segunda-feira, maio 14, 2012

A marca nas fusões e aquisições - DANIELLA BIANCHI


O ESTADO DE S. PAULO - 14/05



Nos EUA, a década das grandes consolidações foi de 1895 a 1905. Para se ter uma ideia, em 1900, o valor das companhias adquiridas em fusões representava algo em torno de 20% da economia americana. Mais de um século depois, não é novidade para o mundo que o Brasil vive o seu próprio grande movimento de consolidação. Se este é apenas o começo, o meio ou fim dele, ainda não sabemos, mas sob a perspectiva das marcas envolvidas, uma coisa é certa: nada será como antes e os consumidores terão de praticar o desapego.

Nos últimos cinco anos, as consultorias de marca têm sido convidadas a participar de grandes movimentos de consolidação. Ocorre que, na maioria das vezes, os pedidos chegam aos consultores depois que os acordos estão consolidados e anunciados ao mercado. Apesar do entendimento de que marca é um ativo estratégico, é raro que ela seja tratada, desde o início, como uma ferramenta importante na mesa de negociações.

Se por um lado as empresas entendem que suas marcas são mais do que nomes ou logotipos, por outro ainda existe muita dúvida sobre como transformá-las de fato num ativo vivo de negócios, capaz de gerar identificação, diferenciação e valor. Nesse sentido, questões como a estratégia de portfólio, a criação de uma cultura única e a definição da plataforma de cidadania corporativa dos negócios que nascem passam a ser, sim, assunto de marca.

Um projeto de marcas no calor de uma fusão tem sempre o objetivo de assegurar a melhor mensagem para as principais audiências envolvidas. São muitas as variáveis possíveis e quando não há uma única solução, a definição de critérios fica sempre mais complexa. Soma-se a isso o fato de que nem sempre a estratégia de negócios está consolidada. O importante é definir o que deve ser mantido, o que deve ser combinado, o que deve ser eliminado e o que deve ser criado de novo. Se considerarmos pelo menos a análise do nome, do símbolo, da identidade visual, da cultura e da comunicação dos envolvidos, é fácil de entender que um projeto como esse exige recursos dedicados e muito jogo de cintura.

A busca por uma definição clara e que aponte um único caminho é importante porque a ideia é não perder valor enquanto as definições estão sendo estudadas. A impressão que fica é que os concorrentes tornam-se mais rápidos e assertivos depois de um grande movimento. Aproveitam a "oportunidade" para se reposicionar ou para investir mais. Simples ação e reação.

O controle da ansiedade e do processo de engajamento para que as definições sejam comunicadas de dentro para fora é sempre um desafio: apesar do entendimento óbvio de que nenhum funcionário gostaria de saber pelos jornais que a marca para a qual trabalhou durante anos vai desaparecer ou transformar- se em algo que para ele não significa nada, muitas empresas acabam pensando nisso apenas depois de sentir os efeitos do anúncio.

Mensurar o impacto econômico das alternativas também é algo complexo, principalmente quando estamos falando de marcas que operam em âmbito global. Um simples registro de nome em vários países pode custar mais de um milhão de dólares. Portanto, concluir uma transição que exige a mudança de uma ou mais marcas em inúmeros pontos de contato é um investimento relevante, principalmente na indústria do consumo, com suas gôndolas, embalagens, frotas e comunicação.

Ao contrário do que acontece em outros países, no Brasil era permitido que um movimento de consolidação fosse anunciado antes de ser aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O processo de espera levava até dois anos. Nesse contexto, muitas razões sociais viraram marcas. A lei antitruste atual será substituída pela Lei de nº 12.529, que entrará em vigor no próximo dia 29 de maio. Entre as principais mudanças, a nova lei define um sistema de notificação prévia de atos de concentração e a aprovação do Cade. Essa é a grande chance para que as "novas" marcas passem a se comunicar com seus funcionários, clientes e investidores desde o princípio.

Na busca aguerrida por uma identidade, a estratégia fica de lado. E, ironicamente, o nome e o logotipo, que representam a visão redutora de uma marca, são criados em reuniões apressadas, quando deveriam passar por processos complexos de criação, num exercício coletivo e abstrato. Na hora do "gosto" ou não "gosto", a razão perde para a emoção.

Pensar a marca parece simples aos olhos de quem se envolve nas complexas negociações de fusão. Mas pode se tornar algo complexo quando é ignorado. Para quem trabalha em projetos de fusão, um conselho: o mais importante é evitar a percepção de que existem ganhadores e perdedores.

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