segunda-feira, maio 06, 2013

Política fiscal à deriva - GUSTAVO LOYOLA

Valor Econômico - 06/05

Em recente entrevista ao Valor, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, declarou que "a meta fiscal será sempre uma variável da economia e não mais da dívida pública em si". E completou: "A mudança só é viável porque novos fundamentos econômicos, como juros estruturalmente mais baixos e dívida pública em queda, além da crise mundial, abrem espaço para uma gerência fiscal mais ativa".

As palavras do secretário parecem indicar que, daqui para frente, deixará de existir na prática uma meta fiscal e os resultados primário e nominal serão ditados, ano a ano, pelos caprichos da conjuntura econômica. Isso significa que a política fiscal não mais terá como objetivo a redução da dívida pública como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), como tem ocorrido desde o Plano Real. Vale dizer que este não seria o primeiro atentado à responsabilidade fiscal. O emprego de contabilidade criativa, o afrouxamento das regras da Lei de Responsabilidade Fiscal para Estados e municípios, o uso abusivo de "abatimentos" da meta são algumas das ações do governo nos últimos dois anos que, de forma gradual, vêm comprometendo a solidez das contas públicas construída após 1994.

A ideia de que uma política fiscal ativa signifique ignorar a trajetória da dívida pública afigura-se totalmente esdrúxula. Ao contrário, somente o compromisso com a sustentabilidade do endividamento público permite que, no curto prazo, a política fiscal possa ser utilizada como instrumento de regulação da demanda agregada, quando isso se fizer necessário. Países que têm elevadas dívidas públicas com proporção do PIB raramente possuem condições de praticar políticas fiscais anticíclicas, tendo em vista o risco de aumento do prêmio de risco exigido pelos investidores na rolagem dos papéis da dívida ou mesmo, em casos mais agudos, o fechamento do mercado a novas captações de recursos, o que pode levar ao "default".

Nesse sentido, a situação atual dos países periféricos da zona do euro é muito ilustrativa. Não obstante a severa crise de crescimento porque passam países como Grécia, Portugal e Espanha, a política fiscal obrigatoriamente tem que ser de austeridade, em decorrência do endividamento elevado desses países e das complicações para rolagem de suas dívidas no mercado. Desse modo, a política fiscal acaba sendo utilizada de maneira procíclica, o que agrava ainda mais a situação de penúria econômica daqueles países.

Por outro lado, não é certo dizer que a dívida pública brasileira está em queda. O indicador dívida bruta/PIB tem crescido substancialmente nos últimos anos, em razão principalmente da expansão da dívida mobiliária como contrapartida do repasse massivo de recursos do Tesouro ao BNDES. Por sua vez, o fato de a relação dívida líquida/PIB ainda estar apresentando trajetória favorável traz conforto apenas ilusório, já que a estatística da dívida líquida não mais reflete fidedignamente, a meu ver, a noção de endividamento líquido, uma vez que em seu cálculo são deduzidos da dívida bruta os créditos do Tesouro junto ao BNDES que não têm liquidez imediata, ao contrário das reservas internacionais do país.

Ademais, o espaço fiscal gerado pelos juros "estruturalmente mais baixos" já foi totalmente comprometido pelo governo com a redução do esforço primário em 2012, o que deveria levar a uma política fiscal mais prudente em 2013 e 2014, contrariamente ao sugerido pelo secretário do Tesouro na citada entrevista.

Aliás, com relação à taxa de juros, não parece correto tomar-se seu nível atual como sendo o de equilíbrio de longo prazo, haja vista o comportamento desfavorável da inflação nos últimos meses que sinaliza a existência de um desequilíbrio entre oferta e demanda. Por outro lado, menor superávit primário implica estímulo adicional à demanda o que, numa situação de pleno emprego, acaba exigindo do BC a fixação de uma taxa Selic mais elevada para conter o risco inflacionário, acarretando elevação dos custos de financiamento do Tesouro. A propósito, uma das características mais negativas da atual gestão macroeconômica é a absoluta divergência de diagnósticos sobre a conjuntura entre o BC e o Tesouro. Enquanto o BC inicia um processo de aperto monetário - como reação ao aumento do risco inflacionário, o Tesouro acelera o passo na expansão fiscal, como se estivéssemos numa quadra de insuficiência de demanda agregada.

Nessas condições, colocar a política fiscal brasileira ao sabor das ondas da conjuntura econômica é um experimento temerário. Bem superior seria uma política que estabelecesse metas - críveis e transparentes - de longo prazo para a diminuição das despesas de custeio como proporção do PIB, assim como de equilíbrio estrutural entre as receitas e as despesas nominais do governo. Âncoras como essas permitiriam o gerenciamento de curto prazo da política fiscal sem sobressaltos e riscos, ainda quando a situação conjuntural viesse a exigir seu afrouxamento (redução de impostos e/ou aumento de gastos) para estimular a demanda agregada.

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