Ao fim da pandemia, o país terá um mar de desempregados e as dores da maior recessão da nossa história. Como enfrentar? Os dois caminhos que se colocam, o de Paulo Guedes e o dos militares, esboçado nos últimos dias, estão errados na opinião do economista Persio Arida. O dos militares, por ser uma velha proposta que nunca deu certo. O de Paulo Guedes, porque se baseia na premissa equivocada. “O erro é essa ideia de que basta conter o gasto público para o investimento privado crescer e o país se desenvolver.” Um governo frágil politicamente tenderá a escolher o caminho que parece mais fácil e familiar, o do Estado propulsor do desenvolvimento, como mostrado no Plano Braga Netto. “Bolsonaro volta às origens, sempre foi estatizante.”
– Esse é o caminho errado. O que tem que ser feito? Tem problema de desemprego, sim, precisa de mais crescimento, sim. Mas deve-se fazer via gasto público? Aí é a reencarnação da Dilma, desenvolvimentista. Não é surpreendente porque os militares sempre acreditaram no Estado como promotor do desenvolvimento, igualzinho a esquerda. Esse programa simplesmente expressa a visão estatizante de Bolsonaro. Para mim é surpresa zero. Acho que aconteceria mais cedo ou mais tarde, e foi mais cedo por causa do coronavírus – diz Persio.
Na visão do economista, do outro lado há também equívocos.
– Do outro lado, é a ideia do crowding out, de que quando retrai o PIB do governo aumenta o PIB privado, ou seja, basta conter o governo que a iniciativa privada floresce e, como a iniciativa privada é mais produtiva que o gasto do governo, o PIB cresce. Isso é uma agenda simplória, errada macroeconomicamente. Para crescer você precisa de uma outra agenda, que é a abertura de bens comerciais e serviços, privatizações, reforma do Estado e reforma tributária. São essas quatro coisas que fazem o país crescer rápido. Curiosamente o governo não tocou em nenhuma delas. Nunca enviou uma reforma tributária, nem a administrativa, para o Congresso. Não fez abertura alguma, assinou um acordo com a União Europeia que já nasceu velho e não será ratificado porque Bolsonaro atacou o Macron, então esquece – diz Persio.
O governo fez a reforma da Previdência, com tamanho menor do que tem sido dito, e o ganho previsto para este ano será pulverizado pela queda da receita previdenciária. Já a privatização ocorreu de forma indireta:
– Na privatização não aconteceu nada. Quando uma estatal vende uma subsidiária, o dinheiro flui para a estatal e ela vai gastar depois em outra coisa. O que realmente importa é quando o governo vende a estatal, não a subsidiária, como foi na privatização Fernando Henrique. A privatização Bolsonaro, além de ridícula em termos de tamanho, não adianta nada para o déficit público, é irrelevante. Nada disso iria ter impacto no crescimento. O ano passado decepcionou e este ano iria decepcionar de novo.
Agora é o momento da pandemia em que toda essa discussão ficou para depois. O ponto dele é que se voltar à mesma agenda o resultado será decepcionante:
– Você lembra que houve um momento em que ele previa crescer 4%, no começo do ano passado? Veio um e pouco. Não adianta. É a visão errada do problema. Não basta conter o gasto do governo, é preciso fazer outra agenda, que eles nunca tocaram.
A pesquisa divulgada ontem pela XP, feita no calor da queda do ex-ministro Sergio Moro, mostrou forte deterioração das expectativas em relação ao resto do mandato. A visão de que o futuro seria ótimo ou bom era 34% e caiu para 18%. A expectativa negativa (ruim e péssimo) saltou de 37% para 49%. Qual a chance de Bolsonaro, com queda de popularidade e da confiança em seu governo, saindo de uma economia em escombros, apoiar a retomada do projeto de Guedes no qual ele nunca acreditou? Tanto assim que a reforma administrativa entregue pelo ministro ficou mofando na mesa presidencial, até vir a pandemia e ela ser engavetada. O ministro da Economia aceita piamente a versão que Bolsonaro apresenta dos fatos políticos e engoliu reveses com o argumento de que o presidente é que recebeu os votos. Paulo Guedes aceitou limites aos seus planos, mas até que ponto está disposto a ir? A grande dúvida é se aceitará projeto tão estrangeiro ao seu quanto o que se vislumbrou no powerpoint da Casa Civil.
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