quinta-feira, fevereiro 06, 2014

O apagão num setor elétrico vulnerabilizado - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 06/02

Há sérios desequilíbrios, pois o corte de tarifas ganhou função eleitoral, enquanto a falta de chuvas obriga a operação de termelétricas, de custo elevado



O Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas; considerando-se apenas o setor elétrico, a participação de fontes renováveis ultrapassa o patamar de 80%. A geração de eletricidade no país provem basicamente de usinas hidráulicas. Como o Brasil tem extenso território, que vai da zona equatorial no Hemisfério Norte até regiões temperadas no Sul, o regime de chuvas é muito variado durante o ano. Em determinados meses, uma região “exporta” energia para outra, por meio de longas linhas de transmissão. Com exceção de Boa Vista, em Roraima, todas as demais capitais brasileiras fazem parte de um sistema interligado (Macapá, no Amapá, recentemente foi conectada e, em breve, também poderá “importar” eletricidade por essas linhas de transmissão).

Quando o regime de chuvas é favorável, despacha-se a energia mais barata, de hidrelétricas próximas aos centros de consumo, e poupa-se na operação as usinas térmicas, mais caras.

No entanto, para a própria segurança e qualidade da energia oferecida, algum percentual de energia térmica é necessário para que a geração fica próxima dos principais locais de consumo, e esse é o caso das centrais nucleares de Angra dos Reis e das usinas a gás natural do Estado do Rio de Janeiro.

O sistema opera sem “gorduras” em momentos como o que as regiões, Sul e Sudeste passam: poucas chuvas e calor sufocante. Qualquer falha ou defeito em um equipamento importante, seja na geração, transmissão ou distribuição da eletricidade, pode causar um grande ou um mini apagão. O de anteontem atingiu 11 estados e o Distrito Federal. E não é o primeiro, como se sabe.

Investimentos teriam de ser feitos para reduzir esse risco, mas isso inicialmente poderia encarecer as tarifas de eletricidade (e o governo tem usado a chamada “modicidade tarifária" como peça de propaganda política). Então o sistema tende a operar sempre sobre o fio da navalha, não restando aos brasileiros outra opção a não ser torcer para o calor diminuir e ser regularizado o regime de chuvas, de modo que possam elevar o nível dos reservatórios. O país está mesmo muito vulnerável a apagões de energia, por mais que as autoridades do setor se esforcem para provar o contrário. Não é possível contestar a realidade.

Contribuiu para a trapalhada a intervenção autoritária do governo Dilma a fim de forçar o corte de 20% nas tarifas, enquanto eram renovadas concessões. Estatais federais foram obrigadas a se enquadrar. Mas como as contas não fecham, até porque as chuvas fracas obrigam a que termelétricas, de custo mais elevado, continuem a operar, o Tesouro tem subsidiado o setor. No ano passado, foram R$ 10 bilhões. Neste, no mínimo outros tantos. Além isso, a capacidade de investir de empresas foi afetado.

Como nada deverá ser consertado em ano eleitoral, pois a presidente candidata à reeleição tem longa ligação com o setor e se comprometeu com tarifas baixas, resta mesmo torcer.

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