GAZETA DO POVO - PR - 18/07
O jurista Lenio Streck ironiza o fato de que temos no Brasil uma sofisticada epistemologia até mesmo do carnaval, mas nenhuma da decisão judicial. Uma escola de samba pode sagrar-se campeã ou amargar o rebaixamento por uma diferença de 0,25 pontos, pois o grau de precisão nos critérios do carnaval é a antítese da carnavalesca imprecisão do nosso mundo jurídico.
Essa pobreza científica tem mais de um motivo, mais de um culpado, porém começa nos bancos universitários. Ali está o “paciente zero”. Universidade que não produz boa doutrina jurídica termina por justificar quaisquer decisões judiciais. Some-se a isso o assalto da política mesquinha e da indignação de opereta, e temos o que merecemos ter: um direito que, como árbitro de futebol, desagrada aos dois lados e ambos têm razão. Em vez do jurista de cátedra, o jurista de passeata.
A Operação Lava Jato desvendou e expôs esquemas de poder e de corrupção como nunca antes haviam sido desvendados e expostos. O mérito é inegável, os aplausos são merecidos. Entretanto, alguns dos efeitos colaterais perigosos de sua atuação se fazem sentir, e preocupam, e deveriam preocupar mais. Um certo espírito persecutório e indiscriminado, em nome do qual tudo vale a pena se a corrupção não é pequena. Como se, para punir ilegalidades, ilegalidades pudessem ser cometidas.
Não, não trato aqui da controvérsia que envolve Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, mas sim da decisão do presidente do STF, Dias Toffoli, que suspende investigações em que foram usados pelo COAF dados bancários protegidos por sigilo, sem autorização judicial. Ocorre que o pedido, acatado pelo ministro, não foi de Lula ou de Cunha, de Nero ou de Al Capone, mas de Bolsonaro. Flávio Bolsonaro.
Prometo não rir.
Ri.
Aliás, é curioso que justo o Dias Toffoli, popularmente conhecido como “advogado do PT”, tenha se aproximado tanto do clã Bolsonaro. Eles parecem se entender muito bem, obrigado, e não há mal nenhum nisso. Sou um dos que defendem a regularidade e o respeito entre os poderes, em lugar do clima belicista instalado durante a campanha eleitoral. Minha defesa não é seletiva.
O pedido de Flávio Bolsonaro tem fundamento e seus advogados acertam num ponto: as garantias processuais não podem ser rifadas ou relativizadas como se fossem incômodos obstáculos à justiça. São, ao contrário, a condição de possibilidade da verdadeira justiça. Justiça feita de maneira injusta, injustiça é.
Em meio a toda essa busca por um país civilizado, espanta que o dito garantismo penal e processual tenha se convertido em palavrão. Ora, o que se entende como garantismo, como direito garantista, é tudo aquilo a que Estados liberais deveriam aspirar: a certeza de que qualquer cidadão, rico ou pobre, preto ou branco, homem ou mulher, eleito ou eleitor, terá direito à ampla defesa, à privacidade, às salvaguardas constitucionais.
No caso em questão, Flávio Bolsonaro fez um apelo que o ex-advogado do PT considerou legítimo. Tudo dentro da lei, ainda que fora dos suores do moralismo de ocasião. Estranho mesmo é o silêncio obsequioso da militância, sempre tão pronta a ver conluios e chicanas onde bem entendem ou querem desentender. De repente, algumas garantias são até convenientes, não são? Parece que são, a depender de quem as exige.
Prometo não rir.
Ri.
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