Moeda única para Brasil e Argentina parece ser o peronismo pela porta da frente
O ministro Paulo Guedes, em recente visita à Argentina, sugeriu a integração monetária do Brasil com a Argentina, com a criação de uma moeda única que substitua o real e o peso: o peso real. Faz sentido? Dada a urgência de nossos atuais problemas, a peripécia não parece produtiva.
O euro é o experimento que mais se assemelha à ideia do peso real até hoje. Está longe de ter se provado exitoso, em especial após a grave crise da Grécia. Foi criado por burocratas e imposto de cima para baixo, sem vias de saída.
O comitê de especialistas em ciência, literatura e artes formado em 1994 para escolher heróis europeus cujas faces figurariam nas novas cédulas desistiu da ideia após dois anos. Como aceitar Beethoven, aquele que homenageou Napoleão? Ou Mozart, o maçom? Ou Aquino, o católico dogmático? E como fica o equilíbrio entre os gêneros?
Os heróis acabaram engavetados em prol de obras de arquitetura não identificadas que driblaram as aguçadas sensibilidades de gênero, religiosa, ou política dos millennials que adotariam a moeda a partir de 2002. Por aqui, um processo decisório similar corre o risco deflagrar as hostilidades mais graves desde a crise da Província Cisplatina.
Nunca havia existido uma moeda sem um lastro em uma commodity, um país soberano, ou uma base de impostos única. Nesse sentido, o euro é a primeira moeda abstrata pós-moderna.
O garoto-propaganda do euro foi o socialista Jacques Delors, que era presidente da Comissão Europeia. A França desejava se livrar do controle indireto imposto pelo Bundesbank, que a coibia de inflacionar para fazer frente a gastanças.
Ainda em 1988, Margaret Thatcher intuía a raiz do problema. Em um trocadilho, dizia que o euro é “socialism through the back Delors”, ou uma porta dos fundos para a adoção do socialismo. Aqui, o peso real parece ser o peronismo pela porta da frente mesmo.
Toda moeda “fiat”, monopolista e imposta por decreto como as atuais necessita de um comitê que determine sua oferta, como é o caso do Copom no Brasil.
Um camelo é um cavalo planejado por um comitê; o nome do camelo é peso real. Não há nada mais socialista que um comitê que controle a moeda: o Politburo que tabela os juros a cada 45 dias. Se você está obrigado a usar uma moeda gerida por um comitê, o ideal é que você esteja nele. Mas não se iluda: essa é uma reserva de mercado de uma pequena elite de banqueiros.
No Conselho de Governança do euro, cada um dos 19 países tem um assento, com um voto cada um. Uma “democracia representativa” similar no peso real significaria seguramente a volta da ingerência política de interesses corporativos, tal qual se observava no Conselho Monetário Nacional dos anos 1970 e 1980.
Durante a vigência do padrão-ouro clássico, de 1819 a 1931, as chamadas “algemas de ouro” impediam que gestões fiscais irresponsáveis fossem sancionadas por aventuras inflacionárias promovidas pelo banco central, pois entrava em curso o mecanismo automático de fluxo de ouro descrito por Hume, que forçava a reversão da política expansionista anterior e a reposição das reservas internacionais.
Porém, no século 20, os governos consolidaram seu controle, substituindo uma moeda razoavelmente protegida da ganância dos políticos por uma moeda “fiat”. Sem nenhuma surpresa, as crises de inflação e de balanço de pagamentos passaram a ser mais frequentes.
Uma moeda mais honesta requer a separação entre a divisa e os interesses concentrados. É preciso uma moeda de reserva exógena, que nos livre de comitês. O peso real será pior que o statu quo, pois terá que acomodar interesses supranacionais inflacionistas.
Helio Beltrão
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil.
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