quarta-feira, setembro 19, 2012

Uma escolha de longo prazo - FRANCISCO TURRA e ANDRÉ MELONI NASSAR


O ESTADÃO - 19/09


A crise por que passa a avicultura no Brasil, agravada pela recente alta dos preços do milho e da soja, macroingredientes das rações, coloca uma questão para reflexão: qual o melhor modelo de desenvolvimento para o agro brasileiro, aumentar sua inserção internacional via grãos ou carne? Ao ler tal questão, é quase irresistível a tentação de criar um paralelo com o debate sobre exportar minério ou aço.

Duas diferenças põem o debate grãos x carnes em outro nível em relação a minério x aço. Enquanto a produção de grãos é pulverizada, os produtores de minério são poucos, ou seja, os segundos controlam a oferta, diferentemente da primeira. Além disso, embora possam parecer situações similares, porque tanto na siderurgia quando no esmagamento de soja há capacidade ociosa no mundo (o que nos levaria a concluir que exportar minério e soja faz mais sentido economicamente do que aço e carne), a indústria de frango e porco ainda requer muito investimento em capacidade de alojamento, engorda e abate dos animais para atender à crescente demanda por proteína animal. Por que não criar as condições para que os investimentos necessários sejam feitos predominantemente no Brasil, ao invés de fora daqui?

Desde que garantido que a produção doméstica de grãos continue integrada aos mercados mundiais, a resposta à pergunta inicial é simples e direta: via carne. O grande desafio está em implementar um modelo de expansão da exportação baseado em carne, e não em grãos, como ocorre hoje.

Os últimos dez anos mostram que existe um bom equilíbrio entre a expansão da exportação de grãos e carnes. Enquanto a soja cresceu ao redor de 7% ao ano de 2002 a 2011, a carne de frango cresceu 9% ao ano. Farelo de soja, por sua vez, teve exportações estáveis, mostrando que foi a demanda por carnes, e não o mercado internacional, que promoveu maior esmagamento. No entanto, pós-crise de 2008, observamos que as exportações de soja, farelo e milho (9,5%, 5,9%, 16,4% de expansão ao ano, respectivamente) estão crescendo a olhos vistos, mais que as de frango e carne suína (3,2% e -1,9%).

Parte desse desequilíbrio está relacionada a questões estruturais no mercado internacional. A demanda por soja e milho, em maior magnitude, e por farelo, em menor (porque os importadores de ração investem em esmagamento), está crescendo mais que a demanda por carne de frango e suína. Isso se dá porque os asiáticos, sobretudo, estão migrando para sistemas mais eficientes de produção de carnes e demandam mais fortemente rações, substituindo dietas tradicionais menos produtivas.

Ao mesmo tempo, esses países mantêm níveis de proteção ao mercado de carnes mais elevados que os aplicados aos componentes da ração. Uma boa medida disso é comparar o aumento da importação e o do consumo doméstico. Quando a importação cresce mais rapidamente que o consumo, significa que parcela maior da demanda é atendida por importações. No caso inverso, é a produção local que supre o aumento da demanda. Quanto a soja e milho, fica claro que as importações crescem mais depressa que a demanda. Já no caso de frango e carne suína, o crescimento é equivalente, isto é, os importadores estão conseguindo manter o nível de autossuficiência.

Essa condição de mercado internacional, ou seja, de maior crescimento relativo da demanda por importações de rações que de carne, é fruto de políticas protecionistas e interesses de segurança alimentar nacional. A margem de manobra dos países para impor barreiras às importações de carne, até por sua natureza de perecibilidade e riscos sanitários, é muito maior e nações como China e Índia não medem esforços nesse sentido. Além disso, as barreiras culturais e de hábito de consumo pesam muito nas carnes. O chinês ainda consome muito pé de frango e o indiano, quando a come, opta por carne resfriada, restringindo o tamanho do mercado.

Esses países sabem que, ao importar milho e soja, capturam grande parte do valor adicionado e do emprego da indústria de processamento em seus países. A geração de valor na cadeia de frango comprova isso. Milho e farelo de soja representam 90% da ração de frango de corte em peso e 41% do valor FOB do frango exportado. Sobre o custo de milho e farelo de soja, o frango exportado adiciona 67% de valor. Além disso, gera 33,5 empregos diretos (nas granjas e nas indústrias) para R$ 1 milhão de carne produzida. Poucos setores de grande tamanho mostram essa capacidade de geração de empregos.

Como o preço dos grãos no Brasil é formado no mercado internacional, é indiferente para o produtor vender sua produção a um exportador ou a um produtor de carnes. Já para o desenvolvimento do agro as vantagens econômicas, sociais e logísticas de se buscar maior crescimento nas exportações de carnes vis-à-vis as dos grãos são evidentes. E para que isso ocorra via mercado e sem pôr em xeque elos da cadeia de valor, como hoje ocorre com os produtores de carne de frango, é preciso que as condições de competitividade sejam equânimes. Produzir carne tem riscos de mercado e regulatórios muito maiores e retornos mais longos que produzir grãos, além da preferência dos importadores pelos grãos em detrimento das carnes.

A indústria de frango no Brasil está diante de uma grande encruzilhada. Por anos foi capaz de crescer mais de 10% ao ano, mais que duplicando a participação do País no mercado internacional. Esse ciclo de expansão chegou ao fim e a aterrissagem de 2012 não poderia ser mais brusca. Conhecemos bem o que significa uma consolidação a fórceps, tal como se viu no setor sucroenergético e na carne bovina. Ela não será saudável nem para a indústria nem para os produtores. É momento de o Brasil definir o que quer ser no mercado mundial de carnes e, a julgar pelo pouco interesse na avicultura, os planos, infelizmente, não são muito ambiciosos.

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