segunda-feira, dezembro 10, 2012

Papel constitucional -EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 10/12


A Constituição de 1988 recolocou o Brasil no caminho da normalidade institucional, legando aos cidadãos mecanismos de defesa de seus direitos, muitos deles suprimidos ou simplesmente não reconhecidos no longo período de exceção que o país viveu durante o ciclo militar iniciado em 1964. Entre os cuidados que os constituintes tiveram para restabelecer o estado democrático de direito, uma das mais significativas iniciativas foi o espaço assegurado a promotores e procuradores para atuar como legítimos representantes da sociedade, sem subordinação a qualquer um dos três Poderes.

Dentro desse espírito, o Ministério Público incorporou importantes atribuições. Uma das mais significativas é o poder de investigação criminal, retirando do âmbito das polícias o monopólio da abertura e condução de inquéritos para apurar crimes. No balanço deste período em que patrocinou diligências, o MP tem um saldo amplamente favorável — coroado recentemente com a competência técnica da denúncia contra a quadrilha de mensaleiros, encaminhada ao Supremo Tribunal Federal pela Procuradoria-Geral da República e acolhida, em suas acusações mais substanciais, pela maioria da mais alta Corte do país.

Mas pretende-se cassar esta prerrogativa no Congresso. No final de novembro, uma comissão especial da Câmara dos Deputados e do Senado aprovou a Proposta de Emenda Constitucional nº 37, que, se sancionada, retirará da Carta os dispositivos que asseguram a participação do Ministério Público em inquéritos criminais, devolvendo às polícias o controle exclusivo das investigações. Um preocupante retrocesso.

Sugestivamente, a proposta — não por acaso patrocinada pelo deputado federal Lourival Mendes (PTdoB-MA), um delegado de polícia — tramita no Congresso apelidada de “PEC da Impunidade". O direito estendido ao MP de promover diligências não implica retirar essa prerrogativa das polícias. Apenas acaba com o monopólio policial das investigações criminais, perigoso porque tais corporações, ligadas diretamente ao Poder Executivo, nem sempre são blindadas contra pressões de grupos que não respeitam os limites entre interesses pessoais (ou de governos) e as soberanas razões de Estado. Não faltam exemplos disso no país.

Sem dúvida, procuradores e promotores estão sujeitos a cometer excessos. Mas deslizes não são da natureza da função. Não se justifica condenar o todo por eventuais abusos de uma parte que atue em desconformidade com o que é claramente definido por regras funcionais. Ademais, desvios de conduta, seja no MP, nas polícias ou em outros organismos do poder público, são passíveis de ações correcionais, pelo Conselho Nacional do MP. Que deve ser mais atuante, é verdade.

A PEC 37 ainda passará pelos plenários da Câmara e do Senado. Nessas instâncias é crucial que seja derrotada a proposta, uma tentativa de contrabandear para a Constituição, de forma perigosa, porta aberta para a impunidade. Bastam as que já existem.

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