FOLHA DE SP - 30/04/12
Cobria uma parede comprida de ponta a ponta, do chão ao teto, como devem ser as estantes. Eu a mandara construir havia poucos anos, embora já suspeitasse de que não ficaria muito tempo naquela casa. E não fiquei. Em 1995, voltei para o Rio, depois de 16 anos em São Paulo. Mas não quis deixar a estante para trás. Daí o desmonte.
Era a primeira vez que fazia isso. Até então, já tinha morado em dois países, três cidades e inúmeras ruas, e, em muitos desses endereços, plantara uma estante -desde uma, bem 1968, com tábuas apoiadas sobre
tijolos, roubados de uma construção próxima (como fiz no Solar da Fossa), até aquelas catedrais de madeira, esculpidas em marcenarias bestas. E, ao me mudar, sempre deixara as estantes para trás, na esperança de que o morador seguinte as atulhasse de livros, não de troféus, bibelôs ou aquários.
Os livros já tinham sido retirados e enfiados em caixas. Sem eles, a estante parecia nua. Com tristeza, vi quando o homem descolou a parte que ligava a estante ao teto.
Depois, desencaixou o fundo, as paredes laterais e, peça por peça, foi desarmando as prateleiras e escrevendo algo a giz em cada uma. Parecia a agonia de um animal de grande porte. As três partes de que a estante se compunha foram separadas e, em poucas horas, tudo se reduzia a pilhas de tábuas.
Aconteceu que, no apartamento em que vim morar no Rio, havia uma estante de pinho-de-riga, maior e mais bonita do que a que trouxera comigo. Fiquei então com apenas uma parte desta e doei as outras duas. Elas continuaram a exercer o seu papel de abrigar livros.
Não sei se tais histórias terão lugar no futuro. Vão-se guardar tablets, Kindles ou e-readers em estantes?
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