terça-feira, maio 01, 2012

A festa dos amigos de Carlinhos - LEONARDO CAVALCANTI


Correio Braziliense - 01/05/12


Uma das avaliações recorrentes sobre o escândalo envolvendo o bicheiro Carlinhos Cachoeira é a de que a trama foi armada a partir de núcleo regional — no caso Goiás, a terra do rei dos jogos. Depois, os tentáculos do grupo se aproximaram dos outros estados e da administração pública federal, como no caso do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, o Dnit.

A análise, porém, não se completa, ou melhor, não explica a força de Cachoeira e dos principais aliados. A senha para entender tal coisa está nas relações de parte de personagens da política e de empresas que se relaciona em níveis regionais intricados até formar um grupo tão coeso e inimaginável para o cidadão comum. É o amigo do amigo, que se frequentam e dividem gostos.

As primeiras explicações de Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) sobre a razão de tantas ligações para Cachoeira foram estapafúrdias, mas não deixaram de mostrar o quanto o bicheiro e o senador eram próximos. Em entrevista publicada pelo Correio em 4 de março, Demóstenes tenta justificar os 298 telefonemas para Cachoeira com uma desculpa inusitada: ele era conselheiro sentimental do bicheiro.

“A mulher do meu suplente (Wilder Pedro de Morais) o deixou e passou a viver com Cachoeira. Eu e minha mulher tivemos de resolver esse problema. Por isso houve tantas ligações e encontros.” Mesmo depois dessa declaração, Demóstenes foi à tribuna e, todos lembram, acabou saudado pelos pares. A sessão entrou para a história do parlamento brasileiro — pela porta dos fundos, evidentemente.

Companheiros

No inquérito da Polícia Federal — vazado por todos os lados —, o que mais se vê são diálogos de companheiros, velhos conhecidos. Amigos que marcam encontros e jantares regados a vinhos caros. Boçais que se orgulham de conhecer uvas, safras e de consumir os rótulos mais caros por pura empáfia. Confundem prazeres com puro exibicionismo. Mais parecem um grupo de deslumbrados, piegas.

Há mais, evidentemente. Recados de parabéns por passagens de aniversários, convites para festas, pedidos de empregos para parentes, farras combinadas por antecipação. É dessa forma que vínculos se estabelecem, laços se amarram para todo o sempre. Os interlocutores das escutas da Polícia Federal compartilham não apenas negociatas, mas também segredos particulares. Nada mais simbólico.

Por mais que Carlinhos Cachoeira não seja protagonista de todos os diálogos, ele está lá, relacionado, de uma maneira ou de outra, aos grampeados — diga-se, com autorização judicial. E assim o barco segue, com presentes e viagens internacionais, empréstimos de dinheiro, compra de camarotes para o carnaval. A vida é uma festa para os amigos dos políticos e das empresas investigadas.

Resta-nos acompanhar os vazamentos dia a dia, como voyeurs indignados. Resta-nos chamar os caras de boçais e rezar para que o país saia melhor com a CPI. Até lá, assistiremos a provas de amizades eternas, construídas na base das negociatas e mantidas por conta de segredos e favores pessoais. É triste, mas é melhor que saibamos de tudo isso.

Outra coisa

A CPI do Cachoeira irá dominar o cenário político em ano de eleição municipal, mas poucas disputas serão tão emocionantes quanto as desenhadas até aqui nas capitais. Vide a agonia do DEM — ex-partido do senador Demóstenes —, que tenta a todo custo ganhar o apoio dos tucanos em Recife, Salvador e Macapá. Como moeda de troca, São Paulo e o apoio a José Serra. Nada mais empolgante.

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