grande peso no pacote das Olimpíadas. A maior parte das ações está bem encaminhada e, de resto, a cidade ainda dispõe de tempo para corrigir rumos até 2016. De qualquer forma, em relação ao que parece que vai ficar como real legado da Copa para as demais sedes, as arenas, resta esperar que ao menos venham a ser bem administradas, no que é crucial a participação da iniciativa privada, pois o poder público já deu suficientes mostras de sua incapacidade gerencial.
A um mês da Copa das Confederações e um ano da Copa do Mundo, os temores em relação à preparação dos estádios para os dois eventos parecem dissipados. A conclusão, dentro do prazo da Fifa, do Itaquerão, em São Paulo, a arena programada para receber o jogo de abertura do Mundial de 2014, ficou encaminhada nos contatos mantidos esta semana entre Jérôme Valcke, secretário-geral da entidade, diretores do Corinthians e representantes do poder público. O Maracanã, onde serão disputadas as finais dos dois torneios, está nos retoques, e as arenas das outras sedes se encontram prontas ou com obras em fase final.
Visto o quadro só pelo ângulo dos palcos dos jogos, o Brasil está cumprindo a agenda acertada com a Fifa. Mas, analisando-se a preparação do país à luz do caderno de encargos, do ponto de vista dos legados — capítulo a princípio inegociável dos compromissos do poder público para sediar a Copa —, o que de maneira geral ficará de testamento do Mundial de 2014 é uma espécie de síndrome do Pan de 2007. Neste caso, é de se lamentar.
Países que sediaram eventos grandiosos como a Copa do Mundo aproveitaram os estímulos extras — econômicos, turísticos, urbanísticos — deles decorrentes para incrementar reformas estruturais nas cidades-sede, em áreas como mobilidade urbana, transportes de massa em particular, sistema viário etc. Mas, a exemplo do que ocorreu no Rio por ocasião dos Jogos Pan-Americanos, as prometidas intervenções do poder público em obras, melhorias urbanísticas e equipamentos deixados pela competição praticamente não saíram do papel — ou saíram nem sempre em harmonia com as demandas dos municípios. Repete-se agora o fenômeno: de maneira geral, as cidades-sede não estão aproveitando este momento particularmente favorável para superar crônicos contenciosos de infraestrutura, ou o estão fazendo em dimensões bem mais acanhadas do que as necessidades pedem.
É compreensível que, após encenar um endurecimento do jogo com os entes envolvidos no projeto Copa, para cobrar ações de melhoria da mobilidade urbana, o secretário-geral Valcke já esteja se dando por resignado com a visível tibieza das intervenções que não sejam diretamente ligadas à qualidade das arenas. O negócio da Fifa é futebol e o que dele pode resultar em lucros para a entidade; melhorias urbanísticas seriam a cereja de um bolo que os municípios estão rebarbando. Não é problema da cartolagem.
Neste quadro, o Rio ainda é um caso à parte. Os projetos em curso não são puxados apenas pela Copa, mas têm grande peso no pacote das Olimpíadas. A maior parte das ações está bem encaminhada e, de resto, a cidade ainda dispõe de tempo para corrigir rumos até 2016. De qualquer forma, em relação ao que parece que vai ficar como real legado da Copa para as demais sedes, as arenas, resta esperar que ao menos venham a ser bem administradas, no que é crucial a participação da iniciativa privada, pois o poder público já deu suficientes mostras de sua incapacidade gerencial.
Razões de Marina - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 17/05
Provocaram celeuma as considerações da ex-ministra Marina Silva a respeito da presença do deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
O parlamentar, que é também pastor evangélico, tornou-se o foco de protestos por suas opiniões sobre negros (vítimas, segundo ele, de maldição bíblica) e homossexuais (em cujos afetos vê sinais de "podridão"). Não é bem o que se espera do encarregado de encaminhar projetos sobre direitos humanos na chefia daquela comissão.
Em evento na Universidade Católica de Pernambuco, Marina não se afastou dessa linha de raciocínio. Considerou Marco Feliciano despreparado para o cargo que ocupa e merecedor de críticas pelas opiniões homofóbicas e racistas.
Tivesse ela se limitado a isso, o caso não teria maior repercussão. Marina teve a má ideia, porém, de acrescentar uma interpretação para os protestos contra Feliciano que soaram como uma defesa do deputado. Criticam-no, disse, "por ser evangélico, e não por suas posições políticas equivocadas".
Do mesmo modo, arrazoou a líder ambiental, não seria correto criticar atitudes do senador Blairo Maggi (PR-MT) por ser ele empresário, mas pelo que possam significar de prejudicial à natureza.
Sem dúvida, o preconceito contra evangélicos (e contra empresários) existe, e Marina Silva não estaria errada ao denunciá-lo. Mas o deputado não é criticado por ser evangélico. É atacado pelas opiniões que enunciou.
Diga-se que Marina Silva, ela própria evangélica, conta com simpatias fortes nos setores da classe média universitária favoráveis ao casamento gay, sem que sua fé tenha sido questionada. Como faz quase todo político, seja qual for seu credo, partido ou orientação sexual, Marina acusou a imprensa de distorcer suas declarações.
Ocorre que a ex-senadora, em sua expectativa de candidatar-se à Presidência, conta com bases eleitorais bastante heterogêneas. Setores moralistas e conservadores podem votar em Marina "porque ela é evangélica", enquanto ativistas ambientais e parte da esquerda desiludida com Lula e o PT a apoiam por suas convicções.
Crença religiosa e pós-modernidade, povos da floresta e tribos universitárias se equilibram no imaginário marinista. Vez por outra, a contradição faz o delicado arranjo desabar --e nada pior que varrer os cacos para baixo do tapete.
Provocaram celeuma as considerações da ex-ministra Marina Silva a respeito da presença do deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
O parlamentar, que é também pastor evangélico, tornou-se o foco de protestos por suas opiniões sobre negros (vítimas, segundo ele, de maldição bíblica) e homossexuais (em cujos afetos vê sinais de "podridão"). Não é bem o que se espera do encarregado de encaminhar projetos sobre direitos humanos na chefia daquela comissão.
Em evento na Universidade Católica de Pernambuco, Marina não se afastou dessa linha de raciocínio. Considerou Marco Feliciano despreparado para o cargo que ocupa e merecedor de críticas pelas opiniões homofóbicas e racistas.
Tivesse ela se limitado a isso, o caso não teria maior repercussão. Marina teve a má ideia, porém, de acrescentar uma interpretação para os protestos contra Feliciano que soaram como uma defesa do deputado. Criticam-no, disse, "por ser evangélico, e não por suas posições políticas equivocadas".
Do mesmo modo, arrazoou a líder ambiental, não seria correto criticar atitudes do senador Blairo Maggi (PR-MT) por ser ele empresário, mas pelo que possam significar de prejudicial à natureza.
Sem dúvida, o preconceito contra evangélicos (e contra empresários) existe, e Marina Silva não estaria errada ao denunciá-lo. Mas o deputado não é criticado por ser evangélico. É atacado pelas opiniões que enunciou.
Diga-se que Marina Silva, ela própria evangélica, conta com simpatias fortes nos setores da classe média universitária favoráveis ao casamento gay, sem que sua fé tenha sido questionada. Como faz quase todo político, seja qual for seu credo, partido ou orientação sexual, Marina acusou a imprensa de distorcer suas declarações.
Ocorre que a ex-senadora, em sua expectativa de candidatar-se à Presidência, conta com bases eleitorais bastante heterogêneas. Setores moralistas e conservadores podem votar em Marina "porque ela é evangélica", enquanto ativistas ambientais e parte da esquerda desiludida com Lula e o PT a apoiam por suas convicções.
Crença religiosa e pós-modernidade, povos da floresta e tribos universitárias se equilibram no imaginário marinista. Vez por outra, a contradição faz o delicado arranjo desabar --e nada pior que varrer os cacos para baixo do tapete.
O fim do atraso - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 17/05
Depois de uma maratona de votações, prevaleceu não só a vontade oficial, mas a certeza de que o novo marco regulatório dos portos veio para o bem
Na undécima hora, faltando poucas horas para uma volta à estaca zero, o Brasil ganhou ontem à noite um novo marco regulatório para a atividade portuária com a aprovação e conversão em lei da Medida Provisória 595 – a MP dos Portos. Venceu o governo da presidente Dilma Rousseff, que submeteu o Congresso a uma maratona histórica de sessões madrugueiras e conseguiu, apesar do esforço da oposição e do uso de todos os truques regimentais possíveis, acabar por fazer poucas e não essenciais mudanças no texto original proposto pelo Executivo.
Em princípio, o histórico embate que resultou na aprovação da MP é motivo de satisfação, na medida em que a nova lei coloca o país em um patamar mais moderno no que diz respeito à atividade portuária. Com ela, o setor se abre à participação e à competição privada o que, na prática, deve resultar na melhoria da eficiência operacional dos terminais e, por conseguinte, na inserção do país em maior escala no vasto mundo das trocas comerciais internacionais.
É verdade que a MP foi submetida a um duro combate, não apenas no âmbito parlamentar, mas por parte também de muitos outros segmentos da sociedade – políticos, empresariais e de trabalhadores. Senadores reclamaram – com razão – da forma como a votação foi conduzida, uma verdadeira “votação relâmpago”. A Casa chegou a ser comparada pelo senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) a uma “fábrica de salsichas” devido ao ritmo frenético da votação. Até Renan Calheiros, presidente do Senado, reconheceu o atropelo e garantiu que a Casa não irá apreciar nenhuma outra medida provisória que vier com menos de sete dias da Câmara Federal. “Essa anomalia institucional não vai continuar. Ela apequena o Senado”, afirmou. Também levantaram-se suspeitas quanto a supostas intenções de favorecimento de grupos, da mesma forma como, por motivos ideológicos, se levantaram bravamente os que nela enxergaram apenas um pretenso e nocivo viés privatista. Ao final, porém, prevaleceu não só a vontade oficial mas, sobretudo, a certeza de que o novo marco, ainda que imperfeito ou incompleto, veio para o bem.
Entretanto, o debate em torno da MP teve outros méritos que não podem ser desconhecidos. O primeiro deles é de ter tornado ainda mais evidente que não é somente a nossa histórica deficiência no setor portuário responsável pelas graves mazelas de que padecem os setores produtivos do país. Muito antes de a produção nacional chegar à beira do cais para tomar o destino final da exportação, há outros gargalos logísticos a serem resolvidos.
Problemas maiores, muito maiores, se concentraram no interior sem estradas, sem ferrovias, sem armazéns. A tal ponto que, frequentemente, dados incontestáveis demonstram que, embora sejamos capazes de produzir soja (apenas para citar um exemplo) a um custo cerca de 50% inferior às lavouras norte-americanas, o produto brasileiro chega aos portos já com a sua lucratividade corroída totalmente pelo alto custo dos meios de transporte. E, portanto, enfrentando imensa dificuldade de competição.
Logo, o novo marco regulador dos portos, embora seja um fator favorável à melhoria da competitividade do Brasil nos mercados mundiais, não pode ser encarado como uma panaceia capaz de dar por resolvido totalmente o gargalo que nos impede de aproveitar melhor o enorme potencial produtivo do país. Há os outros problemas que, para ser solucionados, merecem soluções talvez semelhantes às aplicadas para os portos – isso é, pelo incentivo à participação privada na construção da infraestrutura necessária.
Além da conhecida ineficiência gerencial da máquina oficial, há de se reconhecer também a incapacidade financeira dos governos de investir na medida adequada para suprir as premências mais urgentes. Por isso, assim como a nova legislação dos portos convoca a iniciativa privada para participar da sua modernização, não há alternativa visível no horizonte que não indique o mesmo caminho para permitir a expansão rodoviária e ferroviária, apenas para citar dois dos modais mais imprescindíveis.
Vencida a etapa do setor portuário, cujos frutos ainda demorarão a ser colhidos, espera-se agora maior agilidade e efetividade do governo para superar os demais gargalos.
Depois de uma maratona de votações, prevaleceu não só a vontade oficial, mas a certeza de que o novo marco regulatório dos portos veio para o bem
Na undécima hora, faltando poucas horas para uma volta à estaca zero, o Brasil ganhou ontem à noite um novo marco regulatório para a atividade portuária com a aprovação e conversão em lei da Medida Provisória 595 – a MP dos Portos. Venceu o governo da presidente Dilma Rousseff, que submeteu o Congresso a uma maratona histórica de sessões madrugueiras e conseguiu, apesar do esforço da oposição e do uso de todos os truques regimentais possíveis, acabar por fazer poucas e não essenciais mudanças no texto original proposto pelo Executivo.
Em princípio, o histórico embate que resultou na aprovação da MP é motivo de satisfação, na medida em que a nova lei coloca o país em um patamar mais moderno no que diz respeito à atividade portuária. Com ela, o setor se abre à participação e à competição privada o que, na prática, deve resultar na melhoria da eficiência operacional dos terminais e, por conseguinte, na inserção do país em maior escala no vasto mundo das trocas comerciais internacionais.
É verdade que a MP foi submetida a um duro combate, não apenas no âmbito parlamentar, mas por parte também de muitos outros segmentos da sociedade – políticos, empresariais e de trabalhadores. Senadores reclamaram – com razão – da forma como a votação foi conduzida, uma verdadeira “votação relâmpago”. A Casa chegou a ser comparada pelo senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) a uma “fábrica de salsichas” devido ao ritmo frenético da votação. Até Renan Calheiros, presidente do Senado, reconheceu o atropelo e garantiu que a Casa não irá apreciar nenhuma outra medida provisória que vier com menos de sete dias da Câmara Federal. “Essa anomalia institucional não vai continuar. Ela apequena o Senado”, afirmou. Também levantaram-se suspeitas quanto a supostas intenções de favorecimento de grupos, da mesma forma como, por motivos ideológicos, se levantaram bravamente os que nela enxergaram apenas um pretenso e nocivo viés privatista. Ao final, porém, prevaleceu não só a vontade oficial mas, sobretudo, a certeza de que o novo marco, ainda que imperfeito ou incompleto, veio para o bem.
Entretanto, o debate em torno da MP teve outros méritos que não podem ser desconhecidos. O primeiro deles é de ter tornado ainda mais evidente que não é somente a nossa histórica deficiência no setor portuário responsável pelas graves mazelas de que padecem os setores produtivos do país. Muito antes de a produção nacional chegar à beira do cais para tomar o destino final da exportação, há outros gargalos logísticos a serem resolvidos.
Problemas maiores, muito maiores, se concentraram no interior sem estradas, sem ferrovias, sem armazéns. A tal ponto que, frequentemente, dados incontestáveis demonstram que, embora sejamos capazes de produzir soja (apenas para citar um exemplo) a um custo cerca de 50% inferior às lavouras norte-americanas, o produto brasileiro chega aos portos já com a sua lucratividade corroída totalmente pelo alto custo dos meios de transporte. E, portanto, enfrentando imensa dificuldade de competição.
Logo, o novo marco regulador dos portos, embora seja um fator favorável à melhoria da competitividade do Brasil nos mercados mundiais, não pode ser encarado como uma panaceia capaz de dar por resolvido totalmente o gargalo que nos impede de aproveitar melhor o enorme potencial produtivo do país. Há os outros problemas que, para ser solucionados, merecem soluções talvez semelhantes às aplicadas para os portos – isso é, pelo incentivo à participação privada na construção da infraestrutura necessária.
Além da conhecida ineficiência gerencial da máquina oficial, há de se reconhecer também a incapacidade financeira dos governos de investir na medida adequada para suprir as premências mais urgentes. Por isso, assim como a nova legislação dos portos convoca a iniciativa privada para participar da sua modernização, não há alternativa visível no horizonte que não indique o mesmo caminho para permitir a expansão rodoviária e ferroviária, apenas para citar dois dos modais mais imprescindíveis.
Vencida a etapa do setor portuário, cujos frutos ainda demorarão a ser colhidos, espera-se agora maior agilidade e efetividade do governo para superar os demais gargalos.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“Estamos sendo obrigados a rasgar a Constituição”
Senador José Agripino (DEM-RN), derrotado na votação da MP dos Portos
MP DOS PORTOS: GOVERNO VENCE, MAS SAI DEBILITADO
A votação da MP dos Portos, que durou 22 horas na Câmara, serviu para expor o baixíssimo “Índice de Satisfação” da base aliada com o governo Dilma. Todo barulho era liderado por cerca de vinte deputados de oposição, cujas manobras protelatórias foram alegremente seguidas por governistas revoltados com o conhecido desdém do Palácio do Planalto. O governo venceu, mas seu “exército” quase foi dizimado. A situação tende a se agravar, com a aproximação das eleições de 2014.
ARROGÂNCIA OU BURRICE?
A rebelião dos aliados ocorre em um governo com a mais confortável maioria e a oposição mais insignificante da nossa história recente.
IRRITAÇÃO
Durante a longa sessão da MP dos Portos, os discursos de deputados do governo e da oposição eram viscerais, irritados com o Planalto.
TE VIRA
O governo deixou Garotinho (PR) pendurado na brocha: fechou acordo com Eduardo Cunha (PMDB), que ele enfrentou para defender a MP.
NINGUÉM ESQUECE
Retirados de casa e de restaurantes durante a madrugada para voltar à Câmara, não petistas ainda foram insultados pelo PT de “traidores”.
CARTÃO CORPORATIVO PAGOU MORDOMIA EM CARROS
Somente o aluguel de carros consumiu em 2003, primeiro ano do governo Lula, mais de R$ 1 milhão e 557 mil nos gastos com cartões corporativos confiados a onze funcionários do governo, sendo oito da Presidência da República. Dez anos depois, todos foram condenados pela Justiça Federal a devolver mais de R$ 2 milhões aos cofres públicos. O pagamento de diárias em hotéis chegou a R$ 147,8 mil.
MORDAÇA
Após as primeiras denúncias, o então presidente Lula tornou “secretos” os gastos com cartões corporativos, em nome da “segurança nacional”.
ABUSOS
Cartões corporativos pagaram tapioca, cabeleireiro, mordomias, resorts de luxo etc. Em 2007, a Marinha chegou a comprar ursinho de pelúcia.
MANDOU BEM
O presidente do Senado, Renan Calheiros, ganhou elogios de Dilma, pela condução firme e ágil da votação que aprovou a MP dos Portos.
CLIMÃO
Deputados que participaram das articulações na votação da MP dos Portos acreditam que será difícil contornar a fissura aberta entre a base aliada, sobretudo o PMDB, e o PT da presidente Dilma.
NINGUÉM AGUENTA
Em meio à guerra com o Legislativo para aprovar a MP dos Portos e a proposta de ICMS, a presidente Dilma não deu tréguas. Quem esteve com ela nos últimos quinze dias diz que o convívio está insuportável.
MARCANDO EM CIMA
Durante a filiação do empresário José Batista Júnior ao PMDB, o vice Michel Temer recebeu três ligações da presidente Dilma Rousseff, irritada com o andar lento da votação da MP dos Portos na Câmara.
QUEIXA PETISTA
Candidatos do PT nos Estados reclamam do presidente do PT, Rui Falcão, que está impondo a contratação do seu parceiro Wladimir Garreta para atuar na área da comunicação, entre outras.
TIME REFORÇADO
O governador do DF, Agnelo Queiroz, pode ter convidado de honra na inauguração do Estádio Mané Garrincha neste sábado: o embaixador Roberto Azêvedo, diretor-geral da OMC e peladeiro do Gerovital.
QUADRO BAIANO
Subiu no telhado o projeto do ex-presidente Lula de lançar Sérgio Gabrielli (ex-Petrobras) ao governo da Bahia em 2014. O governador Jaques Wagner (PT) aposta no secretário Rui Costa, tecnicamente empatado com o senador Walter Pinheiro, em pesquisas internas.
CARTEIRADA
A deputada Andreia Zito (PSDB-RJ) armou barraco no aeroporto de Brasília após funcionário exigir do seu namorado cartão de embarque. Acabou perdendo o voo e tendo de se explicar à Polícia Federal.
PMDB MOSTRA SUA FORÇA
O prefeito de Indaiatuba (SP), Reinaldo Nogueira, será o anfitrião, nesta sexta-feira, da reunião do PMDB paulista com cerca de noventa prefeitos e parlamentares do partido, sob o olhar atento do vice-presidente Michel Temer.
PENSANDO BEM...
...no Brasil, as “zelites” só apertam o cinto quando viajam de avião.
PODER SEM PUDOR
AS BATATAS DO PRESIDENTE
Perseguido pelo regime militar, Juscelino Kubitschek dedicou-se a uma pequena fazenda nas proximidades de Brasília. Certo dia, ele irrompeu no escritório do amigo Sérgio Rossi, vestido a caráter e calçando botas:
- Sérgio, estou aí fora com um caminhão carregado com as batatas que eu plantei. Como faço agora para vender isso?
Incrédulo, Rossi o acompanhou até a rua e, de fato, lá estava um caminhão:
- O senhor plantou isso tudo, presidente?
- Claro. Mandaram plantar batatas e eu as plantei. Agora, é tratar de vendê-las.
Senador José Agripino (DEM-RN), derrotado na votação da MP dos Portos
MP DOS PORTOS: GOVERNO VENCE, MAS SAI DEBILITADO
A votação da MP dos Portos, que durou 22 horas na Câmara, serviu para expor o baixíssimo “Índice de Satisfação” da base aliada com o governo Dilma. Todo barulho era liderado por cerca de vinte deputados de oposição, cujas manobras protelatórias foram alegremente seguidas por governistas revoltados com o conhecido desdém do Palácio do Planalto. O governo venceu, mas seu “exército” quase foi dizimado. A situação tende a se agravar, com a aproximação das eleições de 2014.
ARROGÂNCIA OU BURRICE?
A rebelião dos aliados ocorre em um governo com a mais confortável maioria e a oposição mais insignificante da nossa história recente.
IRRITAÇÃO
Durante a longa sessão da MP dos Portos, os discursos de deputados do governo e da oposição eram viscerais, irritados com o Planalto.
TE VIRA
O governo deixou Garotinho (PR) pendurado na brocha: fechou acordo com Eduardo Cunha (PMDB), que ele enfrentou para defender a MP.
NINGUÉM ESQUECE
Retirados de casa e de restaurantes durante a madrugada para voltar à Câmara, não petistas ainda foram insultados pelo PT de “traidores”.
CARTÃO CORPORATIVO PAGOU MORDOMIA EM CARROS
Somente o aluguel de carros consumiu em 2003, primeiro ano do governo Lula, mais de R$ 1 milhão e 557 mil nos gastos com cartões corporativos confiados a onze funcionários do governo, sendo oito da Presidência da República. Dez anos depois, todos foram condenados pela Justiça Federal a devolver mais de R$ 2 milhões aos cofres públicos. O pagamento de diárias em hotéis chegou a R$ 147,8 mil.
MORDAÇA
Após as primeiras denúncias, o então presidente Lula tornou “secretos” os gastos com cartões corporativos, em nome da “segurança nacional”.
ABUSOS
Cartões corporativos pagaram tapioca, cabeleireiro, mordomias, resorts de luxo etc. Em 2007, a Marinha chegou a comprar ursinho de pelúcia.
MANDOU BEM
O presidente do Senado, Renan Calheiros, ganhou elogios de Dilma, pela condução firme e ágil da votação que aprovou a MP dos Portos.
CLIMÃO
Deputados que participaram das articulações na votação da MP dos Portos acreditam que será difícil contornar a fissura aberta entre a base aliada, sobretudo o PMDB, e o PT da presidente Dilma.
NINGUÉM AGUENTA
Em meio à guerra com o Legislativo para aprovar a MP dos Portos e a proposta de ICMS, a presidente Dilma não deu tréguas. Quem esteve com ela nos últimos quinze dias diz que o convívio está insuportável.
MARCANDO EM CIMA
Durante a filiação do empresário José Batista Júnior ao PMDB, o vice Michel Temer recebeu três ligações da presidente Dilma Rousseff, irritada com o andar lento da votação da MP dos Portos na Câmara.
QUEIXA PETISTA
Candidatos do PT nos Estados reclamam do presidente do PT, Rui Falcão, que está impondo a contratação do seu parceiro Wladimir Garreta para atuar na área da comunicação, entre outras.
TIME REFORÇADO
O governador do DF, Agnelo Queiroz, pode ter convidado de honra na inauguração do Estádio Mané Garrincha neste sábado: o embaixador Roberto Azêvedo, diretor-geral da OMC e peladeiro do Gerovital.
QUADRO BAIANO
Subiu no telhado o projeto do ex-presidente Lula de lançar Sérgio Gabrielli (ex-Petrobras) ao governo da Bahia em 2014. O governador Jaques Wagner (PT) aposta no secretário Rui Costa, tecnicamente empatado com o senador Walter Pinheiro, em pesquisas internas.
CARTEIRADA
A deputada Andreia Zito (PSDB-RJ) armou barraco no aeroporto de Brasília após funcionário exigir do seu namorado cartão de embarque. Acabou perdendo o voo e tendo de se explicar à Polícia Federal.
PMDB MOSTRA SUA FORÇA
O prefeito de Indaiatuba (SP), Reinaldo Nogueira, será o anfitrião, nesta sexta-feira, da reunião do PMDB paulista com cerca de noventa prefeitos e parlamentares do partido, sob o olhar atento do vice-presidente Michel Temer.
PENSANDO BEM...
...no Brasil, as “zelites” só apertam o cinto quando viajam de avião.
PODER SEM PUDOR
AS BATATAS DO PRESIDENTE
Perseguido pelo regime militar, Juscelino Kubitschek dedicou-se a uma pequena fazenda nas proximidades de Brasília. Certo dia, ele irrompeu no escritório do amigo Sérgio Rossi, vestido a caráter e calçando botas:
- Sérgio, estou aí fora com um caminhão carregado com as batatas que eu plantei. Como faço agora para vender isso?
Incrédulo, Rossi o acompanhou até a rua e, de fato, lá estava um caminhão:
- O senhor plantou isso tudo, presidente?
- Claro. Mandaram plantar batatas e eu as plantei. Agora, é tratar de vendê-las.
SEXTA NOS JORNAIS
- Globo: Modernização dos portos – Vencidos pelo cansaço
- Folha: Após concessões, governo aprova reforma dos portos
- Estadão: Senado aprova MP dos Portos e Dilma estuda veto a 5 pontos
- Correio: MP dos Portos passa no Senado e no STF
- Valor: Tombini indica aperto e juro futuro ultrapassa 8%
- Estado de Minas: Por que não na minha rua?
- Jornal do Commercio: Quase metade do País usa a internet
- Brasil Econômico: BC dá sinais de alta de juros
quinta-feira, maio 16, 2013
EFEITO ROBERTO - MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 16/05
A editora LeYa decidiu engavetar livro sobre a vida de José Dirceu que publicaria ainda neste ano. Motivo: a lei brasileira que proíbe o lançamento de biografias sem a autorização do biografado seria tão drástica que poderia gerar multas e punições que colocariam em risco a própria existência da empresa no país. O parecer foi dado pelo departamento jurídico da editora portuguesa.
FORO ÍNTIMO
"Não houve ameaça do José Dirceu. Nós é que tivemos dúvidas e decidimos consultar advogados. Mas o direito à reserva da vida privada é considerado absoluto no Brasil, o que faz com que seja impossível publicar livro sobre qualquer personagem histórico do país", diz Maria João Costa, editora-executiva da LeYa. "Até personagens secundários citados em fatos irrelevantes poderiam processar a editora."
DÁ UM FILME
A obra é assinada por Otávio Cabral, jornalista da revista "Veja". "Cada linha do livro poderia ser provada. Já tínhamos comprado os direitos", diz a executiva. "É absolutamente frustrante e algo que não ocorre em outros países democráticos. Aqui tudo é proibido. Histórias fantásticas não poderão ser contadas no Brasil." Como a vida de Dirceu, que, segundo Maria João Costa, "é digna de cinema".
NA GAVETA
Entre os precedentes que assustam a LeYa estão a vitória do cantor Roberto Carlos, que já conseguiu recolher e incinerar a edição de um livro sobre sua vida, e o processo que o dono de uma academia de boxe moveu contra editora que lançou a biografia de Anderson Silva.
ÁGUAS DE MARÇO
O vereador Ricardo Young (PPS-SP) quer obrigar a prefeitura a enviar mensagens de alertas de chuvas via SMS para os paulistanos. O projeto já estava na pauta para ser votado na Câmara Municipal. O prefeito Fernando Haddad (PT-SP) ainda pode vetar a ideia.
NOME LIMPO
O MinC (Ministério da Cultura) chegou a um acordo com a Fundação Bienal de São Paulo para tirá-la do cadastro de inadimplentes da pasta. A entidade, que deve cerca de R$ 30 milhões e está com as contas bloqueadas desde o ano passado, vai ressarcir R$ 12,2 milhões ao MinC, ao longo de 60 meses.
NOME LIMPO 2
Com o pagamento, a Bienal poderá novamente captar recursos via leis de incentivo e firmar convênios com a pasta. A negociação, que se intensificou desde setembro, quando Marta Suplicy virou ministra, deve ser finalizada na próxima semana.
PIPOCA DOCE
O programa Encontros com o Cinema Brasileiro, da Ancine, já selecionou os dez filmes que serão exibidos a curadores de festivais internacionais: "Os Amigos" (Lina Chamie), "Amor, Plástico e Barulho" (Renata Pinheiro), "Entre Vales" (Philippe Barcinski), "Estação Liberdade" (Caito Ortiz), "A Gente" (Aly Muritiba), "A Montanha" (Vicente Ferraz), "Uma Passagem para Mário" (Eric Laurence), "Riocorrente" (Paulo Sacramento), "Rio Cigano" (Julia Zakia) e "Tatuagem" (Hilton Lacerda).
TORNEIO FAMILIAR
Depois de celebrar os 25 anos de sociedade no escritório Chiaparini e Bastos Advogados, Marcos Chiaparini embarca para a Europa. Vai ver o torneio de Roland Garros. Já sua filha Fabiana Chiaparini, 24, representará o Brasil na Olimpíada Universitária, na Rússia.
LÁ EM CASA
O músico uruguaio Jorge Drexler, que está em turnê em São Paulo, fez um show para convidados no projeto Na Cozinha ou No Jardim, da cantora Tiê, na casa dela, anteontem. O cineasta Heitor Dhalia, o cantor Marcelo Jeneci, as apresentadora Marina Person e Roberta Martinelli e a artista Rita Wainer, entre outros, estavam na plateia instalada no jardim.
JOGO DO BICHO
José Wilker, diretor e protagonista de "Giovanni Improtta", esteve na pré-estreia para convidados do longa anteonteom. Os atores André Mattos e Thelmo Fernandes, o cineasta Cacá Diegues, que produz o filme, e o diretor de fotografia Lauro Escorel também compareceram à sessão no shopping Market Place.
CURTO-CIRCUITO
O advogado Pierpaolo Cruz Bottini faz palestra amanhã na 16ª Conferência Anual sobre Crimes Transnacionais, em Miami.
O restaurante Arola Vintetres recebe hoje, às 20h, os chefs Dieter Koschina e Hans Neuner para o jantar Portugal dos Sabores.
FORO ÍNTIMO
"Não houve ameaça do José Dirceu. Nós é que tivemos dúvidas e decidimos consultar advogados. Mas o direito à reserva da vida privada é considerado absoluto no Brasil, o que faz com que seja impossível publicar livro sobre qualquer personagem histórico do país", diz Maria João Costa, editora-executiva da LeYa. "Até personagens secundários citados em fatos irrelevantes poderiam processar a editora."
DÁ UM FILME
A obra é assinada por Otávio Cabral, jornalista da revista "Veja". "Cada linha do livro poderia ser provada. Já tínhamos comprado os direitos", diz a executiva. "É absolutamente frustrante e algo que não ocorre em outros países democráticos. Aqui tudo é proibido. Histórias fantásticas não poderão ser contadas no Brasil." Como a vida de Dirceu, que, segundo Maria João Costa, "é digna de cinema".
NA GAVETA
Entre os precedentes que assustam a LeYa estão a vitória do cantor Roberto Carlos, que já conseguiu recolher e incinerar a edição de um livro sobre sua vida, e o processo que o dono de uma academia de boxe moveu contra editora que lançou a biografia de Anderson Silva.
ÁGUAS DE MARÇO
O vereador Ricardo Young (PPS-SP) quer obrigar a prefeitura a enviar mensagens de alertas de chuvas via SMS para os paulistanos. O projeto já estava na pauta para ser votado na Câmara Municipal. O prefeito Fernando Haddad (PT-SP) ainda pode vetar a ideia.
NOME LIMPO
O MinC (Ministério da Cultura) chegou a um acordo com a Fundação Bienal de São Paulo para tirá-la do cadastro de inadimplentes da pasta. A entidade, que deve cerca de R$ 30 milhões e está com as contas bloqueadas desde o ano passado, vai ressarcir R$ 12,2 milhões ao MinC, ao longo de 60 meses.
NOME LIMPO 2
Com o pagamento, a Bienal poderá novamente captar recursos via leis de incentivo e firmar convênios com a pasta. A negociação, que se intensificou desde setembro, quando Marta Suplicy virou ministra, deve ser finalizada na próxima semana.
PIPOCA DOCE
O programa Encontros com o Cinema Brasileiro, da Ancine, já selecionou os dez filmes que serão exibidos a curadores de festivais internacionais: "Os Amigos" (Lina Chamie), "Amor, Plástico e Barulho" (Renata Pinheiro), "Entre Vales" (Philippe Barcinski), "Estação Liberdade" (Caito Ortiz), "A Gente" (Aly Muritiba), "A Montanha" (Vicente Ferraz), "Uma Passagem para Mário" (Eric Laurence), "Riocorrente" (Paulo Sacramento), "Rio Cigano" (Julia Zakia) e "Tatuagem" (Hilton Lacerda).
TORNEIO FAMILIAR
Depois de celebrar os 25 anos de sociedade no escritório Chiaparini e Bastos Advogados, Marcos Chiaparini embarca para a Europa. Vai ver o torneio de Roland Garros. Já sua filha Fabiana Chiaparini, 24, representará o Brasil na Olimpíada Universitária, na Rússia.
LÁ EM CASA
O músico uruguaio Jorge Drexler, que está em turnê em São Paulo, fez um show para convidados no projeto Na Cozinha ou No Jardim, da cantora Tiê, na casa dela, anteontem. O cineasta Heitor Dhalia, o cantor Marcelo Jeneci, as apresentadora Marina Person e Roberta Martinelli e a artista Rita Wainer, entre outros, estavam na plateia instalada no jardim.
JOGO DO BICHO
José Wilker, diretor e protagonista de "Giovanni Improtta", esteve na pré-estreia para convidados do longa anteonteom. Os atores André Mattos e Thelmo Fernandes, o cineasta Cacá Diegues, que produz o filme, e o diretor de fotografia Lauro Escorel também compareceram à sessão no shopping Market Place.
CURTO-CIRCUITO
O advogado Pierpaolo Cruz Bottini faz palestra amanhã na 16ª Conferência Anual sobre Crimes Transnacionais, em Miami.
O restaurante Arola Vintetres recebe hoje, às 20h, os chefs Dieter Koschina e Hans Neuner para o jantar Portugal dos Sabores.
Sonho de inverno? - SONIA RACY
ESTADÃO - 16/05
Há quem esteja sugerindo que o ministro Guido Mantega escolha um nome do mercado financeiro para ocupar a vaga aberta por Nelson Barbosa na secretaria executiva do Ministério.
Entretanto, segundo fontes privadas ouvidas ontem, isso implicaria em ajuste de rota da política macroeconômica. O que dificilmente acontecerá.
Aviso aos navegantes
Nelson Barbosa era a favor de afrouxamento fiscal – coisa que Mantega é contra.
Black smoke
A indústria tabagista terá de atualizar as imagens de advertência nos maços de cigarro – que passarão a exibir o novo número do Disque Saúde, 136.
A resolução da Anvisa foi aprovada terça-feira.
Quero, não
E mais: das dez fotos em uso, uma sairá de circulação e outra terá de ser atualizada porque as modelos não quiseram… renovar contrato.
Triiim
O contrato da Tim com o Corinthians acaba em junho. O clube está prestes a renová-lo, até 2016, por R$ 10 milhões.
Eu sozinho
Conselheiros do CNJ foram surpreendidos com a atitude de Joaquim Barbosa de colocar em pauta sua resolução sobre casamento gay, terça.
O assunto não foi tratado sequer na reunião administrativa da véspera – quando temas polêmicos são discutidos.
Troco
Aliás, depois de Barbosa dizer que advogados acordam tarde, circulou em Brasília foto do presidente do STF… cochilando.
Com a frase: “Acordo cedo, mas durmo no plenário”.
A conferir
Circula reserva da mente: Serra sairá do PSDB até o fim da semana. Às vésperas da eleição de Aécio para a presidência do partido. Consultado, o tucano negou.
Jorge salva
A um dia do fim de Salve Jorge– é, a novela acaba amanhã – a secretaria de Justiça de SP atesta sua influência na população: aumentaram significativamente as denúncias de tráfico de pessoas.
Nos primeiros quatro meses do ano, cresceu 106% o número de pessoas traficadas para exploração sexual ou trabalho escravo, na comparação com o mesmo período do ano passado.
Foram 124 vítimas entre janeiro e abril – 64 a mais do que em 2012.
Divisor na Ásia
Lygia Pape recebe homenagem dupla na Ásia, durante a Art Basel Hong Kong. Amanhã, o centro de arte independente Para/Site promove a performance, idealizada em 1968 pela artista carioca, na Charter Road.
No dia 24, os participantes tomam conta do centro financeiro local, integrando a cidade à poderosa feira de arte suíça.
Contra-mão
Enquanto a Prefeitura apaga grafites pela cidade, a O2 colocou à disposição de grafiteiros três trechos do muro externo da sua sede, na Vila Leopoldina.
Os artistas interessados podem se cadastrar e indicar o trecho do muro que gostariam de pintar.
Pop
Angelina Jolie superou o tema “Síria” em número de procuras no Google depois de revelar ter feito uma mastectomia – segundo o Google Trends.
Na frente
Na corrida para ser o candidato do PMDB ao governo de SP, Paulo Skafganha espaço na Globo. Ele é um dos convidados do Esquenta, de Regina Casé, em homenagem aos 20 anos do AfroReggae. Gravou ontem, no Rio.
Jaime Pinsky lança o livro Por que Gostamos de História, dia 10, na Cultura do Conjunto Nacional. Entre os temas, a diferenciação do trabalho do historiador e do jornalista.
Ferretti Group arma coquetel para lançar a revista Universo Ferretti. Hoje, na Tools and Toys.
Meire de Oliveira lança livro. Dia 16, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.
E os moradores do Morumbi devem surpreender Fernando Haddad hoje. Ao tomarem conhecimento de que o prefeito vai almoçar no Jockey, se organizaram para fazer – in loco – um protesto contra a arena de shows que lá está
sendo construída.
Há quem esteja sugerindo que o ministro Guido Mantega escolha um nome do mercado financeiro para ocupar a vaga aberta por Nelson Barbosa na secretaria executiva do Ministério.
Entretanto, segundo fontes privadas ouvidas ontem, isso implicaria em ajuste de rota da política macroeconômica. O que dificilmente acontecerá.
Aviso aos navegantes
Nelson Barbosa era a favor de afrouxamento fiscal – coisa que Mantega é contra.
Black smoke
A indústria tabagista terá de atualizar as imagens de advertência nos maços de cigarro – que passarão a exibir o novo número do Disque Saúde, 136.
A resolução da Anvisa foi aprovada terça-feira.
Quero, não
E mais: das dez fotos em uso, uma sairá de circulação e outra terá de ser atualizada porque as modelos não quiseram… renovar contrato.
Triiim
O contrato da Tim com o Corinthians acaba em junho. O clube está prestes a renová-lo, até 2016, por R$ 10 milhões.
Eu sozinho
Conselheiros do CNJ foram surpreendidos com a atitude de Joaquim Barbosa de colocar em pauta sua resolução sobre casamento gay, terça.
O assunto não foi tratado sequer na reunião administrativa da véspera – quando temas polêmicos são discutidos.
Troco
Aliás, depois de Barbosa dizer que advogados acordam tarde, circulou em Brasília foto do presidente do STF… cochilando.
Com a frase: “Acordo cedo, mas durmo no plenário”.
A conferir
Circula reserva da mente: Serra sairá do PSDB até o fim da semana. Às vésperas da eleição de Aécio para a presidência do partido. Consultado, o tucano negou.
Jorge salva
A um dia do fim de Salve Jorge– é, a novela acaba amanhã – a secretaria de Justiça de SP atesta sua influência na população: aumentaram significativamente as denúncias de tráfico de pessoas.
Nos primeiros quatro meses do ano, cresceu 106% o número de pessoas traficadas para exploração sexual ou trabalho escravo, na comparação com o mesmo período do ano passado.
Foram 124 vítimas entre janeiro e abril – 64 a mais do que em 2012.
Divisor na Ásia
Lygia Pape recebe homenagem dupla na Ásia, durante a Art Basel Hong Kong. Amanhã, o centro de arte independente Para/Site promove a performance, idealizada em 1968 pela artista carioca, na Charter Road.
No dia 24, os participantes tomam conta do centro financeiro local, integrando a cidade à poderosa feira de arte suíça.
Contra-mão
Enquanto a Prefeitura apaga grafites pela cidade, a O2 colocou à disposição de grafiteiros três trechos do muro externo da sua sede, na Vila Leopoldina.
Os artistas interessados podem se cadastrar e indicar o trecho do muro que gostariam de pintar.
Pop
Angelina Jolie superou o tema “Síria” em número de procuras no Google depois de revelar ter feito uma mastectomia – segundo o Google Trends.
Na frente
Na corrida para ser o candidato do PMDB ao governo de SP, Paulo Skafganha espaço na Globo. Ele é um dos convidados do Esquenta, de Regina Casé, em homenagem aos 20 anos do AfroReggae. Gravou ontem, no Rio.
Jaime Pinsky lança o livro Por que Gostamos de História, dia 10, na Cultura do Conjunto Nacional. Entre os temas, a diferenciação do trabalho do historiador e do jornalista.
Ferretti Group arma coquetel para lançar a revista Universo Ferretti. Hoje, na Tools and Toys.
Meire de Oliveira lança livro. Dia 16, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.
E os moradores do Morumbi devem surpreender Fernando Haddad hoje. Ao tomarem conhecimento de que o prefeito vai almoçar no Jockey, se organizaram para fazer – in loco – um protesto contra a arena de shows que lá está
sendo construída.
Abusos e incompetência - CONTARDO CALLIGARIS
FOLHA DE SP - 16/05
Idealizamos a inocência da infância: só podemos manipular as denúncias de abuso feitas por crianças
Uma vez, fui contaminado pelo transtorno de um paciente. Aconteceu muitos anos atrás, em Paris. Um jovem era aterrorizado pela possibilidade de ser acusado de um crime com o qual ele não teria nada a ver. Incapaz de provar sua inocência, ele passaria a vida preso ou se escondendo.
Apesar de meus esforços, as fantasias de meu paciente permaneceram frequentes e assustadoras --apenas se tornaram mais ativas.
Ou seja, em vez de se ver mofando numa prisão ou num esconderijo, o jovem passou a imaginar que lutaria para provar sua inocência --como o Dr. Kimble, acusado do assassinato de sua mulher em "O Fugitivo", série televisiva dos anos 1960, que o paciente não conhecia, mas da qual eu me lembrava bem (o filme homônimo, que retomou a história, só chegou em 1993).
O medo de meu paciente encontrou um terreno fértil na minha desconfiança anarquista dos poderes constituídos. Ainda hoje, a ideia de ser a vítima indefesa da Justiça de um Estado não me faz rir.
Por causa disso, custei para assistir ao filme "A Caça", de Thomas Vinterberg. Sabia que era imperdível, mas tentava evitar o mal-estar que me produziria o espetáculo do sofrimento de Lucas, injustamente acusado de abusar sexualmente de uma criança.
Ora, ao longo do filme, ri repetidamente, e não foi "de nervoso". Os outros espectadores devem ter achado que havia um louco na sala. Mas era incontrolável: a incompetência da diretora da escolinha, do psicólogo que vai "ajudá-la" e dos pais eram verídicas, terrificantes e criminosas, mas estúpidas a ponto de ser cômicas.
O filme, aliás, deveria ser matéria de ensino nas faculdades de psicologia e nas escolas de polícia, com o pedido de que os alunos reparem os erros primários de educadores e outros adultos.
Em tese, deveríamos ter aprendido alguma coisa com tragédias jurídicas dos anos 1980 e 1990, em que crianças foram sugestionadas e manipuladas por pais e autoridades a ponto de formular coletivamente fantásticas acusações de abuso.
Houve as crianças "lambendo manteiga de amendoim no sexo da professora", na Wee Care Nursery School, em Nova Jersey, e a "Kombi-motel na escolinha do sexo", na Escola Base, em São Paulo.
Desde então, em alguns lugares do mundo, foi criada uma especialidade acadêmica em interrogatório de menores supostamente abusados. Aconselha-se que o interrogatório seja sempre por uma pessoa só (e filmado usando um espelho falso). Pede-se um teste específico que verifique o entendimento pela criança da relação entre verdade e mentira.
O entrevistador não deveria ter NENHUM conhecimento prévio da acusação. O uso de bonecos para mostrar como foi o abuso é considerado perigosamente lúdico. Enfim, a preferência é para entrevistas rigorosamente estruturadas, com perguntas preestabelecidas e, portanto, menos sugestivas.
Mesmo assim, ainda hoje, muitos textos básicos sobre interrogatório de crianças começam com a observação de que elas são relutantes a falar de abuso sexual. Só depois, e nem sempre, observa-se que, às vezes, as crianças se servem de acusações de abuso como meio de expressão: por exemplo, para assinalar aos adultos que elas podem ser desejáveis ou, justamente, para se vingar de um adulto que não foi seduzido por elas.
Não sei o que acontece, hoje, nas nossas delegacias especializadas, mas, de qualquer forma, nossa cultura é destinada a manipular a denúncia infantil de abuso.
Negamos a sexualidade infantil e idealizamos a inocência (e a "sinceridade") das crianças: só nos resta linchar os supostos abusadores antes que os detalhes dos casos nos revelem que a infância não é aquela terra dos anjos com a qual insistimos em sonhar.
No filme (e na vida real), é proposta aos pais uma lista de sintomas que indicariam que uma criança está sendo exposta a um trauma.
É fácil imaginar os efeitos da lista nos pais, assim como é fácil entender sua inutilidade: a sexualidade não é o efeito de um desenvolvimento interno e autógeno, ela é sempre efeito de traumas.
A menina de "A Caça" não foi abusada pelo homem que ela acusa, mas não lhe faltam traumas com os quais (graças aos quais?) "crescer". Trauma é a própria rejeição por Lucas, que lhe faz inventar que Lucas a deseja. Trauma é a pornografia no iPad dos amigos do irmão. Trauma é o questionamento pela corte de idiotas que a interrogam e sobre quem, manifestamente, ela deve se perguntar: mas o que será que eles realmente querem de mim?
Idealizamos a inocência da infância: só podemos manipular as denúncias de abuso feitas por crianças
Uma vez, fui contaminado pelo transtorno de um paciente. Aconteceu muitos anos atrás, em Paris. Um jovem era aterrorizado pela possibilidade de ser acusado de um crime com o qual ele não teria nada a ver. Incapaz de provar sua inocência, ele passaria a vida preso ou se escondendo.
Apesar de meus esforços, as fantasias de meu paciente permaneceram frequentes e assustadoras --apenas se tornaram mais ativas.
Ou seja, em vez de se ver mofando numa prisão ou num esconderijo, o jovem passou a imaginar que lutaria para provar sua inocência --como o Dr. Kimble, acusado do assassinato de sua mulher em "O Fugitivo", série televisiva dos anos 1960, que o paciente não conhecia, mas da qual eu me lembrava bem (o filme homônimo, que retomou a história, só chegou em 1993).
O medo de meu paciente encontrou um terreno fértil na minha desconfiança anarquista dos poderes constituídos. Ainda hoje, a ideia de ser a vítima indefesa da Justiça de um Estado não me faz rir.
Por causa disso, custei para assistir ao filme "A Caça", de Thomas Vinterberg. Sabia que era imperdível, mas tentava evitar o mal-estar que me produziria o espetáculo do sofrimento de Lucas, injustamente acusado de abusar sexualmente de uma criança.
Ora, ao longo do filme, ri repetidamente, e não foi "de nervoso". Os outros espectadores devem ter achado que havia um louco na sala. Mas era incontrolável: a incompetência da diretora da escolinha, do psicólogo que vai "ajudá-la" e dos pais eram verídicas, terrificantes e criminosas, mas estúpidas a ponto de ser cômicas.
O filme, aliás, deveria ser matéria de ensino nas faculdades de psicologia e nas escolas de polícia, com o pedido de que os alunos reparem os erros primários de educadores e outros adultos.
Em tese, deveríamos ter aprendido alguma coisa com tragédias jurídicas dos anos 1980 e 1990, em que crianças foram sugestionadas e manipuladas por pais e autoridades a ponto de formular coletivamente fantásticas acusações de abuso.
Houve as crianças "lambendo manteiga de amendoim no sexo da professora", na Wee Care Nursery School, em Nova Jersey, e a "Kombi-motel na escolinha do sexo", na Escola Base, em São Paulo.
Desde então, em alguns lugares do mundo, foi criada uma especialidade acadêmica em interrogatório de menores supostamente abusados. Aconselha-se que o interrogatório seja sempre por uma pessoa só (e filmado usando um espelho falso). Pede-se um teste específico que verifique o entendimento pela criança da relação entre verdade e mentira.
O entrevistador não deveria ter NENHUM conhecimento prévio da acusação. O uso de bonecos para mostrar como foi o abuso é considerado perigosamente lúdico. Enfim, a preferência é para entrevistas rigorosamente estruturadas, com perguntas preestabelecidas e, portanto, menos sugestivas.
Mesmo assim, ainda hoje, muitos textos básicos sobre interrogatório de crianças começam com a observação de que elas são relutantes a falar de abuso sexual. Só depois, e nem sempre, observa-se que, às vezes, as crianças se servem de acusações de abuso como meio de expressão: por exemplo, para assinalar aos adultos que elas podem ser desejáveis ou, justamente, para se vingar de um adulto que não foi seduzido por elas.
Não sei o que acontece, hoje, nas nossas delegacias especializadas, mas, de qualquer forma, nossa cultura é destinada a manipular a denúncia infantil de abuso.
Negamos a sexualidade infantil e idealizamos a inocência (e a "sinceridade") das crianças: só nos resta linchar os supostos abusadores antes que os detalhes dos casos nos revelem que a infância não é aquela terra dos anjos com a qual insistimos em sonhar.
No filme (e na vida real), é proposta aos pais uma lista de sintomas que indicariam que uma criança está sendo exposta a um trauma.
É fácil imaginar os efeitos da lista nos pais, assim como é fácil entender sua inutilidade: a sexualidade não é o efeito de um desenvolvimento interno e autógeno, ela é sempre efeito de traumas.
A menina de "A Caça" não foi abusada pelo homem que ela acusa, mas não lhe faltam traumas com os quais (graças aos quais?) "crescer". Trauma é a própria rejeição por Lucas, que lhe faz inventar que Lucas a deseja. Trauma é a pornografia no iPad dos amigos do irmão. Trauma é o questionamento pela corte de idiotas que a interrogam e sobre quem, manifestamente, ela deve se perguntar: mas o que será que eles realmente querem de mim?
Castelo de cartas - CORA RÓNAI
O GLOBO - 16/05
Se a série fosse um filme e eu estivesse escrevendo uma crítica, daria um Bonequinho aplaudindo sentado
Frank Underwood, líder do governo no Congresso, é um homem poderoso. Ajudou a eleger o presidente dos Estados Unidos e esperava ser, em troca, o próximo Secretário de Estado. Pouco antes da posse, porém, foi despachado sumariamente pela futura chefe de gabinete: o presidente eleito estava ocupado demais para dar-lhe a má notícia em pessoa. Grave erro! Naquele momento, Underwood decidiu dedicar toda a sua energia a sabotar a administração.
Frank Underwood é Kevin Spacey, protagonista da série “House of cards”. É um personagem shakespeariano na ambição, na falta de escrúpulos e na capacidade de manipular pessoas. O roteiro não esconde o jogo. Assim que o conhecemos, ele estrangula o cachorro do vizinho, que foi atropelado; antes do fim do primeiro episódio, tantas terá feito que se provará digno do congresso brasileiro. Apesar disso, torcemos por ele. Mérito de Kevin Spacey, que é um ator extraordinário, e da trama, emprestada de uma série inglesa que, com o mesmo nome, fez sucesso há coisa de vinte anos. Para quem tiver curiosidade em conferir: basta procurar por “House of cards + UK” no YouTube. São quatro episódios e todos estão lá.
A nova “House of cards” é uma série original da Netflix, que até outro dia era apenas locadora. Ela foi lançada de forma curiosa: em vez de apresentar um episódio por semana, a produtora disponibilizou logo toda a primeira temporada, composta de 13 episódios. Com isso, confundiu a imprensa especializada dos Estados Unidos, que até agora não sabe muito bem como reagir a uma série em bloco. Como escrever sobre episódios que ninguém sabe quando serão vistos? Como comentar o que acontece ao longo dos vários episódios sem estragar a surpresa de quem ainda não os assistiu?
O resultado é que a forma de lançamento de “House of cards” mereceu tanto espaço nos jornais e nas revistas quanto o seu conteúdo. Ela não representa propriamente uma nova forma de ver televisão, já que assistir a temporadas inteiras de uma vez é hábito consagrado por espectadores do mundo inteiro. Mas ela talvez represente uma nova forma de conversar sobre televisão: afinal, quando a turma da maratona chega às coleções completas das séries tradicionais em DVD, cada episódio já foi devidamente destrinchado e analisado a seu tempo. O que fazer, porém, com um monte de episódios sem tempo?
Nós, brasileiros, que volta e meia recebemos seriados muito depois do lançamento, já estamos mais acostumados a lidar com uma profusão de episódios. Ainda assim, a título de comparação, o que faríamos se todos os capítulos de uma novela inédita ficassem disponíveis simultaneamente? Por onde começaríamos a conversa?
Há quem ache que a estratégia da Netflix foi equivocada. Lançando toda a série de uma vez, ela teria perdido a onda que põe as séries tradicionais em evidência na imprensa e nas redes sociais, semana após semana, e, em tese, ajuda a consolidar a audiência. Não tenho tanta certeza disso. Acho que as séries semanais precisam da divulgação para garantir a audiência de um episódio ao outro; já uma que chega em bloco só depende de si mesma.
Ao apresentar os 13 episódios de “House of cards” por atacado, a Netflix ganhou em dramaturgia e em agilidade. Não precisou de flashbacks nem de resuminhos dos capítulos anteriores, uma vez que tudo estava bem fresco na cabeça de quem assistiu. Como espectadora, só tenho elogios para o sistema: não tenho paciência para assistir a séries aos pedaços. Prefiro assim, como se estivesse assistindo a um filme muuuuuito comprido, com um breve intervalo a cada hora.
Frank Underwood é casado com Claire, uma loura gelada e calculista interpretada por Robin Wright, que me pareceu vagamente familiar. Claro: ela foi a princesa Buttercup em “A princesa prometida”, um dos meus filmes favoritos. A diferença é que no filme ela era péssima, e na série está esplêndida. Kate Mara, que faz a jornalista Zoe Barnes, também está ótima (só não entendi por que mora naquele muquifo: não é uma moça de sucesso?). O elenco é um dos pontos fortes de “House of cards”; a produção é outro. Se a série fosse um filme e eu estivesse escrevendo uma crítica, daria um Bonequinho aplaudindo sentado.
(Se você ainda não assistiu e não gosta de spoilers, pare a leitura aqui: a gente se encontra de novo na quinta que vem.)
Apesar de ter visto os 13 episódios com prazer, impliquei com dois pontos do roteiro. Frank Underwood é bem articulado demais para que a bobagem que diz na entrevista com a CNN seja plausível; ele também não precisaria matar Peter Russo. O assassinato foi uma solução fácil demais para um vilão tão inteligente e sofisticado; Underwood não precisaria dar cabo de ninguém com as próprias mãos para que soubéssemos como é mau. O fato de que nada o detém já tinha ficado bastante claro. Sublinhá-lo de forma tão óbvia é subestimar o espectador. Se eu estivesse acompanhando “House of cards” em capítulos semanais, teria desistido aí. Felizmente os dois últimos episódios crescem quando Frank encontra no milionário Raymond Tusk (Gerald McRaney) um oponente à sua altura. Que venha a segunda temporada!
Se a série fosse um filme e eu estivesse escrevendo uma crítica, daria um Bonequinho aplaudindo sentado
Frank Underwood, líder do governo no Congresso, é um homem poderoso. Ajudou a eleger o presidente dos Estados Unidos e esperava ser, em troca, o próximo Secretário de Estado. Pouco antes da posse, porém, foi despachado sumariamente pela futura chefe de gabinete: o presidente eleito estava ocupado demais para dar-lhe a má notícia em pessoa. Grave erro! Naquele momento, Underwood decidiu dedicar toda a sua energia a sabotar a administração.
Frank Underwood é Kevin Spacey, protagonista da série “House of cards”. É um personagem shakespeariano na ambição, na falta de escrúpulos e na capacidade de manipular pessoas. O roteiro não esconde o jogo. Assim que o conhecemos, ele estrangula o cachorro do vizinho, que foi atropelado; antes do fim do primeiro episódio, tantas terá feito que se provará digno do congresso brasileiro. Apesar disso, torcemos por ele. Mérito de Kevin Spacey, que é um ator extraordinário, e da trama, emprestada de uma série inglesa que, com o mesmo nome, fez sucesso há coisa de vinte anos. Para quem tiver curiosidade em conferir: basta procurar por “House of cards + UK” no YouTube. São quatro episódios e todos estão lá.
A nova “House of cards” é uma série original da Netflix, que até outro dia era apenas locadora. Ela foi lançada de forma curiosa: em vez de apresentar um episódio por semana, a produtora disponibilizou logo toda a primeira temporada, composta de 13 episódios. Com isso, confundiu a imprensa especializada dos Estados Unidos, que até agora não sabe muito bem como reagir a uma série em bloco. Como escrever sobre episódios que ninguém sabe quando serão vistos? Como comentar o que acontece ao longo dos vários episódios sem estragar a surpresa de quem ainda não os assistiu?
O resultado é que a forma de lançamento de “House of cards” mereceu tanto espaço nos jornais e nas revistas quanto o seu conteúdo. Ela não representa propriamente uma nova forma de ver televisão, já que assistir a temporadas inteiras de uma vez é hábito consagrado por espectadores do mundo inteiro. Mas ela talvez represente uma nova forma de conversar sobre televisão: afinal, quando a turma da maratona chega às coleções completas das séries tradicionais em DVD, cada episódio já foi devidamente destrinchado e analisado a seu tempo. O que fazer, porém, com um monte de episódios sem tempo?
Nós, brasileiros, que volta e meia recebemos seriados muito depois do lançamento, já estamos mais acostumados a lidar com uma profusão de episódios. Ainda assim, a título de comparação, o que faríamos se todos os capítulos de uma novela inédita ficassem disponíveis simultaneamente? Por onde começaríamos a conversa?
Há quem ache que a estratégia da Netflix foi equivocada. Lançando toda a série de uma vez, ela teria perdido a onda que põe as séries tradicionais em evidência na imprensa e nas redes sociais, semana após semana, e, em tese, ajuda a consolidar a audiência. Não tenho tanta certeza disso. Acho que as séries semanais precisam da divulgação para garantir a audiência de um episódio ao outro; já uma que chega em bloco só depende de si mesma.
Ao apresentar os 13 episódios de “House of cards” por atacado, a Netflix ganhou em dramaturgia e em agilidade. Não precisou de flashbacks nem de resuminhos dos capítulos anteriores, uma vez que tudo estava bem fresco na cabeça de quem assistiu. Como espectadora, só tenho elogios para o sistema: não tenho paciência para assistir a séries aos pedaços. Prefiro assim, como se estivesse assistindo a um filme muuuuuito comprido, com um breve intervalo a cada hora.
Frank Underwood é casado com Claire, uma loura gelada e calculista interpretada por Robin Wright, que me pareceu vagamente familiar. Claro: ela foi a princesa Buttercup em “A princesa prometida”, um dos meus filmes favoritos. A diferença é que no filme ela era péssima, e na série está esplêndida. Kate Mara, que faz a jornalista Zoe Barnes, também está ótima (só não entendi por que mora naquele muquifo: não é uma moça de sucesso?). O elenco é um dos pontos fortes de “House of cards”; a produção é outro. Se a série fosse um filme e eu estivesse escrevendo uma crítica, daria um Bonequinho aplaudindo sentado.
(Se você ainda não assistiu e não gosta de spoilers, pare a leitura aqui: a gente se encontra de novo na quinta que vem.)
Apesar de ter visto os 13 episódios com prazer, impliquei com dois pontos do roteiro. Frank Underwood é bem articulado demais para que a bobagem que diz na entrevista com a CNN seja plausível; ele também não precisaria matar Peter Russo. O assassinato foi uma solução fácil demais para um vilão tão inteligente e sofisticado; Underwood não precisaria dar cabo de ninguém com as próprias mãos para que soubéssemos como é mau. O fato de que nada o detém já tinha ficado bastante claro. Sublinhá-lo de forma tão óbvia é subestimar o espectador. Se eu estivesse acompanhando “House of cards” em capítulos semanais, teria desistido aí. Felizmente os dois últimos episódios crescem quando Frank encontra no milionário Raymond Tusk (Gerald McRaney) um oponente à sua altura. Que venha a segunda temporada!
Dois Joaquins - EUGÊNIO BUCCI
ESTADÃO - 16/05
Anteontem, em Brasília, durante reunião do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Joaquim Barbosa, que preside o órgão, fez mais uma de suas piadinhas contra os advogados. Ao discutir a norma adotada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo estabelecendo que o horário de atendimento só comece às 11 da manhã, disparou: "Mas a maioria dos advogados não acorda lá pelas 11 horas mesmo?".
A brincadeira ficou sem resposta. De poucos meses para cá, nas ocasiões mais inesperadas, o célebre relator do processo do mensalão (oficialmente chamado Ação Penal 470), que em novembro assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal, alfineta, perfura ou esquarteja a imagem e a paciência dos causídicos. Entre uma risadinha e um resmungo, vai fixando seu estilo singular de proferir observações que atordoam o interlocutor. Sobra até para jornalistas. Em 5 de março, abespinhado com as perguntas dos profissionais da imprensa, ofendeu um repórter deste jornal com o seguinte disparate: "Me deixa em paz, rapaz. Me deixa em paz. Vá chafurdar no lixo como você faz sempre. Estou pedindo, me deixe em paz. Já disse várias vezes ao senhor".
Depois, ainda bem, pediu desculpas, alegando que estava cansado e com dores nas costas. Desculpas aceitas, o Estado preferiu não encompridar o mal-estar e, como de costume, o excesso togado foi relevado. Ficou por isso mesmo.
Aqui, no Brasil, Joaquim Barbosa conta com o respeito dos advogados, dos repórteres, dos foliões de carnaval que se divertem com máscaras que reproduzem seu rosto implacável. Em terras estrangeiras também arrasa: em abril a revista Time elegeu-o como uma das cem personalidades mais influentes do planeta. Só que tem isto: o homem perde a calma com enorme facilidade. Olhos apertados, cenho tenso, por vezes um esgar vem retesar-lhe a boca. Pronto: a coluna vertebral o incomoda. A deusa Têmis sua frio. Dali pode sair um desaforo de uma hora para outra.
Mesmo assim, o ministro tornou-se o astro-rei político da imprensa brasileira. É um herói nacional. Tem admiradores em todas as classes, é aclamado em lugares públicos. Se quisesse, teria eleitores aos milhões. Sua conduta inflexível durante o julgamento da Ação Penal 470 lhe rendeu essa aura redentora, mais que de juiz, de justiceiro. A imagem de Joaquim Barbosa é a de um magistrado sanguíneo, inabalável. Se isso é bom ou ruim ainda não se sabe. O que se sabe, com toda a certeza, é que seu nome virou símbolo de credibilidade e de firmeza, enaltecido e festejado pelos órgãos de imprensa mais tradicionais e mais sérios do País.
Eis aí o primeiro Joaquim Barbosa: um juiz bravo, preparado, rabugento e honesto. Desempenhou um papel tão central na construção da altivez da Justiça brasileira que todos os seus destemperos estão perdoados por antecipação.
Mas há um outro Joaquim Barbosa. Se o primeiro já é bem complicado, o segundo talvez seja uma equação ainda mais intrincada, de mais difícil solução. Este não gosta muito da imprensa que celebrizou o primeiro: anda dizendo que é uma imprensa de direita. Traduzindo: o amor dos veículos de comunicação por Joaquim Barbosa parece que não é correspondido.
No início do mês ele compareceu a um seminário sobre liberdade de imprensa organizado pela Unesco em San José, na Costa Rica. Em sua conferência, lida em inglês, criticou a falta de "pluralismo" e a "fraca diversidade ideológica" dos "três principais jornais nacionais impressos" brasileiros, "todos mais ou menos inclinados para a direita no campo das ideias".
Também falou sobre racismo: "No Brasil, negros e mulatos representam de 50% a 51% do total da população, mas não brancos são bem raros nas redações, nas telas de TV, sem mencionar a quase abstenção deles nas posições de controle ou liderança na maioria dos veículos de comunicações. É quase como se eles não existissem no mercado de ideias".
Em tempo, o presidente do Supremo avisou que falava na condição de "cidadão livre e consciente", procurando separar com rigor a sua visão pessoal das suas decisões de magistrado. A preocupação procede. Mesmo assim, é nesta altura que a equação do segundo Joaquim Barbosa mergulha num contorcionismo dialético labiríntico. Se ele está correto no diagnóstico que faz dos jornais brasileiros, somos obrigados a concordar que o primeiro Joaquim Barbosa é um ídolo da direita, uma direita à qual o segundo Joaquim Barbosa diz faltar pluralidade de opinião e diversidade étnica. Logo, o segundo Joaquim Barbosa é contra o culto do primeiro Joaquim Barbosa, pois ele vem de uma imprensa distorcida, parcial.
Mais: se ele reclama das "inclinações à direita" que enxerga nos jornais, isso significa que o segundo Joaquim Barbosa, "cidadão livre e consciente", tem uma inclinação de esquerda. Ao que você, leitor, vai perguntar: "Mas como pode ser? Então, quer dizer que o grande responsável pela condenação dos réus do mensalão - muitos dos quais se declaram de esquerda - é ele mesmo de esquerda? E votou como a direita gostaria que ele votasse?"
As respostas para isso existem, mas elas nos levariam a outras dialéticas distantes, que aqui não vêm ao caso. O Brasil é assim mesmo: ministros da Corte Suprema, como outras autoridades da República, atuam como críticos de mídia. De resto, que há uma "inclinação à direita" na área de opinião dos "principais jornais" brasileiros já sabemos há tempos. De seu lado, os próprios "principais jornais" acharam por bem não perder muitas linhas com o media criticism do segundo Joaquim, pois talvez isso também fosse uma pirraça raivosa a deixar para lá.
É bem verdade que poderíamos ter jornais melhores, mais variados, mais plurais. A vida ficaria ainda mais movimentada: o primeiro Joaquim Barbosa brilharia nos diários inclinados à direita, enquanto o segundo faria a festa dos inclinados à esquerda. Mas esses não existem.
Anteontem, em Brasília, durante reunião do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Joaquim Barbosa, que preside o órgão, fez mais uma de suas piadinhas contra os advogados. Ao discutir a norma adotada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo estabelecendo que o horário de atendimento só comece às 11 da manhã, disparou: "Mas a maioria dos advogados não acorda lá pelas 11 horas mesmo?".
A brincadeira ficou sem resposta. De poucos meses para cá, nas ocasiões mais inesperadas, o célebre relator do processo do mensalão (oficialmente chamado Ação Penal 470), que em novembro assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal, alfineta, perfura ou esquarteja a imagem e a paciência dos causídicos. Entre uma risadinha e um resmungo, vai fixando seu estilo singular de proferir observações que atordoam o interlocutor. Sobra até para jornalistas. Em 5 de março, abespinhado com as perguntas dos profissionais da imprensa, ofendeu um repórter deste jornal com o seguinte disparate: "Me deixa em paz, rapaz. Me deixa em paz. Vá chafurdar no lixo como você faz sempre. Estou pedindo, me deixe em paz. Já disse várias vezes ao senhor".
Depois, ainda bem, pediu desculpas, alegando que estava cansado e com dores nas costas. Desculpas aceitas, o Estado preferiu não encompridar o mal-estar e, como de costume, o excesso togado foi relevado. Ficou por isso mesmo.
Aqui, no Brasil, Joaquim Barbosa conta com o respeito dos advogados, dos repórteres, dos foliões de carnaval que se divertem com máscaras que reproduzem seu rosto implacável. Em terras estrangeiras também arrasa: em abril a revista Time elegeu-o como uma das cem personalidades mais influentes do planeta. Só que tem isto: o homem perde a calma com enorme facilidade. Olhos apertados, cenho tenso, por vezes um esgar vem retesar-lhe a boca. Pronto: a coluna vertebral o incomoda. A deusa Têmis sua frio. Dali pode sair um desaforo de uma hora para outra.
Mesmo assim, o ministro tornou-se o astro-rei político da imprensa brasileira. É um herói nacional. Tem admiradores em todas as classes, é aclamado em lugares públicos. Se quisesse, teria eleitores aos milhões. Sua conduta inflexível durante o julgamento da Ação Penal 470 lhe rendeu essa aura redentora, mais que de juiz, de justiceiro. A imagem de Joaquim Barbosa é a de um magistrado sanguíneo, inabalável. Se isso é bom ou ruim ainda não se sabe. O que se sabe, com toda a certeza, é que seu nome virou símbolo de credibilidade e de firmeza, enaltecido e festejado pelos órgãos de imprensa mais tradicionais e mais sérios do País.
Eis aí o primeiro Joaquim Barbosa: um juiz bravo, preparado, rabugento e honesto. Desempenhou um papel tão central na construção da altivez da Justiça brasileira que todos os seus destemperos estão perdoados por antecipação.
Mas há um outro Joaquim Barbosa. Se o primeiro já é bem complicado, o segundo talvez seja uma equação ainda mais intrincada, de mais difícil solução. Este não gosta muito da imprensa que celebrizou o primeiro: anda dizendo que é uma imprensa de direita. Traduzindo: o amor dos veículos de comunicação por Joaquim Barbosa parece que não é correspondido.
No início do mês ele compareceu a um seminário sobre liberdade de imprensa organizado pela Unesco em San José, na Costa Rica. Em sua conferência, lida em inglês, criticou a falta de "pluralismo" e a "fraca diversidade ideológica" dos "três principais jornais nacionais impressos" brasileiros, "todos mais ou menos inclinados para a direita no campo das ideias".
Também falou sobre racismo: "No Brasil, negros e mulatos representam de 50% a 51% do total da população, mas não brancos são bem raros nas redações, nas telas de TV, sem mencionar a quase abstenção deles nas posições de controle ou liderança na maioria dos veículos de comunicações. É quase como se eles não existissem no mercado de ideias".
Em tempo, o presidente do Supremo avisou que falava na condição de "cidadão livre e consciente", procurando separar com rigor a sua visão pessoal das suas decisões de magistrado. A preocupação procede. Mesmo assim, é nesta altura que a equação do segundo Joaquim Barbosa mergulha num contorcionismo dialético labiríntico. Se ele está correto no diagnóstico que faz dos jornais brasileiros, somos obrigados a concordar que o primeiro Joaquim Barbosa é um ídolo da direita, uma direita à qual o segundo Joaquim Barbosa diz faltar pluralidade de opinião e diversidade étnica. Logo, o segundo Joaquim Barbosa é contra o culto do primeiro Joaquim Barbosa, pois ele vem de uma imprensa distorcida, parcial.
Mais: se ele reclama das "inclinações à direita" que enxerga nos jornais, isso significa que o segundo Joaquim Barbosa, "cidadão livre e consciente", tem uma inclinação de esquerda. Ao que você, leitor, vai perguntar: "Mas como pode ser? Então, quer dizer que o grande responsável pela condenação dos réus do mensalão - muitos dos quais se declaram de esquerda - é ele mesmo de esquerda? E votou como a direita gostaria que ele votasse?"
As respostas para isso existem, mas elas nos levariam a outras dialéticas distantes, que aqui não vêm ao caso. O Brasil é assim mesmo: ministros da Corte Suprema, como outras autoridades da República, atuam como críticos de mídia. De resto, que há uma "inclinação à direita" na área de opinião dos "principais jornais" brasileiros já sabemos há tempos. De seu lado, os próprios "principais jornais" acharam por bem não perder muitas linhas com o media criticism do segundo Joaquim, pois talvez isso também fosse uma pirraça raivosa a deixar para lá.
É bem verdade que poderíamos ter jornais melhores, mais variados, mais plurais. A vida ficaria ainda mais movimentada: o primeiro Joaquim Barbosa brilharia nos diários inclinados à direita, enquanto o segundo faria a festa dos inclinados à esquerda. Mas esses não existem.
Eles só agem sob pressão - JORGE MARANHÃO
O GLOBO - 16/05
Os jornais noticiam diariamente o espetáculo de terror encenado pelos ônibus no trânsito da cidade, avançando sinais, parando fora do ponto, ignorando chamadas de passageiros, soltando-os no meio da rua, ultrapassando outros ônibus em fila dupla e tripla, usando acelerador como buzina, quando não jogam o tamanho de sua covardia de um Golias de aço contra um David ciclista em cima de sua magrela, com total destemor e certos de sua impunidade. Mas, a despeito disto, ou mesmo por causa disto, têm aumentado as manifestações dos ciclistas contra a impunidade de motoristas e empresas de ônibus do Rio.
Numa delas, testemunhei um dos ciclistas comentando com o outro: enquanto empresas de ônibus financiarem campanhas de políticos nada será feito e todos permanecerão impunes. Surpreendido com a lucidez do ciclista, pensei comigo mesmo: este é o retrato do estado de nossa cidadania, pois temos a mais absoluta consciência das razões últimas de nossa barbárie e achamos que não podemos fazer nada.
Com os códigos de processo penal e civil que temos, apenas uma parcela ínfima das ações propostas se conclui e pode ter suas sentenças cumpridas. Ou seja, ao contrário de outros países de cidadãos politicamente mais atuantes, o crime no Brasil compensa. Para além daquela manifestação, será que aqueles ciclistas cidadãos estavam acompanhando e assinando os manifestos pela reforma política que corriam nas redes sociais, inclusive com propostas específicas contra o financiamento de campanhas eleitorais por empresas? Será que estavam acompanhando também a ação proposta pela OAB ao STF, desde o ano passado, arguindo a inconstitucionalidade das leis que autorizam doações financeiras por empresas a candidatos e a partidos políticos? Ou seja, será que a consciência do nexo das grandes questões políticas nacionais e o fato ali concreto de mais um assassinato de um companheiro não os animaria à ação política contra as causas da impunidade e não apenas contra a mesma?
Afinal, por que os presidentes da Câmara e do Senado, numa única semana, optaram por esvaziar a iniciativa da PEC 33, que queria transferir do Supremo para o Congresso a última palavra em alterações à Constituição? Assim como a PEC 37 que pretendia retirar o poder de investigação do Ministério Público?
Torna-se vital a articulação das organizações da sociedade que monitoram o processo político, pois nossos legisladores só agem sob pressão e só assim rompem o ciclo vicioso da omissão.
Numa delas, testemunhei um dos ciclistas comentando com o outro: enquanto empresas de ônibus financiarem campanhas de políticos nada será feito e todos permanecerão impunes. Surpreendido com a lucidez do ciclista, pensei comigo mesmo: este é o retrato do estado de nossa cidadania, pois temos a mais absoluta consciência das razões últimas de nossa barbárie e achamos que não podemos fazer nada.
Com os códigos de processo penal e civil que temos, apenas uma parcela ínfima das ações propostas se conclui e pode ter suas sentenças cumpridas. Ou seja, ao contrário de outros países de cidadãos politicamente mais atuantes, o crime no Brasil compensa. Para além daquela manifestação, será que aqueles ciclistas cidadãos estavam acompanhando e assinando os manifestos pela reforma política que corriam nas redes sociais, inclusive com propostas específicas contra o financiamento de campanhas eleitorais por empresas? Será que estavam acompanhando também a ação proposta pela OAB ao STF, desde o ano passado, arguindo a inconstitucionalidade das leis que autorizam doações financeiras por empresas a candidatos e a partidos políticos? Ou seja, será que a consciência do nexo das grandes questões políticas nacionais e o fato ali concreto de mais um assassinato de um companheiro não os animaria à ação política contra as causas da impunidade e não apenas contra a mesma?
Afinal, por que os presidentes da Câmara e do Senado, numa única semana, optaram por esvaziar a iniciativa da PEC 33, que queria transferir do Supremo para o Congresso a última palavra em alterações à Constituição? Assim como a PEC 37 que pretendia retirar o poder de investigação do Ministério Público?
Torna-se vital a articulação das organizações da sociedade que monitoram o processo político, pois nossos legisladores só agem sob pressão e só assim rompem o ciclo vicioso da omissão.
Brasil - a visão de um Nobel de Economia - ROBERTO BARBOSA
ESTADÃO - 16/05
Passou pelo Brasil o economista americano Christopher Sims, um dos agraciados com o Nobel de Economia de 2011. Veio para uma conferência e falou ao jornal Valor de 9/5, quando foi indagado sobre a conjuntura macroeconômica brasileira. Foi correto ao responder falando da experiência de seu país e do inter-relacionamento de causas e efeitos subjacentes, assuntos que domina.
Cabe aos brasileiros interpretar o que disse relativamente ao atual quadro macroeconômico nacional. Suas opiniões referendam as predominantes entre economistas brasileiros fora do governo. Mas mesmo nele dissensões foram identificadas, pois um dos principais membros da equipe econômica, Nelson Barbosa, secretário executivo do Ministério da Fazenda, está de saída. Segundo o noticiário, por discordar de aspectos da atual política econômica.
Sims não disse nenhuma novidade, mas como é Prêmio Nobel, e o Brasil sempre gostou de celebridades e do que vem de fora, inclusive opiniões, vale a pena divulgar mais o que disse na esperança de que receba maior atenção.
Afirmou que aqui a situação macroeconômica é a pior possível para quem lida com política econômica. Como se sabe, a economia voltou a dar sinais de estar de novo grávida de uma nova taxinha para seu "Pibão" (recuso-me a me a usar o termo pibinho, pois o nosso PIB é enorme, ainda que não o per capita). Ao mesmo tempo, e isso foi o que atraiu sua atenção, enfrenta desemprego baixo e uma inflação preocupante que vem batendo no teto da meta governamental. E é um teto de hall de entrada, de 6,5% ao ano, bem mais alto que o de países mais preocupados com a inflação, cerca da metade disso.
Períodos de baixo crescimento são usualmente acompanhados de inflação moderada e de desemprego maior. Mas aqui o mercado de trabalho está pressionado por uma oferta que se expande com menor intensidade que no passado. Além disso, a expansão do emprego, que pressiona os salários e a inflação, é mais forte no setor de serviços, no qual a produtividade é mais baixa e cresce muito pouco. Isso pressiona salários e preços não só nesse setor, como em outros. Na indústria esse quadro é outro fator a prejudicar sua fraca competitividade internacional.
Sims assinalou que nos anos 1970 os Estados Unidos enfrentaram situação parecida, pois a inflação era alta e o desemprego, baixo. Mas a preocupação com a inflação preponderou e a opção foi pelo caminho de aceitar momentaneamente o desemprego para controlá-la. Nas suas palavras: "Um ponto que precisamos aceitar é que controlar a inflação pode significar desemprego mais alto temporariamente".
E o que foi feito? Sims argumentou que, embora os juros mais altos tenham influência amortecedora sobre os preços, "(...) essa influência só será duradoura e saudável se combinada com uma política fiscal que assegure o controle do déficit governamental no longo prazo". A ênfase é minha, e note-se que ele não fala do superávit primário, conceito tupiniquim que, entre outros males, aqui serve para esconder o déficit fiscal ou final. Também disse que antes de o governo optar pelo efetivo controle da inflação na década de 70, e também na de 80, houve episódios que reduziram a inflação, mas não de forma sustentável. E assinalou: "Acho que a experiência pode ser explicada, em parte, porque a situação fiscal dos EUA estava em desordem". E mais: "(...) a política monetária pode trazer a inflação para baixo no curto prazo, mas se não há política fiscal apoiando não funciona permanentemente. (...) sem o controle do déficit fiscal no longo prazo, a desconfiança acaba se instalando. (...) se os mercados começarem a duvidar, a política monetária pode criar apenas um alívio temporário da inflação".
Ora, aqui, no Brasil, a ação do governo em matéria de economia só aproveitou a primeira letra desse termo e daí tomou o rumo da eleição de 2014. O efetivo combate à inflação não é prioritário, a taxa de juros teve só um aumentozinho, e talvez tenha outros. Falar de algum impacto negativo, mesmo que transitório, no desemprego é pecado político, pois a transição que interessa é a da eleição. À área fiscal se aplica no presente a avaliação dada por Sims à dos EUA no período que analisou, uma desordem. É de fato um termo apropriado à natureza da política fiscal brasileira: continua expansionista, pois, além de gastar mais e não ajudar a política de juros, é mal administrada e não consegue ampliar os tão necessários investimentos. Essa desordem também inibe investimentos privados, pois gera desconfiança entre quem pensa em realizá-los.
Para concluir, sintetizo minha visão diante do quadro macroeconômico atual. Usando a imagem do tripé macroeconômico - política de metas de inflação centrada na taxa básica de juros, câmbio flutuante e meta de "superávit primário" -, esta última haste claramente ruiu em face da desordem apontada. Carece de substituição por outra com metas de menor déficit fiscal ou final, e de contenção do custeio e ampliação dos investimentos. Sem isso um dos méritos do governo, o de enfrentar a alta taxa básica de juros e os altos "spreads" bancários, não terá sustentação, o mesmo acontecendo com o controle da inflação a juros módicos.
Além disso, a esse tripé precisa ser acoplado um zoom que contemple a visão de uma economia maior no médio prazo, de modo a definir uma estratégia claramente voltada para esse objetivo, e bem articulada nas suas táticas, e não nesse andante e desconexo mexe-mexe setorial de parcos resultados.
O conhecimento acumulado da análise econômica não pode ser ignorado mediante improvisações na montagem desse tripé com zoom. Christopher Sims já se foi, mas que suas lições fiquem e frutifiquem entre os incrédulos nos ensinamentos da teoria e da boa prática da política econômica.
Passou pelo Brasil o economista americano Christopher Sims, um dos agraciados com o Nobel de Economia de 2011. Veio para uma conferência e falou ao jornal Valor de 9/5, quando foi indagado sobre a conjuntura macroeconômica brasileira. Foi correto ao responder falando da experiência de seu país e do inter-relacionamento de causas e efeitos subjacentes, assuntos que domina.
Cabe aos brasileiros interpretar o que disse relativamente ao atual quadro macroeconômico nacional. Suas opiniões referendam as predominantes entre economistas brasileiros fora do governo. Mas mesmo nele dissensões foram identificadas, pois um dos principais membros da equipe econômica, Nelson Barbosa, secretário executivo do Ministério da Fazenda, está de saída. Segundo o noticiário, por discordar de aspectos da atual política econômica.
Sims não disse nenhuma novidade, mas como é Prêmio Nobel, e o Brasil sempre gostou de celebridades e do que vem de fora, inclusive opiniões, vale a pena divulgar mais o que disse na esperança de que receba maior atenção.
Afirmou que aqui a situação macroeconômica é a pior possível para quem lida com política econômica. Como se sabe, a economia voltou a dar sinais de estar de novo grávida de uma nova taxinha para seu "Pibão" (recuso-me a me a usar o termo pibinho, pois o nosso PIB é enorme, ainda que não o per capita). Ao mesmo tempo, e isso foi o que atraiu sua atenção, enfrenta desemprego baixo e uma inflação preocupante que vem batendo no teto da meta governamental. E é um teto de hall de entrada, de 6,5% ao ano, bem mais alto que o de países mais preocupados com a inflação, cerca da metade disso.
Períodos de baixo crescimento são usualmente acompanhados de inflação moderada e de desemprego maior. Mas aqui o mercado de trabalho está pressionado por uma oferta que se expande com menor intensidade que no passado. Além disso, a expansão do emprego, que pressiona os salários e a inflação, é mais forte no setor de serviços, no qual a produtividade é mais baixa e cresce muito pouco. Isso pressiona salários e preços não só nesse setor, como em outros. Na indústria esse quadro é outro fator a prejudicar sua fraca competitividade internacional.
Sims assinalou que nos anos 1970 os Estados Unidos enfrentaram situação parecida, pois a inflação era alta e o desemprego, baixo. Mas a preocupação com a inflação preponderou e a opção foi pelo caminho de aceitar momentaneamente o desemprego para controlá-la. Nas suas palavras: "Um ponto que precisamos aceitar é que controlar a inflação pode significar desemprego mais alto temporariamente".
E o que foi feito? Sims argumentou que, embora os juros mais altos tenham influência amortecedora sobre os preços, "(...) essa influência só será duradoura e saudável se combinada com uma política fiscal que assegure o controle do déficit governamental no longo prazo". A ênfase é minha, e note-se que ele não fala do superávit primário, conceito tupiniquim que, entre outros males, aqui serve para esconder o déficit fiscal ou final. Também disse que antes de o governo optar pelo efetivo controle da inflação na década de 70, e também na de 80, houve episódios que reduziram a inflação, mas não de forma sustentável. E assinalou: "Acho que a experiência pode ser explicada, em parte, porque a situação fiscal dos EUA estava em desordem". E mais: "(...) a política monetária pode trazer a inflação para baixo no curto prazo, mas se não há política fiscal apoiando não funciona permanentemente. (...) sem o controle do déficit fiscal no longo prazo, a desconfiança acaba se instalando. (...) se os mercados começarem a duvidar, a política monetária pode criar apenas um alívio temporário da inflação".
Ora, aqui, no Brasil, a ação do governo em matéria de economia só aproveitou a primeira letra desse termo e daí tomou o rumo da eleição de 2014. O efetivo combate à inflação não é prioritário, a taxa de juros teve só um aumentozinho, e talvez tenha outros. Falar de algum impacto negativo, mesmo que transitório, no desemprego é pecado político, pois a transição que interessa é a da eleição. À área fiscal se aplica no presente a avaliação dada por Sims à dos EUA no período que analisou, uma desordem. É de fato um termo apropriado à natureza da política fiscal brasileira: continua expansionista, pois, além de gastar mais e não ajudar a política de juros, é mal administrada e não consegue ampliar os tão necessários investimentos. Essa desordem também inibe investimentos privados, pois gera desconfiança entre quem pensa em realizá-los.
Para concluir, sintetizo minha visão diante do quadro macroeconômico atual. Usando a imagem do tripé macroeconômico - política de metas de inflação centrada na taxa básica de juros, câmbio flutuante e meta de "superávit primário" -, esta última haste claramente ruiu em face da desordem apontada. Carece de substituição por outra com metas de menor déficit fiscal ou final, e de contenção do custeio e ampliação dos investimentos. Sem isso um dos méritos do governo, o de enfrentar a alta taxa básica de juros e os altos "spreads" bancários, não terá sustentação, o mesmo acontecendo com o controle da inflação a juros módicos.
Além disso, a esse tripé precisa ser acoplado um zoom que contemple a visão de uma economia maior no médio prazo, de modo a definir uma estratégia claramente voltada para esse objetivo, e bem articulada nas suas táticas, e não nesse andante e desconexo mexe-mexe setorial de parcos resultados.
O conhecimento acumulado da análise econômica não pode ser ignorado mediante improvisações na montagem desse tripé com zoom. Christopher Sims já se foi, mas que suas lições fiquem e frutifiquem entre os incrédulos nos ensinamentos da teoria e da boa prática da política econômica.
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