O GLOBO - 13/09
A OAB foi criada por um decreto, na constância da Revolução de 1930 que, golpeando a eleição de Julio Prestes, compôs o Governo Provisório liderado por Getúlio Vargas. Contraditório, não? Uma entidade representativa de uma categoria historicamente defensora das liberdade, nascendo de um instrumento próprio dos governos autoritários e exsurgindo em momento tão aviltador desse bem da cidadania. De fato. Mas já naquele momento se verificou o quão republicana e autônoma e independente é a entidade dos advogados brasileiros. À sua natureza democrática, voltada para a afirmação das liberdades necessárias ao estabelecimento de uma sociedade justa, pouco se dava que tivesse vindo à luz pela via torta de um decreto, ditado por um poder autoritário. E disso deu mostras ao longo de sua trajetória, sempre alinhada com as melhores causas do povo brasileiro e comprometida com os valores democráticos, sobretudo nos momentos mais dramáticos em que eles foram ignorados e desrespeitados.
E foi ainda na década de sua criação, e contra o Estado que lhe deu a forma — mas jamais o conteúdo —, que a OAB prosseguiu demonstrando sua aptidão para a defesa dos perseguidos, atuando em defesa dos "inimigos” — comunistas, principalmente — do Estado Novo, presos e torturados, sujeitados a um Tribunal de Exceção que até hoje envergonha a consciência jurídica do país. Ali, surge a figura gigantesca de Sobral Pinto, que se transformará em símbolo da advocacia brasileira, por exercer as suas obrigações profissionais com coragem e generosidade.
Ultrapassado esse período, participou do florescer da democracia que culminou com a convocação da Assembleia Constituinte e a Constituição de 1946, levando adiante sua inserção no cenário político ao longo das décadas posteriores sempre que questões atinentes à democracia e à liberdade estivessem em jogo.
Foi, no entanto, após o golpe militar de 1964 que a OAB agigantou-se na sua missão de defender as instituições democráticas e os próprios democratas contra a sanha do governo ilegítimo e arbitrário — que, no desenrolar do golpe, resvalou para o fascismo mais exacerbado, eliminando garantias individuais, exterminando opositores, torturando sistematicamente, violando metodicamente os direitos da pessoa humana. Na noite medonha da ditadura, a OAB agasalhou a esperança dos caídos e iluminou o céu dos descrentes no fim daquela opressão.Seus dirigentes, dando exemplos seguidos pela categoria, enfrentaram os algozes, desceram aos porões, resgataram sobreviventes, mostrando à sociedade que um novo dia seria capaz de raiar apesar dos facínoras que macularam as funções públicas que exerciam e remunerados com os impostos pagos pelo povo. Essas nódoas até hoje mancham fardas e reputações e têm se mostrado difíceis de ser removidas.
Sobral Pinto, Raymundo Faoro, Evandro Lins e Silva, Modesto da Silveira, Seabra Fagundes. Esses, e tantos outros, nomes para a história do Brasil registrar e reverenciar. Nomes que, para além da envergadura profissional, farão sempre lembrar que houve um dia combate, nas ruas, nas fábricas, nos campos, nas escolas e também nos tribunais. Contingente destacado dessa deflagração, os advogados foram valentes, destemidos, levantaram as bandeiras mais caras na busca da superação da ditadura. Exigiram a anistia, o fim das torturas, a liberdade de imprensa, o fim da censura, o restabelecimento do habeas corpus. E o quartel general desse contingente de homens e mulheres era, e para sempre será, em face das renovadas demandas, institucionais ou corporativas em prol da cidadania, a Ordem dos Advogados do Brasil.
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