domingo, novembro 11, 2012

Despreparo para a nova classe média - SUELY CALDAS


O Estado de S.Paulo - 11/11



O País inteiro comemora a ascensão de 35 milhões de brasileiros pobres à nova classe média. Na contabilidade da Secretaria de Assuntos Estratégicos, essa parcela do estrato social soma hoje 105 milhões de pessoas, um salto de 38% para 53% da população nos últimos dez anos. Comprar uma casa, um carro, uma televisão moderna, matricular o filho em escola privada, ter um plano de saúde, tudo isso deixou de ser sonho e virou realidade. E aí começaram outros problemas.

Nestes dez anos o País não se preparou para suprir as demandas e aspirações desses 35 milhões de brasileiros. Na educação e na saúde, o descompasso está mais concentrado em cidades populosas, sobretudo as capitais, onde o déficit de escolas e hospitais públicos é elevadíssimo. Na educação, nem tanto: as escolas públicas são mal aparelhadas, alunos passam semanas sem aulas porque professores fazem greves, mas há vagas disponíveis. Com isso a migração para a escola privada não foi espetacular: nos últimos dez anos o número de alunos dos ensinos fundamental e médio matriculados na rede privada cresceu pouco, de 11% para só 16% do total.

Mas na saúde o déficit de hospitais se agigantou, pressionado pelo aumento do número de trabalhadores com carteira assinada, que, com sua família, passaram a usufruir de algum plano de saúde. Segundo a Agência Nacional de Saúde (ANS), hoje quase 60 milhões de brasileiros são atendidos por médicos e hospitais privados, mas o número de leitos, centros cirúrgicos e laboratórios estacionou ou cresceu muito pouco, gerando dilemas em que, dependendo do plano, virou rotina o usuário esperar semanas por uma cirurgia de urgência e meses para ter seu pedido de tomografia atendido. Médicos contam ser comum hoje fazer cirurgias de madrugada.

O presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados, Henrique Salvador, culpa as empresas operadoras, que fazem planos baratos para atrair a nova classe média, sem se preocupar se a rede hospitalar e os laboratórios credenciados têm ou não capacidade para atender à expansão. E a ANS, a quem cabe regular e fiscalizar as empresas privadas de saúde, não tem trabalhado para garantir atendimento adequado.

Além da educação e da saúde, onde são mais específicas e palpáveis as carências da nova classe média, há outra importante deficiência na infraestrutura do País que é ampliada e agravada pelo ingresso desses 35 milhões de brasileiros no mercado de consumo: a produção de energia, seja elétrica ou a partir do petróleo. Se antes não passava de sonho comprar um carro, uma geladeira ou mais um aparelho de TV, hoje isso virou realidade para 35 milhões de novos consumidores. Suprir essa demanda antes reprimida implica expandir a produção de combustíveis e energia elétrica. E nisso, seja por concepção errada ou falta de bom planejamento, o País está apanhando de goleada.

Enquanto o consumo de energia elétrica e de combustíveis cresce, a produção cai. O País tem rios, água em abundância, ventos e muito petróleo debaixo do mar - matéria-prima de graça para fazer expandir a produção. Mas a miúda interferência do governo Dilma nas regras de regulação e, no outro extremo, sua omissão (caso da exploração do petróleo do pré-sal) têm dificultado novos investimentos em expansão.

Como explicar o discurso de "tudo pelo investimento", se os governos Lula e Dilma passaram quase cinco anos sentados em cima da riqueza do petróleo do pré-sal sem realizar uma única licitação, apesar de haver investidores ávidos por explorá-la? É balela jogar a culpa no Congresso por só agora ter aprovado a lei da divisão dos royalties do pré-sal. Quando o governo quer, pressiona e o Congresso vota. No caso dos royalties, Lula e Dilma foram omissos. O projeto de redução das tarifas de energia tem sido contestado pelas empresas, inclusive a estatal Eletrobrás, que avisam que não conseguirão manter investimentos futuros em geração e manutenção. Os apagões se proliferam, o consumo continuará crescendo e a nova classe média vai comprar mais eletrodomésticos. Já os investimentos estão empacados.

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