sábado, setembro 01, 2012

O supremo direito - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SÃO PAULO - 01/09


Durante o julgamento do mensalão, os ministros não se afastaram das normas constitucionais e legais


Aqueles que até aqui acompanharam o julgamento do mensalão puderam notar que, em nenhum instante das sessões do STF (Supremo Tribunal Federal), seus ministros se afastaram das normas jurídicas. Foi assim porque cumpriram seu dever de cuidar do "direito como ordenamento normativo coativo", na síntese feita pelo "Dicionário de Política" de Bobbio, Matteucci e Pasquino.

É ordenamento porque corresponde a um conjunto de regras jurídicas (leis, princípios e fundamentos). Imponível a todas as pessoas submetidas à mesma ordem legal. É coativa, por sua aptidão para corrigir ações que se afastem do cumprimento das normas legais. O mesmo se diga do dever de lhes aplicar as punições cabíveis.

Se o leitor quiser um resumo do que aconteceu no STF, na primeira etapa do julgamento da mais alta corte de justiça brasileira, digo que consistiu em definir duas ordens de normas. Em primeiro lugar, o que os estudiosos chamam de direito material ou substancial. Isto é, o direito com suas linhas essenciais de conduta, regulador das relações dominantes para todos os componentes da coletividade. São as pessoas físicas e jurídicas vinculadas à mesma estrutura do direito.

Quem acompanhou as sessões deve ter percebido que os ministros só se referiram -e insistentemente- a dispositivos constitucionais e legais. Interpretaram sua avaliação e sua aplicabilidade. Não saíram dos limites da Constituição. Afinal, é do STF o dever de transpor para a coletividade a compreensão do que a Carta Magna enuncia.

Em cada palavra proferida não foi possível colher significado (ou inflexão, se preferirem) que apontasse as preferências político-partidárias do julgador. Assim foi da caloura ministra Rosa Weber ao decano Celso de Mello, com brilho. O julgamento, em tempo hábil, impediu o desastre que resultaria do vergonhoso decurso do prazo prescricional, em processos contra acusados de serem provocadores de gravíssimos danos à nação.

Os advogados cumpriram seu dever, tentando criar caminhos alternativos para a exclusão de seus clientes. Quando o advogado defende pessoas acusadas de crimes, pretende, ao menos, que a condenação o mantenha nos níveis mínimos da lei. Mantiveram o objetivo.

Já escrevi, nesta coluna, que ninguém pretende que o magistrado seja um santo, porque, se for santo, dificilmente será juiz. Salomão, cuja argúcia no julgamento das duas mães que defendiam seu título sobre um filho, não era santo.

Longe disso. O juiz (ou a juíza) devem ser fiéis a sua profissão, na condição de cidadãos cuja presença no grupo social corresponda a sua natureza, sem ter nem permitir abusos. O "bandido da toga" fere o prestígio de todos.

Ao lado do direito material corre o direito processual, com equilíbrio, de modo a preservar os dois segmentos e a chegar ao justo resultado. Nem mesmo a pretensão do petismo de ser o guardião da ética foi trazida à discussão. A homenagem (justa) a Cezar Peluso, com discurso de Márcio Bastos pelos advogados, teve significado expressivo, no mesmo sentido. Se, como ensina a Carta Magna, no art. 1º, que todo poder emana do povo, nesse caso chegou-se ao resultado com rumo correto e força adequada.

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