FOLHA DE SP - 26/05
Parece somente que há uma crença na ineficácia do encarceramento
Reportagem publicada no caderno Cotidiano desta Folha, na sexta-feira (24), afirma que “a redução dos índices de criminalidade, em especial a queda das taxas de homicídio, não tem ligação direta com o aumento do encarceramento de pessoas nas duas últimas décadas, de acordo com especialistas”.
Trata-se de afirmação muito forte. Estabelece a ausência de relação causal entre encarceramento de criminosos e redução de homicídios.
Lendo a coluna, os “especialistas” ouvidos pela reportagem não parecem se basear em estudos quantitativos e estatisticamente controlados. Parece somente que há uma crença na ineficácia do encarceramento.
O tema é complexo. Hipótese muito difícil de ser testada. Há causalidade reversa. Provavelmente, maior encarceramento reduz crime, já retorno ao tema, mas, por outro lado, os encarceramentos ocorrem com maior frequência quando o crime se eleva.
Essa é a maior dificuldade em ciência social: separar correlação de causalidade. É possível que maior encarceramento cause redução da criminalidade e que simultaneamente a evidência empírica indique correlação positiva entre ambos, isto é, que encarceramento e criminalidade caminhem juntos.
Além da complexidade empírica, fruto da causalidade reversa, há complexidade teórica, isto é, há efeitos causais nas duas direções. A literatura identifica três efeitos sobre a criminalidade ligados ao encarceramento. O efeito incapacitação, o efeito dissuasivo e o efeito sobre a reincidência (a prisão como “escola do crime”).
Os dois primeiros estabelecem causalidade negativa entre encarceramento e criminalidade —maior encarceramento reduz a criminalidade—, e o terceiro, o contrário.
Em qualquer sociedade, poucas pessoas são homicidas contumazes. Ao encarcerar um homicida, este se torna incapaz de cometer homicídios, pois sai de circulação. Adicionalmente, a expectativa de ser punido o dissuade do ato criminoso.
Finalmente, o encarceramento de ladrões de galinha ou de adolescentes, que ainda não passaram pelo aprendizado do crime, eleva os homicídios pelo efeito de aprendizado.
Uma evidência robusta para a Itália sugere que o efeito incapacitação é significativo e decrescente quando os níveis de encarceramento crescem muito. Há evidência, para a Inglaterra, de que o efeito dissuasivo também é importante.
E, para a Argentina, de que o emprego de tornozeleira eletrônica reduz a reincidência em comparação com o encarceramento.
A conclusão geral vai ao encontro do senso comum: encarcerar bandidos contumazes e homicidas reduz a criminalidade, mas encarcerar mal, isto é, ladrão de galinha ou jovens que estão no período de aprendizado, deve elevar a criminalidade.
Está em tramitação no Congresso Nacional a medida provisória 881, conhecida por Lei da Liberdade Econômica. O texto precisa de inúmeros ajustes, caso contrário o resultado da nova legislação será o oposto do pretendido.
Por exemplo, no 3º inciso ao 3º artigo da legislação, lê-se que são direitos de toda pessoa “não ter restringida, por qualquer autoridade, sua liberdade de definir o preço de produtos e de serviços como consequência de alterações da oferta e da demanda no mercado não regulado, ressalvadas as situações de emergência ou de calamidade pública, quando assim declarada pela autoridade competente”.
Fico a imaginar o intervencionismo sobre os preços de um governo populista.
Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP
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