domingo, maio 26, 2019

Bolsonaro, o infiltrado - ASCÂNIO SELEME

O GLOBO - 26/05

O presidente assumiu o comando da nação depois de anos produzindo declarações contra a democracia e a favor de qualquer barbaridade que lhe parece apropriada


Algumas poucas vezes ao longo dos seus primeiros cinco meses de governo o presidente Jair Bolsonaro surpreendeu positivamente. Sua declaração contra os que querem ir ao ato deste domingo para atacar oSupremo Tribunal Federal e oCongresso Nacional foi uma dessas vezes. Bolsonaro fez a afirmação durante café da manhã com jornalistas, o quinto encontro desse tipo marcado pelo presidente, e que também podem ser incluídos na sua lista de bola dentro. Quem defender o fechamento do STF e do Congresso “estará na manifestação errada”, disse. “Isso é manifestação a favor de Maduro, não de Bolsonaro”, concluiu o presidente.

Não podia estar mais correto. Os Poderes constituídos são a base da democracia. Pode-se até criticar o Supremo e o Congresso por decisões que tomarem, mas jamais pregar o seu fechamento. Os que acusam o Judiciário e o Legislativo pelos problemas de Bolsonaro estão equivocados. Os que sugerem que a saída é interromper o funcionamento das duas casas maiores são pessoas de baixa qualificação cognitiva e falam da boca para fora sem medir consequências.

O próprio Bolsonaro já atacou o Supremo mais de uma vez. Ele também defendeu, pouco antes da eleição, aumentar de 11 para 20 o número de ministros do STF. “Para equilibrar as coisas”, nas palavras de seu filho Eduardo, o ideólogo da família, sugerindo um viés de esquerda dos membros da casa. Bobagem, claro, mas enfim, era assim que os Bolsonaro pensavam no ano passado. O mesmo filho disse, algum tempo antes, que bastariam um soldado e um cabo para fechar o Supremo.

O presidente também já bateu à vontade no Congresso. Outro dia mesmo afirmou que o grande problema do Brasil é a classe política. Nesse caso o ataque era generalizado, e ele ressaltou que incluía-se dentro da citada classe problemática. Em momentos mais remotos da sua atividade política, Bolsonaro defendeu a ditadura, estado que pressupõe um Executivo forte que funcione sem fazer consultas e sem sofrer avaliações, com o fechamento ou a submissão dos outros Poderes. Esse é o problema do presidente. Ele diz uma coisa num dia e outra diferente no dia seguinte.

No café com jornalistas, o presidente disse também que, embora condene os ataques, nada impede que durante o ato “apareça um infiltrado defendendo essas ideias e usando a camisa amarela”. Quer dizer, ele condena quem ataca, mas admite que haja, no meio da manifestação a seu favor, gente gritando pelo fechamento do STF e do Congresso. Trata-se do famoso “morde e assopra”. Condena, mas não tanto assim. E, ao que parece, perdoa os que se equivocarem.

O presidente é ele próprio um infiltrado. Assumiu o comando da nação depois de anos produzindo declarações contra a democracia e a favor de qualquer barbaridade que lhe parece apropriada. Como a tortura, por exemplo. O presidente Jair Bolsonaro é um infiltrado no jogo democrático. Nenhuma dúvida. O importante é que agora, com o poder que obteve das urnas, continue produzindo considerações como aquela do café da manhã.

Jogar a favor dos Poderes constituídos é obrigação do presidente da República. Ao defender o Supremo e o Congresso, Bolsonaro estava simplesmente cumprindo uma de suas principais atribuições constitucionais. Mesmo assim pode-se dizer que, vindo de quem veio, ele fez muito bem.
História implacável

Nunca fez bem aos presidentes do Brasil tentar governar atacando o Congresso ou sem apoio parlamentar. Todos os que foram por esse caminho, dentro da normalidade constitucional, se deram mal. Pela ordem, Getulio se suicidou; Jango foi destituído; Jânio renunciou; Collor e Dilma sofreram impeachment.

Vinte anos
Parece fixação de político, mas todo governo que se instala logo começa a falar em projeto de 20 anos de poder. O primeiro a fazer planos longos foi o ex-presidente Collor. Seu projeto de 20 anos naufragou na metadedo seu mandato. Depois, na era FH, o mesmo discurso. Durou oito anos. Com Lula e o PT, de novo. “Vamos ficar duas décadas e mudar a cara do Brasil”, dizia José Dirceu. O PT ficou 14 anos e saiu varrido do poder. Agora vem a turma do Bolsonaro.

Bons ares
O ambiente de diversidade de ideias e propostas do Congresso tende a democratizar até mesmo os parlamentares que chegam fortemente ideologizados e radicalizados. É o que se vê diariamente nos corredores e plenários das duas casas. Por isso, os sorrisos e tapinhas nas costasque se viu quarta-feira entre Kim Kataguiri (DEM) e Paulo Teixeira (PT) não surpreenderam ninguém. São raros os que entram duro e saem duro do Congresso, como Jair Bolsonaro.

A solidão do Valente Ivan
O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) foi incansável durante o debate da reforma tributária na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Como apenas o PSOL se opunha à reforma, Valente fez sozinho o papel de obstrutor da pauta.

Obviamente não conseguiu impedir que a CCJ aprovasse a admissibilidade da proposta de reforma, mas usou todos os minutos disponíveis para falar democraticamente contra a proposta. Com o tempo somado, Valente deve ter falado mais de uma hora. Teve gente dormindo e almoçando durante os intermináveis discursos do deputado solitário.

Neutro é melhor
A insistência de Bolsonaro em atacar Cristina Kirchner mais atrapalha do que ajuda a candidatura à reeleição de Maurício Macri. Já tem gente na Casa Rosada sugerindo ao presidente argentino que ligue para Bolsonaro para pedir neutralidade.

O medo passou
O ambiente no Itamaraty está mais leve.

O pavor causado pelo chanceler Ernesto Araújo nos diplomatas acabou. Hoje, nos corredores da casa as pessoas já falam mal e debocham do ministro sem cochichar. Mas sempre com todo respeito à instituição, claro.

Sua excelência a vaidade
Para atender demanda da Ordem dos Advogados do Brasil, o deputado Carlos Bezerra (MDB-MT) apresentou projeto de lei na Câmara para alterar parte do Estatuto da Advocacia. São acrescentados dois artigos.

O primeiro exige que servidores públicos dispensem ao advogado “tratamento compatível com a dignidade da advocacia”. Precisava? Acho que não. Interessante mesmo é o segundo. Ele determina que os advogados presentes em audiências de instrução e julgamento sejam posicionados “no mesmo plano topográfico” do juiz que presidir os trabalhos. Quer dizer, na mesma altura do magistrado e da sua própria vaidade.

Dinheiro vivo
Com a ajuda de parlamentares de diversos partidos, inclusive do PT, o governo de Minas Gerais tenta fazer um acerto técnico sobre a qualidade do nióbio retirado das minas de Araxá pela Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), empresa da família Moreira Salles. Segundo o debate em curso na Assembleia Legislativa, o teor do mineral retirado é maior do que se supunha, por isso, os royalties também devem ser mais elevados. Só em atrasados, o governo mineiro imagina ser credor de R$ 5 bilhões.

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