O Estado de S. Paulo - 22/02
A Petrobrás, como se sabe, vive uma crise extraordinariamente profunda, que vai muito além "de um mal comportamento de alguns de seus funcionários em conluio com um cartel de fornecedores".
A destruição de valor na empresa é uma das maiores registradas na história das corporações, como apontou A. Damodaran, da Stern School of Business da New York University, numa nota do dia 10 deste mês. De fato, "o auge do valor de mercado da companhia foi em 2010, quando, após uma bem-sucedida capitalização de US$ 73 bilhões, a Petro chegou a valer US$ 244 bilhões. De lá até este mês, a empresa conseguiu perder um pouco mais de US$ 200 bilhões. Embora parte desta perda se deva à queda dos preços de petróleo, especialmente após setembro de 2014, a companhia já havia destruído, naquela data, mais de US$ 160 bilhões" (minha tradução). Um espanto!
A crise da Petrobrás exige uma resposta simultânea e competente em três áreas bem diferentes:
a) Retomar a normalidade financeira, o que só acontecerá depois da elaboração de um balanço auditado, precedido também por negociações com os reguladores brasileiros e americanos. Um balanço dessa natureza só ocorrerá a partir da estimativa do valor de correção nos ativos (teste de "impairment"). Essa correção não destacará, por impossibilidade absoluta, o que se deve à corrupção ou a causas econômicas, embora se saiba que a primeira é muito importante neste caso.
A partir daí, será possível reequacionar o fluxo de caixa e de pagamentos, severamente afetados pela paralisia quase total da companhia. Com isso, o relacionamento com fornecedores poderá se normalizar e algumas quebras de empresas poderão ser evitadas.
Entretanto, é preciso ter presente que, mesmo no melhor cenário, a empresa será menor financeiramente e que muitos fornecedores remanescerão com grandes dificuldades de crédito, encolhendo pela venda de ativos e enfrentando ações judiciais. Os fornecedores industriais também deverão perder muito, uma vez que vários deles já estão em recuperação judicial. Muitos fornecedores pequenos irão sair do negócio.
A destruição de valor na Petrobrás, como não podia deixar de ser, está reverberando fortemente na cadeia de suprimentos, grandes e pequenos, industriais ou produtores de serviços. Neste segmento, o risco e as incertezas se elevaram muito e, em consequência, o aperto de crédito vai ser grande. Não me parece que nas condições atuais os bancos oficiais poderão aliviar muito este quadro.
Ainda com relação à área financeira, e mostrando quão difícil é a fase pela qual passa a companhia, a forte desvalorização do real destes dias volta a apertar o fluxo de caixa da Petrobrás. Isto porque a grande queda no preço de importação da gasolina não foi repassada ao consumidor. Como calculou Adriano Pires, a empresa passou a ter uma margem positiva da ordem de 60%, ou algo como R$ 4 bilhões por mês. A recente desvalorização do real, que encarece a importação, reduziu a margem a um terço daquela do início do ano.
b) É necessário, simultaneamente, rever o modelo de negócios e refazer o plano de investimentos de 2015/2018. Este último, claramente, tem de ser reduzido no seu escopo.
Aliás, como não existe vácuo, as coisas vão andando. Por exemplo, cansada de esperar por negociações, a Braskem anunciou que desistiu do investimento no Comperj, o qual, contrariando o próprio nome, deixa de ser um polo petroquímico. Isto é bom para a companhia e para o setor, ou não?
Além disso, é evidente que a cláusula de conteúdo nacional tem de ser aliviada, por ter se tornado algo impraticável como está hoje. Basta pensar no seguinte: um navio sonda (FPSO), antes da queda do petróleo, tinha um preço internacional de US$ 900 milhões, aproximadamente. Com os custos locais mais elevados, as sondas da Petrobrás contratadas, por exemplo, com a Sete Brasil, tinham custos da ordem de US$ 1,1-1,2 bilhão. Hoje, com a queda do mercado, é possível adquirir o mesmo equipamento por US$ 600 milhões. Uma empresa debilitada e endividada não tem como bancar tal diferença.
Finalmente, será necessário algum mecanismo de alívio na atual Lei de Partilha, que obriga a Petrobrás a ser operadora em todos os campos do pré-sal, com a participação de pelo menos 30%. Não há mais dinheiro possível para toda essa ambição. A ex-presidente Graça Foster já havia começado a trabalhar nessa direção.
c) A questão da governança. Não basta criar o cargo de Diretor de Governança, é preciso mudar o modelo corporativo, as regras detalhadas, a cultura da organização e dar condições para que as determinações sejam de fato seguidas ("compliance"). No fundo, trata-se de evitar que um ou mais partidos políticos dominem a organização e imponham seus interesses acima dos interesses da companhia e de seus acionistas.
A reconstrução da Petrobrás vai ser uma tarefa longa e árdua. Por isso, vi com grande apreensão a notícia de que a Moodys vai reavaliar o rating da Petrobrás até o final do mês.
As três áreas acima mencionadas têm de ser enfrentadas simultaneamente. O Brasil terá de decidir se quer uma empresa estatal nos moldes da Statoil norueguesa ou da PDVSA venezuelana ou da companhia mexicana. Essa é a tarefa que deverá enfrentar o novo presidente da Petrobrás.
Argentina. A "compreensão" do Brasil com a Argentina chegou a seu ponto máximo. A sra. Cristina Kirchner foi até a China e assinou um grande acordo bilateral, sem dar a menor atenção ao Brasil. Dá a impressão de que soubemos do evento pelos jornais. Vários analistas daquele país calculam que as reservas líquidas do Banco Central são hoje da ordem de US$ 16 bilhões, totalmente insuficientes para as necessidades mínimas da Argentina. Daí porque a tentativa bastante aflita de levantar financiamento chinês. O Mercosul, que já estava profundamente enfraquecido, vive um momento melancólico.
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