O Estado de S. Paulo - 28/06
Num livro publicado há poucos meses, Helping Children Succeed, Paul Tough observa, com tristeza, que o déficit de aprendizagem entre alunos de 8.º ano, provenientes de diferentes estratos de renda, vem crescendo nos Estados Unidos, ao invés de diminuir, a despeito dos esforços para mudar a situação. O país tem apresentado não apenas desempenho incompatível com seu grau de desenvolvimento, como tampouco conseguiu evitar que os mais pobres tenham um ensino ainda mais precário.
O mesmo pode ser dito em relação ao Brasil. Celebramos importantes avanços no Pisa de 2012, mas ainda estamos em posição inaceitável entre as 65 economias que participam desse teste internacional de qualidade da educação. Mais ainda, a despeito de sermos o país que mais avançou em Matemática, de 2003 para 2012, ainda temos 67,1% dos alunos com baixo desempenho na área. O tema de maior dificuldade para os alunos brasileiros, em que tivemos o menor desempenho, foi o de “formular situações matematicamente”, competência relevante para diversas profissões e áreas de pesquisa. Só 1,1% dos alunos apresentam desempenho elevado. Mas o que se mostra particularmente cruel para os que acreditam que educação é o caminho para gerar oportunidades para todos é a profunda desigualdade educacional do nosso país, tanto no acesso e na conclusão de cada etapa de escolaridade quanto no desempenho escolar ou na aprendizagem.
Estive recentemente em Xangai, cidade chinesa, com mais de 23 milhões de habitantes, que obteve o primeiro lugar entre as economias que participaram do Pisa. Fui lançar um estudo do Banco Mundial sobre as razões do excepcional desempenho da cidade. Em solução de problemas, por exemplo, Xangai ficou em 6.º lugar no Pisa 2012 entre 44 países ou sistemas regionais – o Brasil ficou na 38.ª posição. Embora conte com número importante de alunos em situação de pobreza, estudantes que se encontram entre os 10% mais pobres de Xangai são tão bons em Matemática quanto os 20% de adolescentes mais ricos do Reino Unido e dos Estados Unidos. Ou seja: Xangai não tem apenas o melhor desempenho em Matemática e um dos melhores em leitura e Ciências; é também um dos mais igualitários, apesar de contar com uma proporção elevada de migrantes internos.
O que fazem de excepcional para chegar lá? Os professores são preparados para uma profissão e o currículo na universidade enfatiza o conhecimento do conteúdo a ser ensinado e a prática em sala de aula, incluindo a didática específica daquela área. Além disso, a universidade reúne-se com os professores da escola para analisar, com eles, problemas de aprendizagem que lá tenham emergido e, juntos, constroem soluções possíveis com os recursos disponíveis. Outro ponto importante é que os professores têm seu tempo de atividades extraclasse dentro da escola (e não fora dela, como em muitas escolas brasileiras), corrigindo tarefas escolares e preparando planos de aula minuciosos, com base no currículo e em colaboração com os colegas. Observam, também, as aulas dos colegas e juntos discutem o que pode ser aperfeiçoado.
Não escrevo isso para que pensemos em copiar o modelo dessa megacidade chinesa, mas para que possamos perceber que é possível ter qualidade para todos. A escolaridade dos pais e a situação socioeconômica da família têm forte papel no desempenho escolar dos alunos. Afinal, interpretação de textos, por exemplo, depende muito do repertório cultural adquirido pelo aluno, e é sabido que importante parte dele vem da família. Mas a escola pode, deve e tem conseguido, em muitos casos, garantir o direito de aprender de crianças mesmo vindas de famílias de reduzida escolaridade ou situação socioeconômica adversa. Xangai ilustra isso, várias escolas no Brasil também o fazem, como mostra o interessante estudo da Fundação Lemann Excelência com Equidade – 250 escolas públicas com alunos de nível socioeconômico situado entre os 25% mais baixos da região onde estavam localizadas, e com pelo menos 70% dos alunos com nível adequado em Matemática e Língua Portuguesa na Prova Brasil e, no máximo, 5% de alunos no nível insuficiente, evidenciaram que é possível aliar qualidade e equidade. Duas delas estão localizadas no Rio de Janeiro, e tive a oportunidade de visitá-las. O que têm em comum? Metas claras e uma equipe de professores comprometidos com um ensino que assegure que todos aprendam.
Mas como garantir que o exemplo dessas escolas seja estendido às demais no Brasil que concentram crianças em situação de pobreza? As condições de sucesso escolar para alunos em situação de vulnerabilidade podem ser melhoradas, e muito, se houver uma política pública que assegure a atração e retenção de bons professores e lhes dê material de apoio adequado, conte com uma educação de qualidade e cuidados na primeira infância. Se investirmos mais em remunerar melhor o professor, alocá-los numa única escola, com tempo para ali, colaborativamente, preparar suas aulas e aprender com os colegas, ajudaria. Se tornarmos a formação inicial do professor mais adequada aos desafios da sala de aula, e não enfatizarmos apenas os fundamentos da educação, também ajudaria. Mas se pudermos, além disso, reduzir o impacto das condicionantes socioeconômicas no desempenho escolar do aluno, por meio de um investimento forte e focado em educação infantil de qualidade e cuidados na primeira infância, poderemos, aí, sim, combinar qualidade com equidade, como preconiza o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável, recém-aprovado pela ONU, para a educação (ODS-4), a ser atingido até 2030: “Assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”.
Não é muito difícil garantir educação de qualidade para poucos, mas o princípio da equidade demanda que isso seja estendido a todos – daí o nosso grande desafio!
*Claudia Costin é diretora global de educação do Banco Mundial
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