sexta-feira, maio 09, 2014

Discurso fácil para eleição difícil - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O GLOBO - 09/05

Pronunciamento de 1º de maio foi marcado por populismo, mistificação e negação


O pronunciamento da presidente Dilma Rousseff à nação, em cadeia nacional de rádio e televisão, na véspera do 1º de maio, acabou recebendo menos atenção do que merece. Há boas razões para se crer que o que se ouviu no horário nobre do dia 30 seja a essência do discurso que a presidente pretende explorar ao longo dos próximos meses, na campanha da reeleição. E que o pronunciamento já possa ser visto como protótipo bastante avançado do melhor que o marqueteiro do Planalto conseguiu produzir, no esforço de concepção de um discurso eficaz que permita que a presidente enfrente o desafio da reeleição com razoável chance de sucesso. Se é esse o caso, é bem provável que a fragilidade do discurso tenha deixado o PT e o resto da base aliada ainda mais apreensivos com as reais possibilidades da candidatura Dilma Rousseff.

O pronunciamento combinou cenas de populismo explícito, mistificação do desempenho do governo em áreas especialmente problemáticas e negação de dificuldades óbvias que estão a exigir correções de rumo em 2015.

Logo de entrada, para não deixar dúvidas sobre suas reais intenções, a presidente permitiu-se abrir farto pacote de bondades, com anúncio de reajustes nos benefícios do Bolsa Família e na tabela de recolhimento de Imposto de Renda, seguido de reiteração do seu inarredável compromisso com a “valorização do salário mínimo”. Terminado o arroubo populista, a presidente sentiu-se à vontade para classificar seu governo como “o governo do crescimento com estabilidade, do controle rigoroso da inflação e da administração correta das contas públicas”. Uma tríplice inverdade, para dizer o mínimo.

Essa foi a única vez que a palavra crescimento apareceu no discurso. Tampouco houve qualquer nova menção à situação fiscal. Quanto à inflação, a presidente tentou vender a fantasia de que os aumentos de preços têm sido “localizados”, “temporários” e, “na maioria das vezes, motivados por fatores climáticos”. E aproveitou para protestar contra “o uso político da inflação por aqueles que defendem o quanto pior melhor”.

Com o país agora à beira do racionamento de energia, a breve menção feita à desastrosa atuação do governo no setor elétrico parecia extraída de uma antologia de discurso político desonesto. Quem não ouviu o pronunciamento pode não acreditar, mas a historieta infantilizada da crise energética que a presidente se permitiu contar ao eleitorado, em cadeia nacional de rádio e televisão, foi a seguinte: “A tarifa de luz, por exemplo, teve a maior redução da história. A seca baixou o nível dos reservatórios e tivemos de acionar as termelétricas, o que aumentou muito as despesas. Imaginem se nós não tivéssemos baixado as tarifas em 2013.”

O pronunciamento denota aposta arriscada num discurso fadado a ser percebido pela parcela mais esclarecida do eleitorado como enganoso e pouco respeitável, na esperança de que a grande maioria dos eleitores restantes possa ser iludida. Tal aposta parece baseada numa aritmética eleitoral primitiva, que soma eleitores beneficiários do Bolsa Família, trabalhadores ativos e inativos que recebem salário mínimo e a parte do eleitorado que, supostamente, se deixaria conquistar por promessas de que “nosso governo nunca será o governo do arrocho salarial nem o da mão dura contra o trabalhador”.

No próprio PT, há grande ceticismo sobre o acerto da escolha de um discurso tão pouco respeitável e tão arriscado, para respaldar uma candidatura que já enfrenta sérias dificuldades. Não obstante o indisfarçável incômodo que vem causando ao Planalto, o movimento “Volta Lula” continua insepulto. Há poucos dias, no 14º Encontro Nacional do PT, houve nova tentativa de enterrá-lo. Vários próceres do partido foram convocados para assegurar de público que, desta vez, a ideia estava definitivamente afastada. Mas não vai ser tão fácil. O movimento, por mais bem enterrado que seja, parece sempre pronto a saltar da cova a cada nova dificuldade enfrentada pelo projeto de reeleição.

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