FOLHA DE SP - 19/09
Não há a menor dúvida de que Lobato se utiliza de expressões que hoje soam rematadamente racistas, como o termo "macaca de carvão", para referir-se à Tia Nastácia. A questão é que estamos falando de escritos dos anos 30, época em que quase todo mundo era racista. E, se há um pecado mortal na crítica literária e na análise histórica, é o de interpretar o passado com os olhos de hoje.
"Não sou nem nunca fui favorável a promover a igualdade social e política das raças branca e negra... há uma diferença física entre as raças que, acredito, sempre as impedirá de viver juntas como iguais em termos sociais e políticos. E eu, como qualquer outro homem, sou a favor de que os brancos mantenham a posição de superioridade."
Odioso, certo? Também acho. Mas, antes de condenar o autor da frase ao inferno da intolerância, convém registrar que ela foi proferida por Abraham Lincoln, o presidente dos EUA que travou uma guerra civil para libertar os negros da escravidão.
E Lincoln não é um caso isolado. Encontramos pérolas racistas em ditos de Gandhi e Che Guevara. Shakespeare traz passagens escancaradamente antissemitas, Eurípides era um misógino e Aristóteles defendia com empenho a escravidão. Vamos banir toda essa gente das bibliotecas escolares?
A verdade é que todos somos prisioneiros da mentalidade de nossa época. Há sempre um horizonte de possibilidades morais além do qual não conseguimos enxergar. Aplicar critérios contemporâneos para julgar o passado é uma manifestação de analfabetismo histórico.
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