sábado, fevereiro 02, 2013

Não é guerra, mas parece - MIGUEL REALE JÚNIOR

O ESTADÃO - 02/02

Em recente pesquisa, 90% dos paulistanos consideraram a cidade de São Paulo insegura e revelaram medo. A violência passou a ser um componente do cotidiano. Na sociedade globalizada, graças aos meios de comunicação a percepção da violência prescinde da experiência pessoal, generalizando o sentimento de intranquilidade no meio social.

Dados demonstram - tendo sempre por referência o número de homicídios por 100 mil habitantes - que passamos de 11,7 homicídios em 1980 para 25 na década de 90. Na mesma época, o índice em países vizinhos como Argentina, Paraguai, Chile era de 5 homicídios. Na Inglaterra e na França, apenas 1.

Em 2000 registraram-se 26,7 homicídios e a década terminou com número próximo ao de seu início: 26,2. De 2004 a 2007 foram assassinadas mais pessoas no Brasil do que todas as mortas nos 12 principais conflitos armados pelo mundo afora. Esses números, todavia, indicam os homicídios cometidos, mas não a agressividade voltada para a destruição da vida, pois as estatísticas desconsideram as ações frustradas visando a matar.

Estudo de Júlio Waiselfisz, do Instituto Sangari, traz o Mapa da Violência no Brasil na década de 2000-2010. No início dessa década, Estados que ostentavam níveis moderados apresentaram crescimento severo, como Alagoas, Pará ou Bahia. Por outro lado, a maior parte dos Estados que lideravam as estatísticas tiveram quedas significativas, como São Paulo e Rio de Janeiro.

Comparando as taxas de homicídios de 2000 e de 2010, verifica-se que houve intensa mobilidade da criminalidade, com a interiorização do crime, diante do incremento do número de homicídios nas cidades com cerca de 100 mil habitantes.

No Estado do Rio de Janeiro alcançou-se em 2010 uma redução de 48,6% no número de homicídios, em São Paulo houve uma diminuição de 67,5%. Enquanto isso, a Bahia sofreu aumento dos casos, com acréscimo de 303%, e o Pará apresentou crescimento de 252%.

A grande sensação de insegurança dos paulistanos exige que se façam ponderações. São Paulo apresentou ao longo do tempo formas variadas de violência contra a pessoa. Para sociólogos do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, em 1980 cerca de 30% dos homicídios noticiados pela imprensa na cidade decorriam de atos de linchamento, principalmente, executados em frente à sede de órgãos estatais, em demonstração cabal de desconfiança e de afronta ao poder constituído.

A partir de 1985 adicionou-se outra modalidade de violência, consistente no homicídio praticado por grupos de extermínio.

Na década de 90 nova forma de violência contra a pessoa passou a prevalecer: a chacina. Em 1999 houve 75 chacinas, com 257 mortos. A ação homicida não se limita a uma determinada pessoa. Rompidos são todos os interditos e, se preciso, vitimam-se crianças, mulheres e idosos. Ou seja, todos, indistintamente, os que estejam ao lado do alvo desejado. A chacina revela grau elevado de desprezo à vida, explicável apenas diante da imensa desorganização social na periferia das cidades e da ausência do poder público.

As chacinas passaram a ser cuidadosamente investigadas, descobrindo-se os autores, em geral assassinos de aluguel, muitas vezes policiais a serviço de mandantes que agiam por motivo irrelevante. Caiu, então, a incidência da chacina.

Hoje a atmosfera de insegurança é grande, malgrado ter havido significativa diminuição da criminalidade, como antes sinalizado. Mas vale verificar alguns números: no terceiro trimestre de 1999 ocorreram mais de 3 mil assassinatos e mais de 2 mil tentativas, mas, em 2011 o terceiro trimestre registrou "apenas" 1.055 homicídios e 1.261 tentativas. É certo, contudo, que recrudesceu o número de homicídios no terceiro semestre de 2012, com aumento de 10% dos casos. Em outubro de 2102 o fenômeno foi mais grave: houve 150 homicídios e 160 tentativas na cidade de São Paulo, enquanto, no mesmo mês de 2011, foram 78 homicídios e 102 tentativas. A chacina também retornou: no ano passado houve 27 casos, tendo sido apurada a autoria de apenas um.

Há outro dado relevante: no terceiro trimestre de 2011 foram mortas pela Polícia Militar (PM), em confronto, 92 pessoas, mas no mesmo trimestre de 2012 morreram por ação da PM 140 pessoas no Estado de São Paulo. Policiais, em especial fora de serviço, também foram mortos. Criou-se um clima de guerra que pode explicar a sensação de insegurança atual.

A volta da chacina pode decorrer da falta de apuração pela Polícia Civil. A crescente violência policial é fruto de descontrole sobre a tropa de policiais militares. Esses são fatores em parte explicativos do aumento dos homicídios. Assim, age com acerto o novo secretário da Segurança ao pretender modernizar, com trabalho de inteligência, o Departamento de Homicídios e ao proibir que vítimas de confronto com a PM sejam levadas ao hospital pelos policiais, visando a preservar a cena do fato.

O palco da violência, a realidade dura das periferias, porém, pouco mudou. Assim, é relevante que se implantem, em conjunto com as secretarias da área social, políticas de transformação e de humanização da periferia das cidades médias e grandes. Algumas dessas medidas: dinamizar os Centros de Integração do Cidadão, levando a Justiça ao povo, com juízes, promotores, defensores públicos e policiais perto e a serviço da população pobre; realizar mutirões para orientação jurídica e mediação de conflitos; criar centros de convivência e de cultura; organizar a prática de esportes; integrar a escola à comunidade; garantir a presença de médicos nos postos de saúde e determinar o fechamento de bares a partir das 22 horas, quando mais grassa a violência.

Só a ação integrada de diversos setores pode minimizar o quadro trágico da violência, que nos joga no Terceiro Mundo, com índices de criminalidade superados, na América, apenas pela Colômbia.

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