quarta-feira, maio 09, 2012

Dilema - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 09/05/12


Cada unidade exportada pelo Brasil em 2011 podia comprar 34% a mais do que em 2001


Leitor voraz de jornais, deparei-me há uns dias com a declaração de uma figura do alto escalão econômico do país comemorando a queda do preço das commodities, que, segundo ele, abriria espaço para a redução adicional da taxa de juros.

Achei curiosa a celebração, pois, sendo o país um produtor e exportador de commodities, certa dose de masoquismo parece ser necessária para entender tamanha satisfação.
Com efeito, qualquer um que tenha acompanhado o desempenho econômico do Brasil nos últimos anos deveria ter em mente o papel central que a elevação do preço internacional das commodities desempenhou de 2001 para cá.

Entre 2001 e 2011, os preços de commodities em dólares (medidos pelo índice CRB) aumentaram 77%, já descontada a inflação (medida pelos preços ao produtor nos EUA).

Não por acaso, os preços médios das exportações brasileiras cresceram 86% acima da inflação no mesmo período, superando amplamente a elevação dos preços de produtos importados (38%).
Assim, cada unidade exportada pelo Brasil em 2011 podia comprar 34% a mais do que em 2001.
Dado que a quantidade exportada cresceu 75% nesse período, nosso poder de compra externo aumentou nada menos do que 135%, permitindo uma elevação considerável das importações sem piora das contas externas. De fato, o deficit externo, que equivalia a 4,5% do PIB (40% das exportações) em 2001, caiu para 2,1% do PIB (20% das exportações) em 2011.

Segundo minhas estimativas, essa melhora trouxe um ganho ao país da ordem de US$ 60 bilhões no ano passado, ou seja, 2,4% do PIB.

Na prática, permitiu que a demanda interna crescesse sistematicamente acima da produção local (algo como um ponto percentual por ano nos últimos seis anos), sendo a diferença coberta por maiores importações, pagas principalmente pelo aumento do poder de compra das exportações. Não há como exagerar o papel das commodities nessa história.

Todavia, tais preços vêm caindo desde o terceiro trimestre de 2011, trazendo consigo os preços das exportações nacionais e revertendo (parcialmente) o fenômeno observado até então. No primeiro trimestre deste ano, cada unidade exportada podia comprar cerca de 6% a menos do que no terceiro trimestre do ano passado.

Por causa disso, de janeiro a março deste ano as exportações atingiram cerca de US$ 4,5 bilhões menos do que poderiam ter alcançado caso os preços não houvessem caído, pouco menos de 1% do PIB.

Sem queda adicional de preços, estimo que as perdas podem chegar à casa de US$ 25 bilhões no ano, já descontado o efeito dos menores preços de produtos importados.

Como houve redução adicional, contudo, esse valor representa hoje a estimativa mínima para a perda associada à queda de preços de commodities.

À luz do descrito acima, não é difícil entender a relação estreita entre esses preços e o desempenho da moeda. Tipicamente o real se aprecia quando os preços de commodities sobem e perde valor quando o contrário ocorre, impedindo que seu aumento (ou queda) se traduza integralmente para os preços em reais e, portanto, mitigando seu efeito sobre a inflação doméstica.

Entretanto, a intervenção pesada sobre a taxa de câmbio tem limitado esse mecanismo amortecedor.
Enquanto os preços das commodities em dólares caíram 9% entre o terceiro trimestre do ano passado e abril de 2012, esses preços medidos em reais aumentaram 3% no mesmo intervalo (6% nos últimos dois meses), de onde se torna difícil ver sua propalada contribuição à queda da inflação.
Por outro lado, a queda na capacidade de importar também reduz o papel das commodities no sentido de manter baixos os preços de produtos manufaturados.

Em suma, celebrar a queda do preço de commodities me parece um exercício em masoquismo econômico ou então um desconhecimento alarmante do processo que vitaminou nosso crescimento nos últimos anos.

Não saberia dizer qual é a pior alternativa.

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