Criar chances de sucesso para os menos favorecidos é papel dos estadistas
A desigualdade da renda do trabalho vem aumentando desde 2012. A piora tem a ver em parte com a profunda recessão que nos assola desde 2014, mas a coisa é bem mais estrutural do que conjuntural. Esse quadro demanda respostas em várias frentes. Me concentro hoje no campo das oportunidades.
Um certo grau de desigualdade é natural, pois talentos, preferências e energia não são distribuídos uniformemente entre as pessoas. São parte da loteria da vida. Em uma economia de mercado tais diferenças se manifestam na renda das pessoas, o que estimula a iniciativa individual e coletiva e, desde que dentro de limites que variam de acordo com cada cultura, contribuem para a criação de riqueza.
Mas algumas rendas têm má origem, repugnante até. Aqui no Brasil os problemas datam do modelo colonial extrativista e da escravidão e foram reforçados ao longo de séculos por fatores que incluem corrupção, troca de favores com dinheiro público, pressão política para obtenção de vantagens fiscais e afins etc. Ou seja, tem prevalecido a captura do Estado por grupos de interesse, em detrimento da maioria das pessoas.
E mais, a desigualdade se reproduz naturalmente por meio das estruturas sociais e de família, como por exemplo a riqueza e, sobretudo, a escolaridade dos pais de cada um. No geral, grupos protegem os seus desde sempre, e a discriminação segue solta.
A corrupção inevitavelmente leva a políticas públicas ineficientes e, portanto, prejudiciais ao crescimento. Um bom exemplo recente aqui em nossas bandas é a chamada "Bolsa Empresário", com os subsídios do BNDES sobre preços em contratos, lucros de monopólio e vantagens tributárias, na maioria dos casos desprovidos de lógica econômica ou social. Essa combinação de rapinagem com incompetência foi decisiva na construção do colapso econômico e social que nos assola. Vale notar aqui que algumas correções de rumo vêm ocorrendo desde o mensalão e a Lava Jato.
É verdade que a partir da Constituição de 1988 e seus direitos houve queda importante da desigualdade, que no entanto segue elevada. Isso se nota a olho nu e aparece com clareza nas comparações internacionais, nas quais o Brasil permanece perto da lanterna.
Portanto, a criação de oportunidades para os menos favorecidos deveria ser prioridade na resposta de todo estadista a essa condição. Concretamente, trata-se aqui de reforçar as políticas públicas em áreas como educação, saúde, saneamento e transportes.
Para que isso ocorra, será imprescindível redirecionar recursos e também fazer mais com menos, melhorando as práticas de gestão no setor público, parte crucial de uma reforma do Estado.
De onde virá o dinheiro? Em primeiro lugar, da eliminação das instâncias de captura do Estado, que além de liberar recursos para melhores causas, teria impacto direto sobre a desigualdade.
Mas dá para fazer bem mais. Os gastos do governo (em todos os níveis) atingem um terço do PIB, muito superiores ao que se vê em países semelhantes ao Brasil. Desse total, 80% cabem ao funcionalismo e à Previdência, outra vez bem mais do que nossos pares. Gastamos nessas duas áreas pelo menos uns 10 pontos do PIB a mais por ano do que o fazem Chile, Colômbia e México. Há, portanto, muito espaço para economizar por meio das reformas da Previdência e do Estado.
O caminho aqui proposto, além de inclusivo, favorece o crescimento, pois capacita as pessoas, aumenta a produtividade e reduz desperdícios.
Arminio Fraga
Economista, é ex-presidente do Banco Central
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