quinta-feira, dezembro 06, 2012

Da janela se vê... um transatlântico! - LUIZ FERNANDO DE ALMEIDA


O GLOBO - 06/12
A singularidade da beleza do Rio de Janeiro, estabelecida pela interação entre a sua natureza exuberante e a cidade construída, é um patrimônio apropriado por seus habitantes, exaltado nas suas canções, alavanca dos seus negócios e fator objetivo e subjetivo do recheio daquela cesta de indicadores que compõem a nossa ideia de qualidade de vida.

A nomeação da paisagem carioca como patrimônio da humanidade, além de reconhecer os valores culturais universais da cidade, provoca e estimula a discussão pública sobre a sua dinâmica, especialmente sobre os seus projetos de intervenção urbana.

O cidadão, ao se apropriar do território comum e discutir o que acontece ou pode acontecer na rua, na praça, enfim, no espaço público, avança em um caminho essencial para o exercício pleno da nossa cidadania.

A área apresentada pelo IPHAN na candidatura avaliada e referendada pela Unesco seguiu para a sua delimitação alguns critérios metodológicos como, por exemplo, a recorrência da mesma imagem da paisagem na representação da cidade nos seus últimos 200 anos. Construídos a partir de critérios decodificáveis da qualidade desta paisagem, estes mesmos valores vão além dos limites dos seus marcos simbólicos.

Volta e meia escutamos ou nos manifestamos sobre uma ou outra intervenção urbana, aberrante ou não: "Isto não pode ser feito aqui e dessa forma, é patrimônio!", "Isto é horrível!", "Vão destruir a paisagem"...

Sendo protegido ou não, pela normativa urbanística ou por leis de tombamento, o patrimônio é uma construção social, e portanto de propriedade dos cidadãos. Por isso, estas manifestações que se apropriam da paisagem como patrimônio são extremamente positivas.

Como o Estado deve trabalhar com isto? Não vejo sentido, ainda que provoque tentações em alguns, a reedição de uma comissão de estética na prefeitura como a que existiu no início do século XX.

Então, como seria? Para a preservação e intervenção na paisagem não cabem decisões setoriais, precisamos colocar em prática novos instrumentos de gestão com uma estratégia de governança mais ampla e principalmente que considere a participação cidadã e a opinião pública como parâmetros para as decisões ainda herdeiras da nossa tradição autoritária.

A discussão sobre a pertinência ou não da construção do píer em Y, rechaçado pela sociedade carioca, evidencia e coloca em xeque a construção do Rio que queremos.

A implantação do projeto apresentado em nada considera as qualidades paisagísticas da Baía de Guanabara, expõe a ausência de diálogo entre órgãos públicos e destes com a sociedade e desqualifica a paisagem cultural do Rio.

Os motivos tomados um a um já seriam suficientes para a decisão de revisão da implantação do píer. Todos juntos e mais as manifestações já feitas por inúmeros arquitetos, urbanistas, agentes culturais, agentes públicos, Comitê Olímpico, cidadãos, então...

Acrescente-se a isto a inexistência de um projeto executivo que eventualmente afirmaria razões ainda desconhecidas para a manutenção da implantação do novo píer na altura dos primeiros armazéns ao lado do Píer Mauá.

É realmente um mistério o que justificaria a protelação da decisão de alteração da localização do píer. Com a palavra estão os promotores da obra, diante dessa demonstração tão rara de unanimidade. 

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