sexta-feira, junho 01, 2012

Comida, televisão e arte - NELSON MOTTA


O Estado de S.Paulo - 01/06



A TV Cultura de São Paulo foi o que tivemos de mais próximo a uma televisão pública de qualidade antes da era dos canais por assinatura. Em estagnação e decadência nos últimos anos, a Cultura está passando por grandes transformações, numa tentativa de dar sentido aos seus custos e investimentos para conquistar audiência com uma programação qualificada, que divirta, informe e discuta o País com independência, sem pressões comerciais ou políticas.

O grande problema não é só a Cultura ter audiência média de 60 mil domicílios na Grande São Paulo, cerca de 150 mil espectadores num universo de 15 milhões. Para mudar alguma coisa é preciso saber para quem tantos profissionais talentosos e competentes estão trabalhando e tanto dinheiro público está sendo gasto. Quem são esses 150 mil que assistem à TV Cultura? São eles que justificam a existência da emissora. Mas, se eles forem em maioria das classes A e B, faz sentido usar tantos recursos públicos para divertir uma elite que já tem a opção da TV paga?

Ou alguém imagina que programas culturais têm audiência nas periferias e comunidades carentes (de comida, diversão e arte)? Seria ótimo se tivessem, um sinal de progresso contra o atraso social, mas não é o que dizem as pesquisas. Uma TV pública só tem sentido hoje se exibir uma programação de qualidade com a diversidade e a independência que as classes populares não encontram na TV aberta. O que não se justifica é usar o dinheiro dos impostos de todos em benefício de uma minoria privilegiada.

Um ex-diretor da TV Cultura me disse uma vez, todo orgulhoso e antropológico, que a emissora pública de Salvador tinha transmitido o carnaval antigo dos blocos populares no Pelourinho, e não os megadesfiles dos trios elétricos na orla e na Cidade Alta. Pena que ninguém viu, foi trabalho, tempo e dinheiro jogados fora, porque nem o público das comunidades e do próprio Pelourinho estava interessado em se ver na tela, todos queriam ver Ivete, Claudinha e Carlinhos Brown. A máxima de Joãosinho Trinta pode explicar o caso, mas os pobres não podem pagar pelo luxo dos intelectuais.

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