domingo, abril 22, 2012

Uma empresa de um novo Brasil - ELIO GASPARI

O GLOBO - 22/04/12
COMO DIRIA Bob Dylan, alguma coisa está acontecendo aqui, mr. Jones, mas você não sabe o que é. Na semana passada, a empresa brasileira BRMalls, que é dona e/ou administradora de 46 shoppings em 15 Estados e 29 cidades, anunciou que no primeiro trimestre deste ano seu faturamento cresceu 25%, chegando a R$ 4,1 bilhões.

Ela surgiu há cinco anos, com seis pequenos shoppings. Tornou-se a líder do mercado e no ano passado seus centros comerciais tiveram 360 milhões de visitantes, que movimentaram R$ 16 bilhões. Suas ações valorizaram-se 360%. A empresa vale R$ 10 bilhões.

Mr. Jones tem dificuldade para entender isso, sobretudo porque ele viu as imagens de shoppings vazios na China, por excesso de oferta. O êxito do BRMalls reflete a conjunção de três acertos: percebeu que o consumidor brasileiro mudou, viu que quem investe ganha dinheiro e entrou no mercado com uma gestão profissional e meritocrática.

Entre 2008 e 2010, a empresa tomou um olho roxo metendo-se a administrar a Daslu, templo de exibicionismo da grã-finagem nacional.

Hoje a clientela dos shoppings da BRMalls é a chamada classe média emergente, um nome chique para o que nada mais é que o trabalhador brasileiro. As classes B e C têm uma renda familiar que vai de R$ 1.600 a R$ 6.900. Em 2003, havia 66 milhões de pessoas na classe C. Em 2009, chegaram a 95 milhões e, em 2014, poderão ser 113 milhões.

Enquanto no andar de cima o dinheiro que sobra vai para investimentos e no de baixo vai para alimentação, esse segmento consome. De uma maneira geral, nessa faixa a renda dos trabalhadores cresceu 9%, contra uma inflação de 5%. O freguês dos shoppings gasta em média cerca de R$ 70.

A empresa acreditou na expansão do mercado, na ampliação do acesso ao crédito e na queda dos juros. Em janeiro de 2007, a taxa Selic estava a 13,25% ao ano e agora está em 9%, com os bancos finalmente competindo nos custos que jogam em cima de seus clientes. A BRMalls investiu R$ 6 bilhões, no ano passado abriu um grande shopping na Mooca (SP), outro no Irajá (RJ) e inaugurará um terceiro em cima da rodoviária de Belo Horizonte.

Até aí o êxito foi da empresa para fora. Para dentro, enquanto o comércio é controlado por empresas familiares, a BRMalls é inteiramente profissional. Parente, nem namorada. A idade média de seus 350 funcionários está em 30 anos. Quando foi criada, tinha 15 sócios e a cada ano promove três pessoas de seu quadro. Hoje são 27. Todos os funcionários ganham bônus, mas se um leva dois salários, o melhor leva 20. Um craque que entra na empresa aos 25 anos pode sonhar em fechar seu primeiro milhão de reais aos 30.

A BRMalls descende da cabeça de Jorge Paulo Lemann, o empresário que mais produziu milionários na história do Brasil e também o que mais botou dinheiro em atividades filantrópicas. Seu negócio é a caça ao mérito. Formado no sistema financeiro, hoje tem os pés na produção (AmBev). Na lista da Forbes, além dele, com US$ 12 bilhões, há duas de suas crias: Marcel Telles (US$ 5,7 bilhões) e Carlos Alberto Sicupira (US$ 5,2 bilhões).

O sucesso da BRMalls deve-se a Carlos Medeiros, seu executivo-chefe. Ele organizou a empresa aos 33 anos, vindo do banco de investimentos de Lemann. Fala pouco, não vai a Brasília desde 1998 e, nos últimos cinco anos, jamais pisou no BNDES. Viaja com mala de mão e o que gosta mesmo é de correr maratonas pelo mundo afora. A BRMalls trabalha com uma infantaria de 3.000 funcionários nos shoppings. Vai dar trabalho, mas Medeiros acredita que conseguirá desenhar um sistema de bonificação (por meio de ações) para uma parte dessa tropa.

AO CARPATHIA

O comissariado petista desistiu da ideia de procrastinar o julgamento do mensalão. Discute-se agora quem conseguirá chegar ao Carpathia, o navio que recolheu um terço dos passageiros do transatlântico cujo naufrágio completou cem anos.

Ele recolheu um terço dos desabrigados. (Como o outro barco não trazia sorte para quem se metia com ele, o Carpathia foi torpedeado em 1918, quatro meses antes do fim da Primeira Guerra.)

DESASTRE

Numa longa entrevista ao repórter Carlos Costa em que criticou a ação da ministra Eliana Calmon, corregedora do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Cezar Peluso lembrou que, trabalhando na corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, lidava assim com alguns juízes: "Chamávamos os envolvidos e abríamos o jogo: 'Temos tantas provas contra vocês e, se não forem para a rua agora, iremos abrir processo. Nunca fizemos escarcéu com esses casos".

De fato, houve um caso em que pouca gente ouviu o grampo. O que faltou foi escarcéu.

SÉRGIO KIRCHNER

Cristina Kirchner assumiu o controle da petrolífera YPF em nome do futuro da Argentina. Pelo menos é o que ela diz.

O governador Sérgio Cabral desapropriou um edifício de 13 andares avaliado em R$ 500 milhões, onde funcionam 14 grandes empresas, nas quais trabalham 4.000 pessoas, para servir de anexo à Assembleia Legislativa e dar conforto a 70 deputados.

Até 2011, 33 deles estavam espetados na Justiça.

Quem sabe, até o fim do mandato, desapropriará sua casa de Mangaratiba para servir de colônia de praia para os deputados.

A ANS precisa fiscalizar o que diz

A Agência Nacional de Saúde Suplementar deveria cuidar melhor do que diz à patuleia. No domingo passado leu-se aqui que a professora Lígia Bahia tivera uma pesquisa feita para o CNPq rebarbada e estava convidada a devolver R$ 141 mil à Viúva. O trabalho mostrava as debilidades do atendimento dos planos de saúde privados que a agência é paga para fiscalizar.

No dia seguinte, numa nota oficial, os doutores informaram que “a ANS tem reiteradamente solicitado ao CNPq a entrega da referida pesquisa ou a devolução dos valores pagos, o que não foi feito até o momento”.

Horas depois, a agência divulgou outra nota. Nela, enfiaram o seguinte: “No segundo semestre de 2011, em reunião do CNPq com a ANS, obteve-se o que seria relatório da pesquisadora, Dr+. Lígia Bahia, que não guardava relação com o plano de trabalho, razão pela qual a ANS considerou a pesquisa como não realizada.”

Primeiro a professora foi acusada de não ter entregue o serviço encomendado, o que não é pouca coisa. Na mesma tarde, o centro da questão migrou para a discussão de sua qualidade, o que é outra coisa.

Fizeram isso sem explicar o que foi feito da primeira acusação. Como os doutores dizem, “a ANS se pauta pela transparência”. É tão transparente que, por meio dela, não se vê nada.

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