segunda-feira, agosto 20, 2012

Cruzar os Andes a pé - MAURO LAVIOLA


O GLOBO - 20/08


Simples coincidência ou jogo político dos mandatários de Chile, Colômbia, México e Peru ao firmarem o documento constitutivo desse novo bloco latino-americano aos 2.400 metros de altura do deserto de Atacama e aos pés dos quatro maiores telescópios existentes no mundo localizados no Cerro Paranal?
Parece terem escolhido o local para marcar o tamanho e a visão estratégica que pretendem dar a essa união. Efetivamente, após somente quatro encontros negociadores, realizados entre abril de 2011 e junho de 2012, firmaram o compromisso de criar um novo espaço de integração regional mais além dos acordos previstos no âmbito da Aladi.
Alguns aspectos relevantes podem modificar substancialmente o panorama econômico, comercial e político da região:
a) o acordo abrange as quatro economias mais pujantes e abertas de região segundo os índices médios de crescimento superiores a 5% alcançados nos últimos anos e pelos acordos extrarregionais firmados com Ásia, Europa e Estados Unidos;
b) a presença do México tende a afastar ainda mais aquele país do Cone Sul;
c) esse novo pacto, ao contrário de outras alianças regionais impulsionadas por dogmas ideológicos avessos aos "malvados e aos imperialistas", visa a projetar as nações pactuantes ao mundo desenvolvido como forma de combater o subdesenvolvimento endêmico;
d) atuar como uma unidade regional coordenada nas relações internacionais valendo-se da avançada rede de acordos comerciais vigentes na região e com europeus, norte-americanos e asiáticos;
e) talvez a mais sábia das decisões dessa aliança tenha sido descartar qualquer vínculo de união aduaneira, em boa hora revogada na Comunidade Andina de Nações e absolutamente inatingível no Mercosul.
Costa Rica e Panamá participaram dos entendimentos como observadores e, quando desejarem, poderão solicitar adesão ao bloco.
Este último país, inclusive, foi recentemente aceito como o 13º membro efetivo da Aladi e seus correspondentes compromissos institucionais com o organismo facilitarão seu ingresso no novo bloco.
Mais do que um espaço de integração e de colaboração recíproca na economia e no comércio, a aliança projeta uma visão conjunta de abertura aos países asiáticos que representam, atualmente, a vanguarda do desenvolvimento tecnológico em bens e serviços.
Os acordos firmados pelos seus integrantes com a China, Coreia do Sul, Cingapura e Japão, entre outros, dão especial ênfase às disciplinas que regulam investimentos e transferência de tecnologias entre as partes, justamente tópicos que falam mais forte do que as preferências tarifárias nas relações entre países desenvolvidos e emergentes.
Enquanto isso, as nações da costa leste do Atlântico esmeram-se em protagonizar atos políticos insanos e ações comerciais deletérias interna e externamente que, progressivamente, vão arruinando as relações socioeconômicas no continente e provocando repercussões negativas de efeito planetário.
Preocupa-me constatar que o continente sul-americano, com enorme potencial de riquezas e de desenvolvimento, se mostre ao resto do mundo com uma clivagem conceitual tão profunda entre a Aliança do Pacífico e o Mercosul vivendo sérios problemas institucionais e agora estigmatizado com a tempestiva entrada da Venezuela.
Trata-se de uma separação continental indesejável que traz percalços praticamente intransponíveis, tanto quanto cruzar os Andes a pé.

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