GAZETA DO POVO - PR - 06/10
Estava ruminando algumas ideias para colocar neste espaço dizendo o que penso de se gastar R$ 80 milhões na reforma dos gabinetes dos desembargadores do Tribunal de Justiça, atropelando pareceres técnicos e dúvidas dentro do próprio órgão, quando li o primoroso artigo de José Lucio Glomb sobre o assunto. Posso até adicionar alguma coisa nova e importante a ele; só que o que é importante não será novo e o que é novo não será importante.
O artigo de Glomb me lembrou três lições que aprendi a respeito da administração pública com quatro mestres notáveis: Alípio Ayres de Carvalho, Ítalo Conti, Pedro Viriato Parigot de Souza e Jayme Canet Júnior: a escolha de prioridades, a clareza e objetividade no que se faz ou se pretende fazer, e o real significado do termo “serviço público” como atributos insubstituíveis dos atos dos governantes.
Não basta fazer algo útil, é necessário fazer antes o que é mais útil; essa é a definição de prioridade. E para quem? Para o maior número de pessoas: serviço público é servir ao público; tão simples como isso. Se o Judiciário paranaense tivesse um fórum cível apresentável na capital do estado e instalações minimamente condignas nas comarcas, o que claramente não tem, talvez se justificasse – talvez – gastar R$ 80 milhões em uma reforma dos gabinetes para melhorar as condições de trabalho de seu alto clero. Fora disso, é um investimento discutível e adiável. Da mesma maneira como é discutível e adiável gastar mais de R$ 100 milhões por ano durante 25 anos para criar nove centros de atendimento ao público em um estado que tem quase 400 municípios e milhares de prédios em petição de miséria, como pretende o tal programa “Paraná Tudo Aqui”.
Alípio chegou a ser ridicularizado pela sua obsessão pela escolha correta de prioridades, mas graças a ele e a alguns poucos outros incompreendidos é que os primeiros esforços concatenados de planejamento surgiram em nosso estado, auxiliando Ney Braga posteriormente a executar muitas daquelas prioridades em uma gestão exemplar. De Parigot nem falar: na Copel, que ele presidiu com rigor ético e brilhantismo, não se comprava um clipe de papel sem que estivesse estabelecida a prioridade das coisas a fazer.
A outra lição que tive a graça de receber se referia à clareza e à objetividade do que o governante pretende fazer. Jayme Canet Júnior e Ítalo Conti eram fanáticos da objetividade. Ítalo, com aquele seu jeitinho cordial que personificaria o hay que endurecer sin perder la ternura, era de uma franqueza absoluta e não deixava dúvidas sobre o que pensava a respeito de um assunto e do que esperava de seus auxiliares para encaminhá-lo ou resolvê-lo. Canet era menos dado a ternuras e cultivava uma solene antipatia pela enrolação ou pelas meias revelações. Seu bordão inesquecível era “vamos ser práticos”; e, quando alguém tentava convencê-lo de alguma coisa indefensável, declarava em alto e bom som que a única coisa que não suportava é que quisessem lhe passar atestado público de burrice!
Fico pensando no que os dois achariam de um projeto que promete cortar mil cargos comissionados sem dizer exatamente quais – e cria outras mil funções gratificadas sem dizer exatamente para quê; elimina quatro secretarias financeiramente insignificantes e institui uma outra. Com o detalhe adicional de que não é claro para o grande público se os cargos eliminados estão ou não preenchidos. Se não estiverem, o que confessadamente acontece com boa parte deles, acho que devemos todos voltar aos bancos escolares para reaprender aritmética: como é que se elimina gasto deixando de gastar com o que já não estava custando nada?
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