FOLHA DE SP - 18/04
A discussão moral sobre o aborto está entre as mais acaloradas das chamadas guerras culturais. E a veemência dos debates muitas vezes desvia a atenção para um fato importante: o número de interrupções voluntárias da gravidez no mundo já registrou uma baixa importante e pode cair ainda mais.
De acordo com um estudo do Instituto Guttmacher publicado no ano passado no periódico médico "The Lancet", entre 1995 e 2003, a taxa mundial de abortos reduziu-se de 35 para 29 por mil mulheres em idade fértil e, de 2003 a 2008, estabilizou-se nesse patamar.
O principal motivo para a queda foram avanços no campo do planejamento familiar. Como o espaço para esse gênero de iniciativa não está nem de longe esgotado, um esforço nessa área poderia diminuir significativamente a prevalência do polêmico procedimento.
Nesse contexto, são bem-vindas as medidas do Ministério da Saúde para facilitar o acesso das mulheres à pílula do dia seguinte. O medicamento (levonorgestrel), que pode evitar a gravidez até cinco dias após a relação sexual desprotegida, é adquirido por menos de R$ 10 em farmácias.
Causa espanto, desde logo, que esse meio contraceptivo de emergência não seja objeto de campanhas de divulgação mais ampla, a exemplo do que se faz com preservativos. Pior, embora a pílula já seja distribuída gratuitamente na rede pública de saúde, enfrenta barreiras burocráticas inaceitáveis.
O medicamento estava disponível apenas sob prescrição médica, o que, em condições ótimas, faria sentido. Mas o prazo para realizar uma consulta com ginecologista no SUS chega facilmente a dois meses, muito além do período de eficácia da pílula.
O governo federal distribuirá, agora, uma cartilha para profissionais da rede pública na qual esclarece que, se não houver médico disponível, a pílula pode ser fornecida por enfermeiros. Espera-se que essa orientação também facilite o acesso de menores ao levonorgestrel, já que alguns postos de saúde criam embaraços e exigem, por exemplo, a presença dos pais.
A oferta abundante de métodos de planejamento familiar e da contracepção de emergência não vai, é claro, zerar a ocorrência de abortos. Mas, considerando que há alternativa menos traumática para a mulher e menos controversa para a sociedade, seria um erro não massificá-la tanto quanto possível.
Avanços na prevenção da gravidez talvez não sejam suficientes para transformar o aborto numa relíquia, mas bastariam para evitar uma boa dose de sofrimento.
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