domingo, dezembro 29, 2013

O que é bom dura pouco - DIANA LICHTENSTEIN CORSO

ZERO HORA -29/12

Mudamos o tempo todo, nem que seja pelo fato de que a cada dia vamos ficando mais velhos



Minha amiga fez uma reforma dentro de casa. Deviam incluir reformas, principalmente aquelas nas quais se permanece habitando um lar semidestruído, nos testes psicológicos. Se o morador do imóvel em escombros não enlouquecer, dificilmente perderá o equilíbrio em situações extremas: seria um caso de saúde mental comprovada. Um casal que sobrevive a uma reforma será feliz para sempre. Pois minha amiga, sua família e os dois gatos superaram isso e passam bem. Ninguém pediu a opinião felina do Quincas e da Frida, mas tenho certeza de que eles discordam da necessidade de ter feito tudo aquilo.
Quando fui visitá-la para ver as melhorias prontas, a casa estava tão bonita e agradável, que imediatamente instalou-se o sentimento de que sempre fora assim. Comentamos que é uma pena, mas o período em que comemoramos as novidades boas passa demasiado rápido. Também quando algo piora, estraga ou deteriora, aos poucos adotamos naturalmente os caminhos necessários para contornar o problema: a luminária queimada será evitada, a janela emperrada será menos utilizada, o liquidificador estragado decorrerá na eliminação das receitas que necessitem dele.
A vida é movimento e somos muito plásticos, adaptamo-nos às circunstâncias, expediente que permite a sobrevivência até em condições extremas. Mudamos o tempo todo, nem que seja pelo fato de que a cada dia vamos ficando mais velhos e carregamos a experiência, os temores e sucessos armazenados dos momentos anteriores. Por vezes, mudamos para muito melhor, por outras enfrentamos perdas ou mesmo a triste constatação de um esforço inútil, como diriam o Quincas e a Frida sobre as novidades na casa da minha amiga.
Mas nada é à toa, devo discordar dos gatos. Eles são uns ranzinzas e prefeririam que nada se alterasse nunca, tanto que existe a expressão “mais nervoso que gato em dia de faxina”. Queria lembrar àqueles dois gorduchos peludos que agora eles têm mais luz e espaço em vários cômodos da casa, mas eles vivem um eterno presente, assim como costuma acontecer conosco.
No fim do ano fazemos balanços. Até os que alardeiam que isso é ridículo, pois o primeiro de janeiro é exatamente igual ao trinta e um de dezembro, que nada recomeça, são atropelados pelas retrospectivas do ano na mídia, pelo ambiente de promessas e esperança.
O resultado dessa avaliação anual sempre é prejudicado pela dificuldade de perceber as mudanças e, principalmente, de comemorar as boas novas. Reagimos como um bebê: quando está com fome, berra como se nunca tivesse sido alimentado, e, ao ser bem cuidado, ronrona um prazer que parece contínuo. Quando a felicidade chega, olhamos para ela como certos pais que recebem as boas notas dos filhos e, em vez de elogiar, dizem que ele não fez mais do que a obrigação. Pobre felicidade, a mais incompreendida e maltratada dos sentimentos. Depois de amanhã, último dia do ano, pode dispensar a lentilha, os fogos, mas não abra mão da gratidão pelo que melhorou. Por outro lado, se algo piorou, acredite, de algum modo vai passar.

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