Gazeta do Povo - PR - 18/07
Após a primeira votação do texto-base da reforma da Previdência no plenário da Câmara dos Deputados, os parlamentares analisaram diversos destaques apresentados por bancadas, que pretendiam alterar pontos do texto recém-aprovado. Praticamente todas elas desidratariam, em intensidades diferentes, a economia pretendida com a reforma – “economia”, lembremos, se refere aqui a gastos que o governo deixaria de fazer, e não a um dinheiro que passaria a estar disponível nos cofres públicos. Esse efeito daninho não impediu que o próprio partido do presidente da República, o PSL, contribuísse com a mutilação da reforma, jogando mais como aliado de determinadas categorias profissionais que do país como um todo.
Dos 14 destaques apresentados, quatro foram aprovados: a emenda que mudou regras para pensões por morte e suavizou o cálculo da aposentadoria para as mulheres; a que reduziu a idade mínima para a aposentadoria de professores e professoras que optarem por uma das regras de transição; a que baixou o tempo mínimo de contribuição para os homens; e a que reduziu ainda mais a idade mínima de aposentadoria para várias carreiras da área de segurança, como policiais federais e agentes penitenciários. Destes quatro destaques, três contaram com o apoio massivo do PSL – no caso da emenda que mudou as regras para homens, a legenda contribuiu com apenas um voto.
Se o governo propõe uma reforma previdenciária, que mensagem o partido no poder envia quando ele mesmo se empenha em desidratar o texto?
O caso mais escandaloso é o da emenda que beneficia policiais, que pelo texto-base já poderiam se aposentar aos 55 anos – a regra geral é de 65 anos para homens e 62 para mulheres. O texto aprovado reduz ainda mais esta idade para aqueles que já estão na ativa, passando para 53 anos para homens e 52 para mulheres. Além disso, esses mesmos policiais terão direito à integralidade, ou seja, a aposentadoria com o último salário da ativa, enquanto a imensa maioria dos demais trabalhadores ficará sujeita ao teto do INSS. A bancada do PSL tem 53 deputados, dos quais 51 estavam na votação da emenda; 50 deles apoiaram a mudança, com uma única abstenção.
Mesmo deputados da legenda que haviam se manifestado anteriormente contra a suavização das regras votaram “sim”, mostrando que a pressão dos policiais havia surtido efeito. Além disso, a emenda contou com um cabo eleitoral importantíssimo: o próprio presidente Jair Bolsonaro, que também cedeu ao corporativismo quando se empenhou pessoalmente pela aprovação, ainda durante a fase da Comissão Especial, das novas regras – o impasse gerado pela defesa dessas categorias chegou até mesmo a atrasar a votação do relatório de Samuel Moreira (PSDB-SP) na comissão. Ali, a iniciativa acabou frustrada, mas prosperou no plenário.
Esses parlamentares argumentarão que os placares das emendas foram ainda mais elásticos que o da votação do texto-base, e que a posição do PSL não teria feito diferença. Do ponto de vista apenas numérico, a alegação faz sentido (o destaque dos policiais foi aprovado com 467 votos; o dos professores, com 465), mas ela desconsidera o efeito moral que essa adesão provoca. Se o governo propõe uma reforma previdenciária, que mensagem o partido no poder envia quando ele mesmo se empenha em desidratar o texto? E argumentar que, neste caso, a legenda seguiu seu líder maior não atenua a responsabilidade de ninguém; mostra apenas que também o presidente da República lançou “fogo amigo” contra o texto daquele a quem Bolsonaro delegou, desde a época da campanha, a função de tratar de todos os temas relativos à economia.
Quando a proposta inicial de reforma foi divulgada, em fevereiro, uma de suas grandes virtudes era seu caráter igualitário: praticamente todos os brasileiros estariam submetidos às mesmas regras, com algumas exceções já contempladas desde a primeira hora e que se justificavam pela natureza do trabalho exercido – entre elas, a dos membros das forças de segurança, cuja função inclui colocar a vida em risco em prol da sociedade. Mas pressões corporativistas vindas do topo do poder acabaram minando esse caráter: no início, quando se optou por tratar da previdência dos militares em um outro projeto, bem mais condescendente; e agora, quando o presidente e seu partido se empenham em conseguir mais benefícios para categorias que já tinham regras mais brandas, criando um favorecimento indevido que rompe a linha que separa uma justa diferenciação de um privilégio."
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