segunda-feira, abril 30, 2012

Nivelados por baixo - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 30/04/12

Quem resolver fotografar o cenário político nacional como quem clica uma praia por uma lente panorâmica terá a sensação de que os políticos são todos iguais. E, nesse sentido, não há como deixar de dar certa razão ao ex-presidente Lula. Ele vislumbrou a CPI que irá investigar as relações do bicheiro Carlos Cachoeira como um portal para empastelar o caso do mensalão e embaralhar as peças. Parece que conseguiu pelo menos colocar todos no mesmo barco.

A CPI nem começou e já é possível afirmar sem medo de errar que as peças estão embaralhadas ao ponto de colocar toda a política no mesmo balaio. As relações de Cachoeira são tão intrincadas e espalhadas, que formam trilhas para vários partidos. A cada dia somam-se novas autoridades na roda das suspeitas. As gravações servem tanto para alguns políticos espetarem seus adversários mais diretos como para constranger pessoas, até mesmo dentro do Judiciário.

Nesse clima, os petistas apostam que o eleitor verá o mensalão e até mesmo o seu julgamento, como um caso a mais, igual a tantos outros. Se for assim, Lula terá conseguido atingir parte de seu objetivo, uma vez que, a distância, tudo está meio parecido. As notícias ascendem e derrubam personagens em questão de horas.

Por falar em horas...
No último fim de semana, a bola da vez foi o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, do PMDB, e suas relações com o antigo comandante da Delta Engenharia Fernando Cavendish. A divulgação das andanças parisienses da dupla jogou por terra a estratégia dos partidos de não chamar logo os governadores para depor. E veio do próprio PMDB, de viva-voz, o pedido para que Cabral compareça à CPI e preste esclarecimentos.

Assim, ficará difícil não colocar no mesmo banco Agnelo Queiroz (PT), do Distrito Federal, e Marconi Perillo (PSDB), de Goiás. E quanto mais perto do período eleitoral, pior ficará para seus partidos. Portanto, há quem defenda que eles falem o mais breve possível, enquanto a eleição ainda permanece longe da cabeça do eleitor.

Por falar em eleição...
A aposta de Lula é a de que a tendência da CPI, a curto prazo, é se dedicar às relações de Cachoeira em Goiás, no Distrito Federal e no Rio de Janeiro. Quanto ao DF, não há eleições este ano. No Rio e em Goiás, os governos não são do PT. Ou seja, onde o assunto pode “pegar” eleitoralmente, os petistas se consideram fora do olho do furacão.

E, para completar, avaliam aliados do ex-presidente, o PT tem hoje maior número de filiados no país. Portanto, terá mais vozes em sua defesa pelo Brasil afora em caso de problemas. Sendo assim, basta o eleitorado ver o mensalão como um caso a mais, em meio a tanta confusão, para que os petistas assegurem uma vantagem na hora de buscar o voto. Quanto ao governo federal, a aposta é a de que a popularidade de Dilma é suficiente para evitar maiores estragos.

Na teoria, a avaliação dos petistas pode parecer lógica e perfeita. Falta, entretanto, combinar o jogo com o eleitorado, que não costuma avaliar suas escolhas municipais pelo que ocorre no plano federal ou mesmo estadual. Mas há anos não se tem uma eleição tão “colada” no tempo com uma CPI. O momento é de observar.

A CPI mal começou, mas as peças se embaralharam ao ponto de colocar a política como um todo num mesmo balaio. Até separar os mocinhos, estaremos às vésperas da eleição municipal

Dura Lex - MELCHIADES FILHO

Folha de S. Paulo - 30/04/12


BRASÍLIA - A CPI do Cachoeira oferece oportunidade não só de investigar a fundo as relações entre políticos, empresários e o crime organizado, mas também de aprovar melhores leis de combate à corrupção.

Já surgiu uma ideia interessante na comissão de juristas escalada pelo Senado para revisar o Código Penal: classificar como crime o enriquecimento do servidor incompatível com sua renda declarada.

Pela proposta, a polícia não precisaria mais provar em detalhes como se deu a roubança. Bastaria constatar que o político (ou o juiz, o delegado etc.) acumulou patrimônio ou passou a usufruir de bens acima de suas possibilidades.

A medida não secaria de vez os propinodutos. Mas, como precisou o ministro Gilson Dipp (STJ), daria ao Estado um instrumento para agir com rapidez. O sujeito pensaria duas vezes antes de se fixar em Paris, emborcar vinhos exclusivos, colecionar carros importados...

A comissão de juristas tem feito outras sugestões arrojadas, como a ampliação dos casos em que aborto e eutanásia seriam permitidos. Estão quase todas fadadas à derrota, dada a composição do Congresso.

Fossem tempos normais, também iniciativas contra a corrupção acabariam na fila-que-não-anda. Os pilantras sabem como ninguém emperrar o trabalho parlamentar.

A CPI do Cachoeira, porém, quebra esse quadro de estupor. O escândalo é grande demais para ser abafado -ainda que o PT, justo quem mais lucrou politicamente com as revelações até aqui, opere para restringir o escopo da investigação.

Dipp e seus colegas deveriam tirar proveito e surfar a onda da Ficha Limpa, influenciando na redação do texto propositivo da CPI. Vale incluir outros bons projetos em tramitação no Congresso, como o que prevê punição também para quem corrompe (e não apenas para o corrompido), e fechar um pacote bem antes do recesso de julho.

O destino da estante - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 30/04/12


RIO DE JANEIRO - O homem da mudança armou-se de escada, chave de fenda e alicate para desmontar a estante. Era um bonito móvel.

Cobria uma parede comprida de ponta a ponta, do chão ao teto, como devem ser as estantes. Eu a mandara construir havia poucos anos, embora já suspeitasse de que não ficaria muito tempo naquela casa. E não fiquei. Em 1995, voltei para o Rio, depois de 16 anos em São Paulo. Mas não quis deixar a estante para trás. Daí o desmonte.

Era a primeira vez que fazia isso. Até então, já tinha morado em dois países, três cidades e inúmeras ruas, e, em muitos desses endereços, plantara uma estante -desde uma, bem 1968, com tábuas apoiadas sobre

tijolos, roubados de uma construção próxima (como fiz no Solar da Fossa), até aquelas catedrais de madeira, esculpidas em marcenarias bestas. E, ao me mudar, sempre deixara as estantes para trás, na esperança de que o morador seguinte as atulhasse de livros, não de troféus, bibelôs ou aquários.

Os livros já tinham sido retirados e enfiados em caixas. Sem eles, a estante parecia nua. Com tristeza, vi quando o homem descolou a parte que ligava a estante ao teto.

Depois, desencaixou o fundo, as paredes laterais e, peça por peça, foi desarmando as prateleiras e escrevendo algo a giz em cada uma. Parecia a agonia de um animal de grande porte. As três partes de que a estante se compunha foram separadas e, em poucas horas, tudo se reduzia a pilhas de tábuas.

Aconteceu que, no apartamento em que vim morar no Rio, havia uma estante de pinho-de-riga, maior e mais bonita do que a que trouxera comigo. Fiquei então com apenas uma parte desta e doei as outras duas. Elas continuaram a exercer o seu papel de abrigar livros.

Não sei se tais histórias terão lugar no futuro. Vão-se guardar tablets, Kindles ou e-readers em estantes?

Arranque e freio - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 30/04/12


SÃO PAULO - O povo vai bem, as empresas nem tanto. A economia brasileira atravessa um momento difícil de decifrar.

O PIB ao longo de 2011 evoluiu a um ritmo médio inferior a 1,5% ao ano -o resultado na comparação com 2010 foi maior, de 2,7%, em razão da inércia herdada do final de um ciclo de boom. Um efeito mais estatístico que real.

As expectativas de que a velocidade voltasse a aumentar sensivelmente no primeiro trimestre de 2012 foram frustradas. A crer nas estimativas de bancos e consultorias, o nível da produção está menos de 2% acima do patamar de um ano atrás.

E, no entanto, muita coisa se move por baixo dessa camada de estagnação. Os dados mais frescos do desemprego, divulgados pelo IBGE no final da semana passada, continuam a demonstrar pujança.

Mas a taxa de desocupação subiu de fevereiro para março, dirá o leitor atento ao noticiário. De fato -e sobe sempre, ou quase sempre, nesse período do ano. O índice de 6,2% de desempregados, contudo, é o mais baixo da série, inaugurada em 2002, para o mês de março.

Além disso, o salário do trabalhador continua subindo. A renda média, nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE, cresceu 5,6% acima da inflação em um ano. A massa salarial, soma dos rendimentos dos trabalhadores, bateu a inflação em 7% na mesma comparação.

O desempenho da renda e do emprego não deixa o consumo esmorecer. O nível de vendas do varejo no primeiro bimestre de 2012 subiu 8,7%, no cotejo anual.

Esse ritmo chinês na demanda dos consumidores convive, porém, com um vagar europeu na indústria de transformação e com o esmagamento das margens de renda de muitas empresas brasileiras.

É um arranjo cujo potencial de fazer deslanchar o PIB pode ter se esgotado.

Canto da sereia dos juros - MARIA INÊS DOLCI

FOLHA DE SP - 30/04/12


Como o consumidor deve agir frente à anunciada -mas não tão ampla quanto faz parecer a propaganda governamental- redução de juros na Caixa Econômica Federal, no Banco do Brasil e nas instituições privadas? Com cautela e bom-senso.

Aos que comemoram a redução da Selic para 9%, recordo que somos vice-campeões mundiais em taxas de juros.

E, pior do que isso, os bancos não seguem a taxa básica, que é somente uma referência.

Outro lembrete: os menores juros estão disponíveis para quem põe mais dinheiro no banco.

Aos clientes com menos recursos, as ofertas são escassas e as condições, pouco atraentes.

A propósito, os banqueiros voltaram a pedir a regulamentação do cadastro de bons devedores, como argumento para baixar o custo de suas operações. Na verdade, eles já têm acesso a todas as informações possíveis sobre os correntistas.

Mas voltemos à questão das taxas. Justifica-se solicitar dinheiro ao banco para trocar uma dívida impagável (crédito rotativo dos cartões ou cheque especial) por outra com taxas bem menores (Crédito Direto ao Consumidor ou consignado).

Para isso, a primeira recomendação é pesquisar bem antes de firmar qualquer contrato, a fim de não cair no "canto da sereia" dos juros raquíticos. Bancos não são dados à filantropia creditícia.

Ao contrário, eles exigem contrapartidas aos empréstimos, inclusive ilegais, a "venda casada", na qual empurram pacotes de tarifas, seguros, cartões de crédito e investimentos para quem necessite de empréstimo.

Avalie, também, se o ganho com menores juros não será engolido por tarifas mais caras.

Uma boa opção pode ser a portabilidade de crédito.

Assim como você tem o direito de mudar de operadora de telefonia celular, prezado leitor, pode procurar recursos financeiros mais baratos em outros bancos e transferir seu contrato, se as novas condições forem mais adequadas.

Não se esqueça de exigir o Custo Efetivo Total (CET) -a soma de tudo o que será cobrado no empréstimo ou financiamento-, os preços das tarifas e a exigência de aquisição de outros produtos e serviços.

E faça as contas, para ver se a mensalidade caberá em seu orçamento. Sim, porque sobre mensalidades vencidas vão incidir correção, juros e multas. Depois de algum tempo, o devedor será inscrito em um cadastro negativo, o que "sujará seu nome", definição popular para a perda de crédito no mercado.

Antes de assumir um compromisso financeiro, então, responda às seguintes perguntas:

1) Gasto mais do que ganho?

2) Posso cortar os gastos para pagar dívidas?

3) Vou usar o dinheiro emprestado para uma compra urgente, muito importante (por exemplo, compra de imóvel para moradia) ou adiável (eletrodomésticos, automóvel etc.)?

4) O empréstimo consumirá quantos por cento de minha renda líquida (o que sobra de salários, aposentadorias, pensões ou rendimentos após o pagamento de contas como aluguel, escola, supermercado, condomínio, planos de saúde, telefones etc.)?

5) Tenho confiança em que terei renda por todo o período em que pagarei as parcelas do empréstimo?

É importante lembrar, também, que financiamentos ou empréstimos não aumentam o poder aquisitivo. Somente solucionam situações emergenciais e facilitam a aquisição de bens de maior valor.

O governo pressiona as instituições financeiras a reduzir as taxas das operações financeiras para que o consumidor compre mais, o comércio desove seus estoques e aumente as encomendas à industria.

Esse círculo virtuoso move a economia, amplia a arrecadação, as ofertas de emprego e pode até melhorar os salários.

Mas não elimina a necessidade de uma reforma tributária e fiscal, de combate ao desperdício do dinheiro público e à corrupção.

Também teremos de expandir a poupança interna, a produtividade e desburocratizar o Brasil.

Somente dessa forma o desenvolvimento do país será duradouro e sustentável.

Que tal o dólar a R$ 3,50? - CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O ESTADO DE S. PAULO - 30/04/12


Não há números exatos, mas lojistas brasileiros não têm dúvidas: estão perdendo vendas para o comércio de Miami e Nova York. Os sinais são evidentes e o primeiro deles é a atual dedicação do governo americano em facilitar a concessão de vistos para brasileiros. O outro está nas contas externas brasileiras.

No primeiro trimestre deste ano, gastamos US$ 5,4 bilhões lá fora, um salto de 13% sobre o mesmo período de 2011. É verdade que o volume de gastos vem diminuindo na comparação mensal: US$ 2 bilhões em janeiro, ante US$ 1,6 bilhão em março. Isso coincide com a alta do dólar, de modo que essa pode ser uma explicação. Mas quanto precisa subir o dólar para eliminar a vantagem de comprar lá fora?

Fiz algumas comparações com preços de roupas, calçados e aparelhos eletrônicos. Em todos os casos, o dólar precisaria ir muito além. Por exemplo: encontrei um modelo de tênis muito conhecido no mundo, para praticar tênis, fabricado no Vietnã, sendo oferecido no Brasil por R$ 299, na promoção. Curiosamente, o modelo também está em promoção nos Estados Unidos, onde sai por US$ 85 - ou R$ 161, com o dólar já a R$ 1,90. Ainda assim, a metade do preço brasileiro.

Para que o preço local se equilibrasse como americano, seria necessário um dólar a R$ 3,50. Ora, nem os mais entusiastas defensores da desvalorização do real acreditam que seja razoável chegar a essa cotação.

O dólar chegou a esse nível, perto dos R$ 4, no período pós- Real, apenas numa ocasião: em setembro de 2002, véspera da primeira vitória eleitoral de Lula, quando se imaginava que ele fosse desmontar a política econômica de FHC, pilar da estabilidade. Naquele momento, as exportações brasileiras estavam na casa dos US$ 60 bilhões/ano e as reservas internacionais nem chegavam a US$ 20 bilhões.

Hoje, com a estabilidade macroeconômica completando 18 anos, as exportações passam dos US$ 250 bilhões e as reservas, dos US$ 350 bilhões.

Ou seja, no preço brasileiro local tem muito mais do que um real valorizado - tem todo o custo Brasil.

Com imposto? Na semana passada, a polícia deu uma batida num shopping popular em Belo Horizonte. Pegou todo mundo sem nota fiscal de venda e de compra. A Rádio CBN entrevistou um dos lojistas, quase todos ex-camelôs, para os quais, aliás, fora instalado o shopping. Ele disse o que se sabe: num mercado popular, se for pagar imposto, não dá.

Para a classe média, dá para pagar bem menos imposto: nos Estados Unidos.

Perderam a noção. Por falar nisso, eis um caso de custo Brasil, custo governo.

O trabalhador brasileiro ganhou, em março, R$ 1.728,40. Trata-se de uma média, é claro, de todos os rendimentos do trabalho formal ou informal, no setor público ou privado. É uma medida do IBGE e revela um ganho real, descontada a inflação, de 5,6% sobre o vencimento de um ano atrás. Na verdade, trata-se do valor mais alto para um mês de março, desde 2002.

Mas o Senado Federal tem coisa melhor, muito melhor. Vagas para policial da casa - segurança -, sem necessidade de curso superior, com salário de R$ 13 mil.

Quem ganhaesse salário no setor privado?

Todo domingo, este jornal publica, no classificado Empregos, uma tabela geral de salários. São valores médios, obtidos em pesquisa com empresas de diversos portes e setores, sem vantagens, adicionais, prêmios, etc. - como são os R$ 13 mil dos seguranças do Senado, de modo que a comparação faz sentido. Sem contar que o Senado costuma ser generoso nas vantagens pessoais.

Em todas as áreas do setor privado (Administração, Recursos Humanos, Marketing/Vendas, Contabilidade, Tecnologia da Informação, Indústria de Transformação e Logística), só gerentes empatam ou passam dos R$ 13 mil. E nem todos. Em Marketing, por exemplo, um gerente de produtos ganha na média R$ 11 mil.

Na categoria dos engenheiros, sem cargos de chefia, os salários mais altos chegam a R$ 12 mil. E isso para engenheiro de obras sênior, com diploma, claro, e muitos anos de experiência.

Em toda a tabela, os salários mais altos estão na casa dos R$ 17,5 mil, remuneração de gerentes industriais e de Tecnologia da Informação.

De novo, são valores médios. Logo, é claro que tem gente ganhando mais do que isso em muitas empresas. São, entretanto,os pontos altos, não definem a regra. Há advogados que ganham mais de milhão por mês, por exemplo, defendendo os "melhores" bandidos nacionais. Mas um advogado sênior "normal", digamos assim, numa boa empresa, ganha em média R$ 10 mil por mês.

Quando os servidores públicos, especialmente aqueles das carreiras mais bem remuneradas, reivindicam aumentos salariais, costumam se comparar com estrelas do setor privado. Não faz sentido.

Resumindo, o setor público paga bem. Um consultor legislativo, de novo no Senado, começa ganhando R$ 23 mil, com plena estabilidade. Não arranja isso no setor privado, a menos que seja um fora de série.

Alguns dirão: é o setor privado que paga mal.

Errado: os salários são definidos pela capacidade, formação, pelo desempenho, entrega de resultados e pela oferta e demanda de mão de obra. E sempre considerando custos e margens. A empresa paga o que pode pagar, considerando o que vende e o que fatura. (Aliás, neste momento, salários estão em alta no Brasil justamente porque a taxa de desemprego está em baixa histórica.)

Já no setor público, os salários são definidos pela capacidade política de influência. Quanto mais perto dos gabinetes de Brasília, maior o salário.

Na mesma ocasião em que o Senado oferecia R$ 13 mil para seus seguranças, a prefeitura do Rio de Janeiro abria vagas para professor de matemática e espanhol. Salário: R$ 3,4 mil.

Spread bancário - diagnóstico e remédio - JOÃO MANOEL PINHO DE MELLO e VINÍCIUS CARRASCO

O Estado de S.Paulo - 30/04/12


Em 2005, o preço dos vergalhões (um tipo de aço longo), insumos insubstituíveis na construção civil, atinge o mais alto patamar dos dez anos anteriores. O preço doméstico chega ao dobro do praticado no mercado externo, apesar de um dos principais insumos - o minério de ferro - ser relativamente abundante no Brasil. Uma comissão do Inmetro, recheada de representantes da indústria, havia estabelecido padrões de qualidade para aços longos a serem utilizados no Brasil acima dos padrões que vigoravam nos EUA e na Europa, tornado a importação de vergalhão virtualmente impossível. Naquele ano, o Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade) condenaria as três maiores empresas produtoras de vergalhões do Brasil por formação de cartel.

Mesmo sendo um insumo indispensável para a economia (quem pode minimizar o problema do déficit habitacional?), o governo não tentou forçar os produtores a reduzir seus preços, a despeito de haver certeza de que eles estabeleciam preços de maneira coordenada. Isso é correto. No caso de conluio, cabe às autoridades antitruste comprová-lo e impor as sanções cabíveis. Da mesma maneira, portanto, mesmo que o diagnóstico seja de que os bancos brasileiros estão hoje cartelizados, usar bancos públicos para forçar a queda de preços é uma atitude equivocada.

No caso dos bancos, no entanto, esse diagnóstico está no mínimo precipitado. Não há evidência sólida de que o setor bancário brasileiro seja cartelizado. Pesquisas acadêmicas demonstram que esse setor se comporta de forma competitiva, apesar de estar longe da concorrência perfeita (Nakane, M. A Test of Competition in Brazilian Banking, Estudos Econômicos, 2002). Os spreads podem ser altos porque os bancos estão em concorrência oligopolística, o que não significa que não estejam competindo. Significa tão somente que há poucos bancos. Nesse caso, a solução não é forçar preço para baixo na marra, mas impedir fusões entre bancos grandes e tomar medidas para diminuir o custo de entrada.

Os bancos brasileiros não têm retornos sobre ativos especialmente altos em relação aos pares internacionais (Belaisch, A. Do Brazilian Banks Compete? IMF Working Paper 3/13, 2003), algo difícil de ocorrer sob cartelização.

Por fim, o tamanho do mercado de crédito é compatível com a qualidade das instituições no Brasil, ou seja, com a intensidade da (in)segurança jurídica no País (De Mello, J. e Garcia, M. Bye-bye Financial Repression, Hello Financial Deepening: the Anatomy of a Financial Boom, a sair em Quarterly Review of Economics and Finance). Se fosse cartel, o mercado de crédito no Brasil seria menor do que em outros países, depois de consideradas as diferenças em qualidade institucional entre eles. De fato, o segmento em que o Brasil mais destoa é o do crédito hipotecário, que sofre pela história de instabilidade macroeconômica, as renegociações forçadas de dívidas e a insegurança. É só lembrar a dificuldade de despejar um mutuário inadimplente do único imóvel onde vive. De fato, os bancos privados pouco se interessam pelo segmento pelas razões expostas. Regra: ninguém carteliza um mercado que acha desinteressante.

Os spreads refletem o tipo de produto oferecido, aspectos institucionais brasileiros, custos e estrutura de mercado (talvez concentrada, neste caso). Crédito é um produto peculiar. Problemas informacionais aumentam o seu custo. Exemplos desses problemas são a falta de capacidade e vontade de repagar por parte do tomador. Ao aumentar a agressividade na concessão (abaixando juros), um banco pode acabar emprestando para tomadores mais arriscados, o que diminui sua vontade de abaixar juros sem que isso constitua cartel. Logo, os juros podem ser altos por razões bem mais complexas do que em mercados como vergalhões.

Avanços como o crédito consignado e a lei da alienação fiduciária tiveram papel fundamental em permitir a expansão do crédito e a redução de juros. O fato de os juros do crédito pessoal (automóveis) terem caído com a consignação (alienação fiduciária) mostra que boa parte do spread se deve às fricções no mercado de crédito (como ausência de colateral ou insegurança jurídica na sua execução). Esse tipo de política é a única forma de redução sustentável dos spreads.

Forçar a queda a fórceps pode ter algum efeito no curto prazo, provavelmente advindo de pressão política. Seus efeitos no longo prazo serão irrelevantes, na melhor das hipóteses, e deletérios, na pior.

Do cenário do primeiro parágrafo, avancemos sete anos. Um celebrado empresário do setor de aços longos dá a seguinte declaração à Folha de S.Paulo (19/4/2012): "A presidenta (sic) tem um posicionamento correto. A tendência do juro do Brasil tem de ir numa caminhada ao encontro dos juros mundiais. O debate vai nos levar a ter um patamar de juro competitivo no mundo". Ele está equivocado. Duas vezes. Ao trocar "juros" por "preços de vergalhões", teremos uma piada pronta.

Eleições municipais - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 30/04/12

A eleição de 2012 será a primeira sob a vigência da Lei da Ficha Limpa. A novidade poderá representar um importante divisor no mundo da política e um avanço no processo de construção do país, como o foi, a seu tempo, a Lei de Responsabilidade Fiscal -que colocou um freio na gastança do dinheiro público, passando a exigir um mínimo de responsabilidade administrativa por parte dos governantes.
Pela maior proximidade com a vida das comunidades, as eleições municipais tendem, naturalmente, a colocar foco na disputa política local e nos problemas urbanos que afligem os moradores. Muitas vezes, infelizmente, chegam até mesmo a gravitar em torno de querelas paroquiais, como se decisões tomadas no nível municipal não guardassem relação com a realidade do Brasil como um todo.
O pleito de 2012 pode ser uma boa oportunidade para que partidos e candidatos coloquem na ordem do dia temas comuns que nos ajudem a construir, das bases, uma agenda importante para o país.
Três deles estão a exigir prioridade nos dias atuais: a transparência na administração pública, a qualidade da gestão e o enfraquecimento dos municípios e dos Estados frente ao governo federal, cada vez mais concentrador de riquezas. Não se trata, é claro, de tentar dar um caráter nacional a uma eleição tipicamente local, mas de transformar esse momento em possibilidade para amplificarmos e aprofundarmos o debate.
São os pleitos municipais que mais aproximam os candidatos dos cidadãos, pois colocam na pauta, de forma mais dramática, a carência de hospitais e postos de saúde, o aumento da criminalidade, a pouca qualidade do ensino, o deficit de saneamento, o caos no trânsito ou a falta de opções de lazer e cultura.
Para enfrentar esses problemas, as prefeituras não podem mais prescindir das modernas ferramentas de gestão, que fazem do compromisso com os resultados -e não com o discurso- a sua prioridade.
Candidatos a prefeito precisam exigir uma distribuição mais justa dos recursos da arrecadação em poder do governo federal. Esta é uma bandeira que está acima dos partidos e das definições de quem é situação ou oposição. Repactuar a Federação interessa a todos.
É, ainda, urgente que a reivindicação por transparência se alastre também para os municípios. A transparência nos gastos é uma arma eficaz no combate à corrupção e encurta o fosso que costuma separar promessas de ações.
Eleições municipais são um momento magnífico, especialmente na vida democrática de um país com a dimensão territorial do nosso. Oportunidade para o nascimento de ideias e para a renovação e o fortalecimento de compromissos.

"Conselho de vinho é falso caminho" - SERGIO LEO


Valor Econômico - 30/04/12


Para proteger a indústria nacional do vinho, o governo estuda criar salvaguardas, que, de partida, já encontram problemas sérios de aplicação e, se aplicadas, podem trazer uma dor de cabeça às autoridades brasileiras pior que as provocadas pelo conteúdo alcoólico de certos garrafões vendidos como produto de vinícolas nacionais. O Brasil tem bons vinhos, com preços pouco competitivos, infelizmente, quando comparados com similares do Cone Sul. Salvaguardas podem dar tempo à produção nacional para buscar competitividade, mas há indicações de que essa expectativa pode terminar em frustração.

Pior: a aplicação da salvaguarda contra o vinho estrangeiro cria o risco de colocar o país na mesma posição incômoda em que o Brasil se viu no ano passado, quando, a pretexto de proteger a indústria nacional, aumentou o IPI sobre carros importados. Logo se percebeu que aumentava de maneira impressionante o volume de carros vindos do México, livres da medida discriminatório graças a um tratado de comércio. Impressionada, a presidente Dilma Rousseff mandou acionar a cláusula que extingue o acordo de dez anos firmado com os mexicanos. No caso do vinho, será a Argentina a impressionar o governo, não demora muito.

O governo está impedido de aplicar salvaguardas às importações de vinho do Mercosul, o que deixa a salvo das eventuais barreiras as compras de vinho da Argentina e - para felicidade dos apreciadores de um bom Tannat - do Uruguai. O Chile, principal exportador de vinhos aos brasileiros, está sujeito às salvaguardas, mas um acordo de livre comércio com o Brasil garante aos chilenos tarifa zero de importação. Por isso, se decidida, a salvaguarda, que não pode discriminar entre países, ela virá sob a forma de cotas, limites quantitativos de importação.

Governo não pode aplicar salvaguardas ao vinho argentino

O problemas, para os produtores nacionais, é que cada vez mais se importa mais vinho da Argentina, bom e barato. Em 2011, o país importou US$ 58,8 milhões de vinho engarrafado em recipientes de até dois litros (produto classificado como 22042100, pela nomenclatura comum do Mercosul), quase 13% a mais do que 2010. Curiosamente, as importações, em volume, caíram: de pouco mais de 16,9 milhões de litros, aproximadamente, para menos de 16,8 milhões de litros, o que indica que se comprou menos vinho, por maior preço em dólares. Já em 2012, a importação cresce em proporções dionisíacas.

O vinho da Argentina, que nem estava entre os cem principais produtos importados do país pelo Brasil, chegou, em março de 2012, a 46ª posição, com aumento de 74% no valor pago e de 53% no volume embarcado para as mesas nacionais. No primeiro trimestre, os vinicultores argentinos começaram a pisar nos calcanhares dos chilenos: o Brasil gastou US$ 13,4 milhões importando a bebida do Chile, e US$ US$ 11,3 milhões comprando dos argentinos. Em volume, as importações de vinho argentino já representam quase 80% das compras de vinho chileno. Em 2011, essa proporção era pouco inferior a 60%.

Uma decisão sobre as salvaguardas contra o vinho importado depende da investigação do Ministério do Desenvolvimento, para verificar se o pedido da vinícolas nacionais se enquadra nas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), que exige a comprovação que as importações tiveram aumento repentino, atual, acentuado e significativo. O Ministério do Desenvolvimento tem levado a sério essas regras, ao ponto de recusar pedido recente dos fabricantes nacionais de máquinas, contra importação de certo tipo de válvulas industriais. As salvaguardas já aplicadas, para brinquedos e coco ralado, passaram galhardamente pelo crivo da OMC.

O curioso é que o vinho derramado pelos exportadores internacionais no mercado brasileiro, após grande crescimento em volume, quase 30% em 2009, mostra sinais de sobriedade: as importações totais de vinho em recipientes de até dois litros no ano passado cresceram 17% em valor, e apenas 2% em volume (os chilenos foram os maiores responsáveis pelo crescimento: passaram de exportações medíocres em 2008, menores que US$ 3,3 milhões para quase US$ 22,5 milhões em 2009, e, desde então, têm aumentado suavemente as vendas).

Com o forte aumento de vendas dos últimos anos, um candidato plausível para salvaguardas em matéria de vinho seria o maior sócio brasileiro no Mercosul, que está a salvo da medida, porém. Com a gula por importados mostrada no Brasil, é fácil imaginar que, como se passou com os carros do México, as barreiras aos concorrentes estrangeiros só aumentarão as vendas do vinho da Argentina ao país. Estariam frustradas as expectativas dos produtores nacionais, que, ou não creem na capacidade argentina de abastecer o mercado brasileiro, ou, em breve, caso saiam as salvaguardas, baterão à porta do governo exigindo providências contra a vizinhança imbatível.

Quero comprar - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 30/04/12


A intenção de consumo das famílias paulistanas cresceu 2% em abril em relação ao mês anterior, segundo a Fecomercio-SP. O índice atingiu 145,3 pontos em escala que vai de 0 a 200 pontos, sendo considerado otimista a pontuação acima de cem.

JURO BAIXO

A pesquisa ouviu 2.200 consumidores paulistanos. A satisfação com o item Acesso a Crédito subiu 2,6%, chegando aos 161,6 pontos. Segundo a Fecomercio, o ânimo dos consumidores se deve a fatores como o esforço do governo federal na redução de juros dos bancos. Já o quesito Perspectiva Profissional apresentou queda de 3,7%, assim como o Emprego Atual (-0,9%).

REGISTRO QUILOMBOLA

Enquanto o Supremo Tribunal Federal discute o reconhecimento de terras quilombolas, uma associação de descendentes de escravos procurou a Defensoria Pública de São Paulo para tentar reaver uma área de 69 hectares na cidade de Registro (188 km da capital).

REGISTRO 2

A entidade tenta derrubar uma decisão de 2005 da Justiça que concedeu usucapião desse espaço a um casal de agricultores.

INICIADOS

O escritor Luis Fernando Verissimo dirá em seu programa de estreia na rádio on-ine Mínima.fm, na quinta, às 17h: "Eu ouvi Charlie Parker tocando ao vivo no velho Birdland [casa de shows de NY] junto com o Dizzy Gillespie. Isso, para quem gosta de jazz, é como ver o Lênin chegando na Estação Finlândia [quando ele retornou à Russia depois do exílio]".

MULHERES NO PODER

Habiba Sarabi, primeira mulher governadora no Afeganistão, vem a SP em junho. Ela foi convidada por Ana Paula Padrão para participar do 1º Fórum Internacional Mulheres que Inspiram.

COM O PREMIÊ

O chef Alex Atala almoça hoje na casa do primeiro-ministro britânico, David Cameron, em Londres. O convite foi feito pelo próprio Cameron, e o encontro deverá reunir um grupo de chefs e outras personalidades.

Me espera, Fidel
Maria Alice Vergueiro, 77, embarca pela primeira vez para Cuba no próximo domingo. A atriz apresentará em Havana, no festival Mayo Teatral, o espetáculo tragicômico "As Três Velhas". "Não vejo a hora de ir. O governo de lá nos enviou as passagens e tô animadíssima. Sou da geração que viu a Revolução Cubana acontecer. Eu me considero uma das viúvas de Che Guevara", diz.

É COISA NOSTRA
Os 20 anos de morte do juiz Giovanni Falcone, que combateu a máfia italiana e foi assassinado por ela em 1992, será lembrado com o lançamento no Brasil do livro "Coisas da Cosa Nostra". A Rocco publicará em maio a obra, que reúne 20 entrevistas do magistrado à jornalista Marcelle Padovani.

CLÁSSICOS
A segunda edição do Música Barroca na Estrada, projeto itinerante de música clássica, acontecerá em junho e julho. A Orquestra de Câmara do Amazonas viajará com 25 músicos para Cuiabá, Porto Velho, Cruzeiro do Sul, Rio Branco e Palmas.

LIMUSINE
O figurino de Millena Machado está chamando a atenção no programa "Auto Esporte", sobre automobilismo, que ela apresenta na TV Globo. Mais de 20% das mensagens enviadas pelo público, majoritariamente masculino, se referem às suas roupas. No mês passado, fizeram sucesso uma jaqueta rosa e uma camisa verde com detalhe em renda.

LUZ NA PASSARELA
Os modelos Talytha Pugliesi e Alex Schultz desfilaram no Fashion Day do shopping Cidade Jardim, em São Paulo. Ana Joma Fasano e Mariana Auriemo passaram pelo evento de moda, cujo tema foi Jardim Fantástico.

TOQUE LUSO
O ex-jogador de futebol Raí e a modelo Ana Claudia Michels foram ao coquetel em homenagem ao estilista português Felipe Oliveira Baptista, da Lacoste, na Volume B - Micasa.

Curto-Circuito

A cantora Marcia Castro lança o disco "De Pés no Chão" com show na quarta, às 21h, no Sesc Pompeia. 12 anos.

A festa Gambiarra acontece hoje, a partir das 23h, The Week. 18 anos.

O livro "Rodrigo na Era Digital", de Markiano Charan Filho, será lançado no sábado, às 15h, no Museu Lasar Segall.

Mauro Colagreco e Laurent Hervé preparam menu a quatro mãos, no dia 10, no restaurante Eau Frech Grill, do hotel Hyatt.

O doutor e o professor - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO


O Estado de S.Paulo - 30/04/12


Doutor e Professor cresceram juntos, não na vida, mas no poder. Trajetórias sincronizadas: a cada favor trocado, um passo adiante e um degrau acima. De sua simbiose política surgem negócios, nomeações, sentenças, manchetes, facilidades. Doutor é a face pública da dupla, reluz nos palanques, tonitrua aos microfones. Professor articula nos bastidores. Deveria ser opaco, pois brilhar nas profundezas onde opera atrai atenção indesejada. Mas a vaidade nem sempre é controlável.

Para entrosar o jogo, falam-se várias vezes ao dia, encontram-se sempre que possível. Ao telefone, Professor só chama o parceiro de doutor. Doutor retribui, íntimo: "Bom dia, professor. Tranquilo aí? Sossegado?". Ler os diálogos de Doutor e Professor no inquérito em que se transformou sua parceria é uma aula sobre como funciona parte do Brasil. A de cima.

Aprende-se como usar o Estado para agradar o esposo, resolver problemas familiares ou alavancar grandes oportunidades de investimento. Do trivial completo ao banquete de verbas públicas, o cardápio satisfaz magros, gordinhos e ex-gordos.

Doutor quer comprar uma mesa na Argentina, presente para a mulher. Custa-lhe mais do que ganha em um mês como senador. Ao amigo, não reclama do preço, mas da alfândega: "Até que não é cara, mas é difícil de trazer". O mimo excede 35 vezes o limite de compras no país vizinho. Pede uma mãozinha. "Pode comprar que eu dou um jeito", tranquiliza Professor.

Professor precisa de um cargo público para a prima, mas em outro Estado. Se fosse no seu, dispensaria intermediários. Como não é, pede a Doutor que interceda junto ao colega de Senado que manda naquelas plagas. Após falar com o ex-governador, Doutor explica que as nomeações de chefes regionais no Estado vizinho são feitas pelo deputado da região. Carece aprovar com ele também, o que não chega a ser problema. Menos de duas semanas depois a prima está nomeada.

Trivialidades desse tipo são cacos nas conversas da dupla. Na frequência dos bate-papos, banalidades são entremeadas com questões de Estado. Decisões de tribunais superiores misturam-se ao regozijo com a queda de um desafeto comum. Discussões de estratégias eleitorais seguem-se a considerações sobre negócios milionários.

Doutor liga para professor e comemora que um magistrado supremo "mandou buscar" processo em instância inferior para julgar na sua corte. A ação envolve empresa do Estado deles. "Deu repercussão geral pro trem aí", resume Doutor, no palavreado que reserva às conversas com Professor. Não quer dar uma de tribuno com o amigo.

Noutras vezes, a conversa tem de ser em pessoa. Professor não mede recursos para ter o associado por perto com rapidez. Manda buscá-lo onde for: "Não esquece do avião, taí (te) esperando". Doutor se desculpa: "Dei uma enrolada aqui. Tô chegando aí. Você vai estar na sua casa?"

Professor representa os interesses da empreiteira que mais recebe verbas do governo federal: pelo menos R$ 3,7 bilhões nos últimos 9 anos. Está preocupado com reportagem publicada sobre a empresa. Se o assunto esquentar, a empreiteira pode perder dezenas de milhões em contratos públicos. Doutor aciona seus contatos entre jornalistas e explica ao parceiro: o foco da investigação não é a empresa, mas um inimigo da dupla, que também fazia negócios com a empreiteira.

Até que o azar cruzou a sorte da dupla. Mais especificamente os jogos de azar, atividade que impulsionou a carreira do Professor.

Desde a prisão do Professor, há dois meses, seu nome e o de Doutor ganharam manchetes como nunca. Os dois caíram na boca do povo e nos dedos dos internautas. As pesquisas sobre ambos na internet viraram febre, especialmente no seu Estado de origem. Nos primeiros 30 dias de estrelato involuntário, apareciam sempre juntos. Mas isso mudou.

No último mês, Doutor se recolheu, fugiu da ribalta e seu nome perdeu evidência, enquanto o do Professor pipoca cada vez mais. Pela primeira vez em anos os caminhos dos parceiros se separaram. Não há mais telefonemas, muito menos visitas. A estratégia de um é se desvencilhar do outro: provar que as provas de cumplicidade, mesmo que verdadeiras, são formalmente inúteis. Querem apagar seu passado comum.

Já houve tempo em que Doutor e Professor rivalizavam para ver quem bebia os vinhos mais caros, quem tinha a mulher mais jovem e bonita, quem podia mais. Agora, disputam quem tem o advogado mais caro. Sua ascensão simbiótica foi interrompida. Outros doutores e professores se preparam para ocupar o seu lugar.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 30/04/12


Entrevista Fernando Henrique Cardoso


Corrupção cresceu em relação a meu governo, diz FHC
Com "capitalismo enorme e governo interferente" passam a existir muitas possibilidades de negócios, segundo ex-presidente

Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a corrupção aumentou em relação ao que havia em seu governo. A "faxina" da presidente Dilma Rousseff é importante, mas, afirma, "talvez ela não avalie o risco político que está correndo".
"O Congresso brasileiro é mais forte do que se pensa. Se não tem certa capacidade de entender o papel do Congresso no sistema brasileiro, você pode se dar mal", disse Fernando Henrique em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, antes de partir para Paris, na quinta-feira passada.
Demonstrando vigor, curiosidade e constante bom humor, o ex-presidente cumpriu durante uma semana uma intensa agenda no Qatar e nos Emirados Árabes. Deu palestras e teve encontros com investidores e autoridades locais, organizados pelo Itaú Unibanco.
FHC reclama da falta de planejamento de longo prazo no Brasil.
"Falta rumo. O que vamos fazer com o dinheiro do pré-sal? Precisa colocar em ciência, tecnologia, educação, como eles estão fazendo aqui", afirmou. "O Qatar tem um plano de metas para o ano 2030. Eles todos têm visão estratégica de longo prazo."
A seguir, trechos da entrevista dada no hotel Jumeirah at Etihad Towers, onde se hospedou em Abu Dhabi.
Folha - Quais as suas impressões sobre a viagem?
Fernando Henrique Cardoso - Isso daqui foi em 40 anos do deserto a cidades globais, olhando para o futuro. Eles têm um sentido estratégico. Hoje um dos investidores me dizia que atualmente o petróleo é para eles só 30%, 40%. Um país que era petroleiro, conseguiu fazer o que outros não conseguiram, diversificar a economia. E como aqui há em tudo a mão, não sei se posso falar de Estado, ou da soberania do dinheiro, estão criando polos culturais, universidades, incentivando o turismo, tentando diversificar a economia.
O que eles questionam no Brasil?
Têm duas preocupações: por que o país não cresce mais e se há memória inflacionária. Hoje me perguntaram se o governo não está derrapando, forçando a taxa de juros baixar, com protecionismo aqui e ali.
Qual foi a sua resposta? O governo Dilma está derrapando?
Quando estou fora do Brasil, sou cuidadoso. As críticas eu faço lá. Aqui eu justifico, o que é possível. Acham que Brasil possa sofrer muito com a diminuição do crescimento da China, mas a taxa de dependência da economia do paísem relação a exportações é de 10%. Nós temos um mercado doméstico grande.
O interesse deles é maior em imóveis, infraestrutura...
Em infraestrutura, perguntam se realmente o governo vai deixar... O governo ainda não entendeu bem que, com um marco regulatório frouxo, o investimento não vai. Eles têm medo. O grande dinheiro que vai é para Bolsa ou empresa ligada ao mercado interno ou exportadora.
Como o sr. vê o resultado da Primavera Árabe?
Como você vai ligar esse mundo da conectividade imediata com as instituições? Montesquieu são as instituições. Rousseau é a vontade geral. Agora deu uma explosão da vontade geral. E cadê as instituições? Não sei se no Egito vem uma ditadura muçulmana. Depois da explosão, é difícil conter tudo, mas um predomínio [do regime muçulmano] é mais provável. Na Tunísia, mais modernizada, pode dar uma acomodação entre Montesquieu e Rousseau. A gente pensa que, feita a explosão rousseauniana, vem a democracia. Não, vem um ponto de interrogação. Por outro lado, há as forças de mercado, empresas que impulsionam. Será um processo de 20 anos.
A mais recente pesquisa Datafolha mostrou aprovação recorde da presidente Dilma, mas Lula ainda é o preferido para a sucessão...
Por enquanto...
É questão de tempo?
É questão de economia... a menos que ela faça uma grande bobagem. E, em segundo lugar, da existência de um ponto de vista diferente que politize os problemas que existem. Se não, não adianta a economia ir mal. Não vou torcer obviamente para haver problemas econômicos no Brasil...
O sr preferiria o Lula?
"Entre les deux, mon coeur ne bouge pas" [parodiando o dito francês, entre os dois, meu coração não mexe] (risos). A população não está reagindo ao carisma dela, mas ao bolso.
Só? E a "faxina"...
Isso é bom, para a classe média. E é bom em si que haja faxina. A Dilma não está propriamente fazendo uma faxina. Ela está deixando que aconteça, provavelmente torcendo para que aconteça.
A corrupção mudou ou é mais do mesmo?
Não é mais do mesmo não. O antigo não deixa de existir, mas se agregam dimensões funcionais novas. Com o capitalismo enorme no Brasil e o governo interferente, passam a existir muitas possibilidades de negócios. Perde visibilidade o clientelismo em favor de facilitação de negócios. Alguns partidos buscam posições com o objetivo de se financiar. Passa a ser algo sistêmico, não só no Brasil. Acho que aumentou. E a transparência também.
Em relação a seu governo?
Acho que sim. Eu estou na pré-história desse capitalismo (risos)... Agora está em expansão. Não havia discussão: "Dá um ministério fechado para esse partido". E eu ainda podia dizer: "Vai esse e não aquele", o que você vai perdendo com o tempo, com o exercício do poder. Tinha muito mais capacidade de controle. Onde havia problema era em emendas parlamentares e ministérios periféricos. Agora, precisa haver aperfeiçoamento do sistema de vigilância e punição. Não sou pessimista com essas coisas no Brasil. Claro que, se fosse candidato, estaria. Mas, como sou sociólogo, não estou pessimista. As coisas não estão piorando, o que não diminui a necessidade de denúncia. [Apesar da corrupção maior], há um processo que permite certa recuperação institucional. Tem de mudar o sistema eleitoral, o modo de fazer campanha. Já há financiamento público e não resolve. Também não é justo passar para o povo a conta toda. Tem de baratear a campanha. Pode-se fazer uma lei diminuindo o aspecto propagandístico da campanha [na TV]. A corrupção é uma questão institucional e de cultura.
A presidente está encaminhando bem isso?
Ela está se deixando levar, o que é bom. A nossa cultura é de transgressão. Não é a lei que resolve. É da cultura. Você aceita, não causa uma indignação. Não temos indignados lá. À medida que não há reação maior da sociedade, pessoas que querem manter esse sistema têm força.
Há risco? A presidente está ciente do risco político que corre nesse embate?
Talvez não. O Congresso brasileiro é mais forte do que parece. Funcionou quase ininterruptamente. Parou pouco mais de dez anos, mesmo na ditadura o mantiveram. Quando Jango caiu, era claro que ele havia perdido a capacidade de governar porque o Congresso não seguia mais as determinações. O Congresso bloqueia. Jânio caiu porque se chocou com o Congresso também. Tinha a maioria do povo, mas não tinha o Congresso. O Collor, também. O Lula entendeu [o papel do Congresso], talvez, não no sentido que eu acharia melhor. Ele cedeu no que não deveria ceder. Não sei se a Dilma percebe os riscos. Ela, ao contrário do Lula, não reage politicamente. Dá a sensação de que ela não gosta do sistema "dá cá toma lá". Lula tem a tradição sindical. Algum tipo de negociação tem de haver no sistema democrático. Nos sistemas autoritários, você não precisa negociar. Mesmo assim, negociam internamente nas famílias, aqui (risos).
Que saída ela teria?
Não sei, é difícil porque ela teria de fazer um certa mudança em quem a apoia, caso por caso. Mas ela não tem força para isso porque ela tem o PT no meio. A diferença entre o PT e o PSDB é que o PSDB não tinha força diante de mim. E o PT tem força diante de qualquer presidente. Uma coisa é o povo, outra é o Congresso. O povo não está no dia a dia. A popularidade ajuda se for para dar o golpe. Não é o caso. Popularidade é bom, partidos ficam com receio de confrontar, mas há mil meios de dificultar sem confrontar.
E a CPI do caso Cachoeira?
Ah... Minha experiência com CPI... É tudo muito complicado. Eu concordei com a CPI do sistema financeiro, que deu num caos. O BC pagou um preço altíssimo. Em certas circunstâncias não há jeito, como agora, tem de fazer. Transbordou. Mas depois que transborda... Saiu da pasta de dente, botar o creme dentro de novo...
A troca de ministros ocupou muito do primeiro ano de governo?
Não é por ela, mas a máquina perdeu eficiência, nunca teve muita. Houve paralisação da modernização do Estado e certa regressão. Nesse primeiro ano, não conseguiu montar algo e dizer por aqui vai. O Lula foi com projetos de impacto o tempo todo, navio que não saiu do estaleiro, ligação do rio São Francisco que não ocorreu. Não dá mais para não enfrentar certas questões. Nós não tivemos nenhuma discussão substantiva sobre o que fazer com o nossa possibilidade de petróleo, etanol, eletricidade.
Sua avaliação do governo Dilma é, então, fraca?
Ela está no início e acredito que tenha tentado... Mas os resultados não se fizeram sentir. Não quero dizer que seja a Dilma. Podia estar eu lá e ter o mesmo problema. Precisa ser um projeto nacional. Difícil fazer com que esses temas tenham acolhida. Até no meu próprio partido...
com JOANA CUNHA, VITOR SION, LUCIANA DYNIEWICZ e MARIA PAULA AUTRAN

Frase
"Aqui, no Oriente Médio, estão projetando o que fazer com a fortuna do petróleo. Nós não tivemos nenhuma discussão substantiva sobre o que fazer com a nossa possibilidade de petróleo, etanol, eletricidade. Como vamos transformar isso em algo rentável a longo prazo para a maioria?"

Os últimos serão os primeiros? - CLAUDIO DE MOURA CASTRO


REVISTA VEJA

"Somos fraquinhos no mundo do turismo de aventura. Ainda é precário o que oferecemos aos 6 milhões que se embrenham nas matas, nas montanhas ou nas águas. Mas pelo menos começam a melhorar"
Quando Mares Guia virou ministro do Turismo, eu trabalhava no grupo educacional do qual é sócio. Sendo um praticante inveterado de turismo de aventura, nada mais natural do que recomendar a ele que incentivasse essa modalidade. Contrasta nosso enorme potencial com um vergonhoso atraso nessa área.
Fui deixado para trás pelo guia subindo a cratera do Vulcão Villarrica (no Chile)onde recentemente morreu um brasileiro. Nevoeiros e uma iminente nevasca logo se materializaram. Sobrevivi, mas acendeu uma luz amarela. Os nossos guias, em sua maioria, eram ainda mais bisonhos. Catástrofes pairavam a cada curva, os acidentes cresciam. Corri ao ministro, pedindo para esquecer minhas perorações. Em vez disso, que tentasse profissionalizar o setor.

Não é segredo, isso requer treinar, treinar e treinar, tanto guias como empresas. Mas, em um setor tão frágil e descosido, preço baixo é tudo. Daí, pagar-se pouco aos guias, em vez de exigir competência. Era assim com meu guia no Chile, e no Brasil, igual. O profissionalismo ainda não é valorizado pelos clientes, portanto, nem pelas empresas. Sendo assim, na ausência de uma real demanda por treinamento, os cursos pouco iriam mudar o panorama. Na prática internacional, atividades com risco exigem certificação, pois obrigam ao treinamento, que garante um padrão mínimo de desempenho. Em conversas com o Instituto de Hospitalidade surgiu uma ideia meio amalucada. Por exercer uma atividade crítica, um soldador de oleoduto precisa ter certificado ISO (ou ABNT, sua parceira nacional). Portanto, precisa estar conforme às normas ISO de qualidade, tal como isoladores, óleo lubrificante e fio elétrico. Ora, como o turismo de aventura também pode ser perigoso, por que não criar normas ABNT para condutores e empresas? Ou seja, usar o sistema de normas industriais para certificar guias.

Trata-se de pegar carona na maquinaria que certifica os produtos das maiores empresas mundiais. Consultada, a ABNT indicou a necessidade de criar um comitê para preparar normas, formado pelas forças vivas do setor. Não havendo associações de empresas, foi necessário criar uma. Merce do esforço de Gustavo Timo, nasceu então a Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura (Abeta), começando com um punhadinho de companhias.

A proposta cresceu e frutificou. Foram criadas e aprovadas 25 normas, para as diversas modalidades de aventura e, no caso das empresas, para o gerenciamento do risco. Duas instituições certificadoras foram credenciadas pelo Inmetro.

Para decolar, a certificação foi patrocinada e financiada pelo ministério, pois, para as empresas, não passaria de um custo sem retorno. Quando os clientes começarem a perceber que o serviço certificado é melhor e mais seguro, só então vai se criar uma demanda espontânea por certificação. Alvíssaras! O mercado acaba de sinalizar uma mudança de patamar: a CVC anunciou que exigirá a certificação ABNT das empresas terceirizadas que vier a contratar. Sem certificação, nada de contrato.

Somos fraquinhos no mundo do turismo de aventura. Ainda é precário o que oferecemos aos 6 milhões que se embrenham nas matas, nas montanhas ou nas águas. Mas pelo menos começamos a melhorar.

Curiosamente, criada inicialmente para satisfazer uma exigência da ABNT, a Abeta ganhou vida própria. Hoje, ela tem mais de 300 empresas associadas. São quase 100 instituições certificadas; outras tantas estão em processo de certificação.

Argentina e Chile, muito mais experientes que nós, assistiram a um evento da Abeta e gostaram da ideia. No ano seguinte, os americanos vieram e se surpreenderam. Faz pouco, a ficha caiu. Como cada país tem seu sistema, não há padrão internacional, não há como comparar, não há como saber se uma empresa merece confiança. Por que não uma norma internacional ISO para o turismo de aventura? E quem cuidaria disso? Obviamente, o único país que investiu nesse caminho: o Brasil, Portanto, junto com a Inglaterra, nosso país secretaria o comitê ISO que está preparando as normas internacionais (provavelmente, uma adaptação das brasileiras). Quem diria, no processo de criação das normas mundiais, um país vira-lata do turismo de aventura se transforma no modelo e líder!

"In vino veritas" - ROBERTO LUIS TROSTER


VALOR ECONÔMICO - 30/04/12
A política para o mercado de vinhos no Brasil é emblemática. Especificamente, a exigência do selo fiscal ilustra bem porque as políticas para o setor, para a indústria nacional e para o segmento financeiro, mesmo que aplicadas com sucesso, estão fadadas a ter um desempenho pífio e obrigam o país a ter um crescimento aquém de seu potencial.
A medida comentada foi adotada para melhorar a competitividade dos vinhos brasileiros, que estão sendo "expulsos" das cartas de restaurantes e das gôndolas de supermercados pelos estrangeiros. Exigindo-se o selo fiscal, beneficia-se os nacionais em razão do custo adicional dos importadores de abrir e fechar caixas para colar as etiquetas, pagar despachantes, preencher as guias, registrar-se como importadores e repassar ao consumidor parte do ônus e a necessidade de retirar o emblema de todas as garrafas.

Apesar da boa intenção em favorecer os vinicultores locais, a norma mais atrapalha do que ajuda. Enquanto o Brasil desperdiça recursos na cadeia produtiva do selo em fiscais, contadores, advogados e despachantes, outros países investem suas energias em melhorar sua produtividade, pesquisar mercados, novas variedades de uva e métodos de cultivo e de comercialização. Com isso, em pouco tempo, a vantagem competitiva dada aos vinhos daqui é superada e novas medidas, como aumento de alíquotas, são necessárias.

Agenda do crédito é extensa, e inclui mudanças nas regras de indexação e tributação, além de outras

Num mundo que se globaliza cada vez mais, a economia do neomercantilismo está destinada ao fracasso. Em vez de preocupar-se com a "expulsão" pelos estrangeiros, o objetivo deveria ser a "invasão" dos vinhos brasileiros a restaurantes e supermercados em outros países. O Brasil tem terra, clima, gente, garra e capacidade empreendedora para atacar, mas prefere cavar trincheiras e esconder seu potencial nelas.

A indústria de transformação é outro exemplo. Na última década, cresceu a metade da taxa do que o resto da economia nacional. Perdeu mercados no exterior, e, o que é pior, para estrangeiros aqui dentro. Para reverter esse quadro, o governo anunciou medidas que permitem paralelos com o selo do vinho. Melhorarão a rentabilidade da indústria por um tempo com benefícios fiscais, créditos do BNDES, controle de importações e medidas de "defesa" comercial. A ausência dos temas reformar, desburocratizar e "avançar" sobre outros mercados chama a atenção; entretanto a falta de um encaminhamento viável para o câmbio e crédito preocupam.

A estrutura dos mercados de divisas no Brasil faz com que a especulação domine a produção. O mercado de derivativos requintado e globalizado impõe sua estrutura de preços ao mercado spot anacrônico. É a repetição da estratégia de trincheiras protestando contra a "guerra cambial", acumulando reservas e subindo o IOF; dessa forma só se conseguem alívios temporários. É a mesma lógica do selo fiscal sendo aplicada, permanecem as distorções na formação da taxa de câmbio.

No crédito, o Brasil tem o segundo pior custo de financiamentos do mundo com os agravantes de que as estatísticas de margens (spreads) não incluem o cartão, as estimativas são feitas usando saldos em vez de novas concessões, há uma instabilidade de taxas e limites que aumenta a inadimplência e os prazos são curtos, agravando a volatilidade. Um despautério, mas insiste-se em soluções que já não deram certo e não darão agora.

A mais recorrente é criticar os bancos, a concentração e seus lucros, algo que dá manchetes, mas não resolve o problema. Outra solução é o anúncio dos bancos públicos baixando o custo do crédito e afirmando que sua concorrência derrubará as margens de crédito. Dá espaço em jornais, mas é mais do mesmo, já foi tentado antes e fracassou. Basta analisar o balanço dessas instituições para avaliar que a capacidade de redução que têm é limitada. Fica a lembrança do Banco Popular do Brasil e o registro de que insistir em estratégias equivocadas só posterga uma solução definitiva.

Medidas para diminuir a cunha bancária afetando a tributação, o compulsório, custos de observância e redução de riscos fazem parte do conjunto de soluções e quando e se ocorrerem, observar-se-á alguma melhoria, mas pequena. É necessário mais para que o país tenha um sistema financeiro eficiente e propulsor do crescimento. Lembrando que outros países conseguem bancos rentáveis e margens expressivamente menores, prova que o Brasil pode. O que fazer?

O mais urgente é começar a focar mais no crescimento da próxima década do que apenas no de 2012. Falta uma política para a indústria, acompanhada de reformas que melhorem sua competitividade e contribuam para sua inserção nas cadeias produtivas globais. O vinho é um exemplo de um setor que pode competir no mundo inteiro, com apoio do governo, conseguirá mais rápido.

É necessário que o mercado de câmbio produtivo, spot, tenha pelo menos a mesma sofisticação que o especulativo. Para que isso aconteça falta um projeto que inclua entre outras medidas a eliminação de regulamentos obsoletos, a livre conversibilidade do real, ações para sua internacionalização e sua inclusão no CLS e contas em moeda estrangeira.

A agenda do crédito é extensa, e inclui alterações nas regras de indexação e tributação, em critérios de precificação estáveis, nas informações ao tomador, no papel do Banco Central, na estrutura prudencial, no relacionamento entre clientes e bancos, na transparência, no cadastro positivo iterativo, em bancarização ativa, em prazos de validade de limites, na criação de um órgão de proteção ao consumidor financeiro e na eliminação das distorções.

As condições estão presentes. Os pontos fracos na economia brasileira, a dinâmica fiscal inconsequente e a solvência externa precária, estão superados, são condições necessárias para crescer, falta apenas a mudança na política econômica para fazer acontecer. Saúde Brasil!

Pano de fundo - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 30/04/12


Os desdobramentos da Operação Monte Carlo reabriram uma guerra nos bastidores entre o Ministério Público e a Polícia Federal. Promotores identificam nos ataques recentes das associações de delegados uma disputa para delimitar competência em investigações. A ideia está exposta na PEC 37/11, que defende que apenas instituições policiais possam investigar crimes.

Alvo das associações, o Conselho Nacional do Ministério Público rebate acusação de corporativismo com a apuração do suposto elo entre o procurador Benedito Torres, irmão do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), com o esquema de Carlinhos Cachoeira.

Olha aqui O conselho resgata, ainda, a demissão do ex-procurador Leonardo Bandarra, na Operação Caixa de Pandora, e suspensão do procurador Vicente Cruz (AM), envolvido na tentativa de assassinato do então procurador Mauro Campbell.

Forca 1 A avaliação geral de quem acompanha os rumos da investigação do "Cachoeiragate" na Câmara é que, dos deputados citados no escândalo, o caso mais complicado é o do tucano Carlos Alberto Leréia (GO).

Forca 2 Além do material coletado nas escutas da Polícia Federal, pesa contra Leréia o vínculo direto com o governador Marconi Perillo (PSDB-GO). Também foram citados nas investigações os deputados Stepan Nercessian (PPS-RJ), Rubens Otoni (PT-GO) e Sandes Júnior (PP-GO).

Ação... Como vacina para apresentar na CPI do Cachoeira, Marconi Perillo mandou levantar todas as multas já aplicadas pelo seu governo à Delta. Desde que assumiu, a empresa já foi autuada em R$ 500 mil por problemas em obras em Goiás.

..preventiva O tucano também quer saber quais são os contratos da empreiteira no governo e em prefeituras administradas pelo PT e pelo PMDB. O volume dos municípios ultrapassa o do Estado.

Mãozinha Antes de assumir a presidência do STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Carlos Ayres Britto ofereceu ao colega Ricardo Lewandowski mais auxiliares para a tarefa de revisar o processo do mensalão. Ministros da corte apostam que o relatório será entregue em maio.

Torcida... Dirigentes da Força Sindical lançaram ontem uma campanha para que o deputado Brizola Neto (PDT-RJ) assuma o Ministério do Trabalho. "Sou Peixe, Paulinho da Força é São Paulo, mas no Ministério do Trabalho somos Brizola Neto com certeza", escreveu no Twitter o secretário-geral da central, João Carlos (Juruna).

...organizada Favorito do Planalto, o deputado enfrenta resistência de parte da bancada na Câmara.

Imagem Além da pressa para nomear o ministro do Trabalho, a presidente Dilma Rousseff fará hoje na TV um pronunciamento pelo Dia do Trabalho, gravado sob supervisão de João Santana.

CEP Fernando Haddad se irritou com uma pegadinha na entrevista que concedeu para o SBT. Questionado sobre para onde deveria escrever caso quisesse mandar uma carta para a Prefeitura de São Paulo, o ex-ministro não soube dizer o endereço.

De olho José Serra demonstra grande interesse na decisão do TSE sobre o PSD. O tucano sabe que desse resultado dependerá a escolha do seu vice, se ligado a Gilberto Kassab ou ao DEM, caso o partido mantenha o tempo no horário eleitoral.

Tiroteio

O PT reencontra seu passado stalinista com a prática de reeditar a história removendo personagens de fotos. Foi o que fez com o ex-ministro da Casa Civil Antonio Palocci.

DO DEPUTADO MARCUS PESTANA (PSDB-MG), sobre a ausência do antigo assessor do governo petista nas imagens do documentário ''Pela Primeira Vez'', que trata da transição do governo Lula para o da presidente Dilma Rousseff.

Cotraponto

Ele & Ela

Ao discursar no mês passado durante entrega do prêmio Bertha Lutz, no Senado Federal, a presidente Dilma Rousseff enumerava parcerias no poder, como a sua com o vice-presidente da República, Michel Temer.

- A Benedita disse que ele deve cuidar de mim. Eu também vou cuidar dele!

Na sequência, citou José Sarney e Marta Suplicy, no Senado, e Marco Maia e Rose de Freitas, na Câmara.

O deputado petista não se conteve:

-Sim, ela cuida de mim lá!

Cálculo eleitoreiro - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 30/04/12


O resultado do cálculo político do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, ao criar seu PSD no ano passado para fugir às restrições da fidelidade partidária, começou a ser examinado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Sem nunca ter passado pelo teste das urnas, a sigla inventada pleiteia para si uma parcela das verbas públicas do Fundo Partidário proporcional a sua numerosa bancada, a quarta maior da Câmara.

Pelas normas em vigor, a fatia do fundo destinada a cada agremiação é função do número de deputados eleitos pelo partido no pleito anterior. Como não disputou a eleição de 2010, o PSD não entraria na divisão do bolo.

A legenda, contudo, pretende que, na prática, a criação de uma nova sigla seja tratada analogamente aos casos de fusão. De acordo com a lei, quando dois partidos deixam de existir para criar um terceiro, os votos obtidos por ambos devem ser somados para cômputo da divisão do Fundo Partidário.

O pedido jurídico faz parte de uma estratégia política. A demanda pelos recursos do fundo não é a pretensão mais importante para a legenda. O verdadeiro objeto de cobiça do PSD é o tempo de propaganda gratuita em rádio e TV

-também proporcional ao tamanho da bancada. Com mais espaço na mídia, a sigla aumentaria seu cacife nas negociações de alianças já para as eleições deste ano.

As regras para dividir entre as legendas esses dois bens públicos são definidas de forma semelhante pela legislação. É razoável concluir que a decisão do TSE sobre o Fundo Partidário se aplicará também à divisão do tempo de TV.

Na semana passada, os sete integrantes do TSE iniciaram a análise da questão. A votação foi interrompida por pedido de vista do ministro José Antonio Dias Toffoli. Estava 2 a 1 a favor do PSD.

O procurador-geral eleitoral, Roberto Gurgel, deu parecer contrário à tese defendida pelo partido de Kassab. Em sua opinião, "apenas as agremiações que disputaram regularmente as eleições gerais (...) podem participar da divisão" do Fundo Partidário.

É desejável que o TSE consagre esse entendimento. O direito aos recursos que saem do bolso do contribuinte deve ser prerrogativa apenas de partidos que já provaram sua capacidade de representar eleitores. Reforçar financeiramente a manobra de Kassab seria estimular novos artifícios para burlar a regra da fidelidade partidária.

Meu Brasil brasileiro - MARCO ANTONIO VILLA

O Estado de S.Paulo - 30/04/12


O Brasil é um país, no mínimo, estranho. Em 1992, depois de grande mobilização nacional e de uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) acompanhada diariamente pela população, o então presidente Fernando Collor de Mello teve o seu mandato cassado. Foi o primeiro presidente da República que teve aprovado um processo de impeachment no País. De acordo com os congressistas, o presidente foi deposto por ter cometidos crimes de responsabilidade. Collor foi acusado de ter articulado com o seu antigo tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, um grande esquema de corrupção que teria arrecado mais de US$ 1 bilhão. Acabou absolvido pelo Supremo Tribunal Federal por falta de provas. Passados 20 anos, o mesmo Fernando Collor, agora como senador por Alagoas, foi indicado por seu partido, o PTB, para compor a CPMI que se propõe a investigar as ações de Carlinhos Cachoeira. Deixou a posição de caça e passou a ser um dos caçadores.

Quem mudou: Collor ou o Brasil? Provavelmente nenhum dos dois. Algo está profundamente errado quando um país não consegue, depois de duas décadas, enfrentar a corrupção. Hoje, diferentemente de 1992, as denúncias de corrupção são muito mais graves. Estão nas entranhas do Estado, em todos os níveis, e em todos os Poderes. Não se trata - o que já era grave - simplesmente de um esquema de corrupção organizado por um grupo marginal do poder, recém-chegado ao primeiro plano da política nacional.

Ao longo dos anos a corrupção foi sendo aperfeiçoada. Até adquiriu status de algo natural, quase que indispensável para governar. Como cabe tudo na definição de presidencialismo de coalizão, não deve causar admiração considerar que a corrupção é indispensável para a governabilidade, garante estabilidade, permite até que o País possa crescer - poderia dizer algum analista de ocasião, da turma das Polianas que infestam o Brasil.

Parodiando Karl Marx, corruptos de todo o Brasil, uni-vos! Essa poderia ser a consigna de algum partido já existente ou a ser fundado. Afinal, a nossa democracia está em crise, mas não é por falta de partidos. É uma constatação óbvia de que o Brasil não tem memória. O jornalista Ivan Lessa escreveu que a cada 15 anos o Brasil esquecia o que tinha acontecido nos últimos 15. Lessa é um otimista incorrigível. O esquecimento é muito - mas muito - mais rápido. É a cada 15 dias. Caso contrário não seria possível imaginar que Fernando Collor estivesse no Senado, presidisse comissões e até indicasse diretores de empresas estatais, como no caso da BR Distribuidora. E mais: que fosse indicado como membro permanente de uma CPMI que visa a apurar atos de corrupção. Indo por esse caminho, não vai causar nenhuma estranheza se o Congresso Nacional revogar o impeachment de 1992 e até fizer uma sessão de desagravo ao ex-presidente. Como estamos no Brasil, é bom não duvidar dessa possibilidade.

Em 1992 muitos imaginavam que o Brasil poderia ser passado a limpo. Ocorreram inúmeros atos públicos, passeatas; manifestos foram redigidos exigindo ética na política. Até surgiu uma "geração de caras-pintadas". Parecia - só parecia - que, após a promulgação da Constituição de 1988 e a primeira eleição direta presidencial - depois de 29 anos -, a tríade estava completa com a queda do presidente acusado de sérios desvios antirrepublicanos. O novo Brasil estaria nascendo e a corrupção, vista como intrínseca à política brasileira, seria considerada algo do passado.

Não é necessário fazer nenhum balanço exaustivo para constatar o óbvio. A derrota - de goleada - dos valores éticos e morais republicanos foi acachapante. Nos últimos 20 anos tivemos inúmeras CPIs. Ficamos indignados ouvindo depoimentos em Brasília com confissões públicas de corrupção. Um publicitário, Duda Mendonça, chegou mesmo a confessar - sem que lhe tivesse sido perguntado - na CPMI do Mensalão que havia recebido numa conta no exterior o pagamento pelos serviços prestados à campanha do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. A bombástica revelação foi recebida por alguns até com naturalidade. O que configurava um crime de responsabilidade, de acordo com a Constituição, além de outros delitos, não gerou, por consequência, nenhum efeito. E, vale recordar, com a concordância bovina - para lembrar Nelson Rodrigues - da oposição.

A aceitação de que política é assim mesmo foi levando à desmoralização da democracia e de seus fundamentos. Hoje vivemos um simulacro de democracia. Ninguém quer falar que o rei está nu. Democracia virou simplesmente sinônimo de realização de eleições, despolitizadas, desinteressadas e com um considerável índice de abstenção (mesmo com o voto obrigatório). Aqui, até as eleições acabaram possibilitando expandir a corrupção.

Na política tradicional, a bandeira da ética é empunhada de forma oportunista, de um grupo contra o outro. Na próxima CPI os papéis podem estar invertidos, sem nenhum problema. É um querendo "pegar" o outro. E muitas vezes o feitiço pode virar contra o feiticeiro.

E as condenações? Quem está cumprindo pena? Quem teve os bens, obtidos ilegalmente, confiscados? Nada. O que vale é o espetáculo, e não o resultado.

O Brasil conseguiu um verdadeiro milagre: descolou a política da economia. O País continua caminhando, com velocidade reduzida, por causa da má gestão política. Mas vai avançando. E por iniciativa dos simples cidadãos que desenvolvem seus negócios e constroem dignamente sua vida. Depois, muito depois, vão chegar o Estado e sua burocracia. Aparentemente para ajudar, mas, como de hábito, para tirar "alguma casquinha", para dizer o mínimo. E a vida segue.

Não vai causar admiração se, em 2032, Demóstenes Torres for indicado pelo seu partido para fazer parte de uma CPI para apurar denúncias de corrupção. É o meu Brasil brasileiro, terra de samba e pandeiro.

A palavra feia - LUIZ FELIPE PONDÉ


FOLHA DE SP - 30/04/12

A primeira causa do impulso eugênico é o fato de que a vida é um escândalo de sofrimento

Anos atrás, tive o prazer de conhecer o filósofo alemão Peter Sloterdijk. Encontrei com ele algumas vezes em sua casa em Karlsruhe, Alemanha.

Partilhamos o gosto pelo charuto cubano, pelo vinho branco em grandes quantidades, pelo frango que sua esposa faz, pela visão trágica de mundo, pela heresia cristã pessimista conhecida por gnosticismo e pela pré-história. E também por usar palavras feias na filosofia e no debate público.

Cheguei a entrevistá-lo para esta Folha duas vezes. Em uma delas, em 1999, a pauta era a acusação que outro filósofo alemão, Jürgen Habermas, fazia a ele de retomar a palavra "eugenia" em solo alemão.

Eugenia quer dizer criar jovens belos, bons e perfeitos. Esta controvérsia chegou até nós e ficou conhecida com o título do livro causador dela, "Regras para o Parque Humano", publicado entre nós pela editora Estação Liberdade. "Parque Humano" aqui significa parque num sentido quase zoológico.

Nesta peça filosófica, Sloterdijk dizia que o projeto eugênico ocidental é filho de Platão ("A República", por exemplo), e que se ele não deu certo nas engenharias político-sociais utópicas modernas, nem na educação formal propriamente, estava dando certo na biotecnologia e nas tecnologias de otimização da saúde.

Alguém duvida que academias de ginástica, consultoras em nutrição, espiritualidades narcísicas ao portador (como a Nova Era e sua salada de budismo, decoração de interiores e física quântica), cirurgias e tratamentos estéticos, checkups anuais, ambulatórios de qualidade de vida, pré-natal genético e interrupção aconselhada da gravidez de fetos indesejáveis sejam eugenia?

E a primeira causa do impulso eugênico é o fato de que a vida é um escândalo de sofrimento, miséria física e mental.

Mas, a reação a Sloterdijk na época não foi propriamente uma negação de seus postulados (difíceis de serem negados), mas sim uma reação pautada pela covardia filosófica e política diante da palavra feia que ele falava.

Esta palavra feia era sua recusa em negar nossa natureza eugênica e a opção contemporânea pós-nazismo por realizar a eugenia no silêncio de uma razão cínica que nega suas motivações morais: tornar a vida perfeita sem dizer que está fazendo isso.

Ao tentar por "na conta do nazismo" a fala de Sloterdijk, Habermas e seus discípulos fugiam do debate, negando a fuga da agonia humana diante do sofrimento via nossa decisão (silenciosa) de tornar a vida perfeita a qualquer custo, mesmo que esta decisão venha empacotada em conceitos baratos como "qualidade de vida", "felicidade interna bruta" ou "direito a autoestima".

Mas, engana-se quem pensar que Sloterdijk está querendo "aliviar" a intenção eugênica ao remetê-la a miséria estrutural da vida. Sloterdijk é um filósofo trágico, e por isso ele parte da aporia (impasse) da condição humana para pensar sua história, sua moral, sua política.

Sua intenção é trazer à luz aquilo que não se quer trazer à luz, ou seja, que nossa cultura e nossa ciência são eugênicas apesar de dizer que não são. A palavra feia aqui é um grito contra o cinismo dos que negam a intenção eugênica.

Mesmo que alguns intelectuais de esquerda tentem afirmar que o projeto político utópico revive nas mãos dos árabes e suas eleições islamitas, ou da crise do Euro, ou de desocupados que ocupam os espaços públicos dos que têm o que fazer, intelectuais estes que se apropriam de modo quase oportunista das constantes crises que acometem o mundo, sejam elas capitalistas, sejam elas de qualquer outra natureza, a verdadeira "esquerda" hoje é a afirmação do direito humano a ser mestre do seu destino através das ciências biotecnológicas e seu inegável impacto sobre as condições imediatas da vida cotidiana: longevidade, cirurgias transformadoras do corpo "original", vacinas, antibióticos, psicofármacos, contraceptivos, Viagras, terapias genéticas preventivas.

Diante do cinismo, Sloterdijk me disse uma vez que nos restava o "terrorismo pedagógico": dizer palavras feias que as pessoas não querem ouvir em seu sono dogmático.

O ovo ou a galinha - GEORGE VIDOR

O GLOBO - 30/04/12

Inflação não desaparece só por mágica. A mudança de moeda, precedida pela URV, foi importantíssima para o sucesso do real, mas na prática a inflação permaneceu baixa porque houve uma segunda troca (e não mais um truque). Trocou-se inflação por endividamento público e privado, turbinado por elevadas taxas de juros. Para estancar esse processo, as finanças governamentais passaram por um longo ajuste.

A dúvida atual é se o envidamento público já está em um patamar que possibilita cortes nas taxas de juros ou se esse tipo de iniciativa significará uma "destroca" por mais inflação. Juros mais baixos facilitariam o crédito e a demanda por bens e serviços. Como o crédito amplia o número de potenciais compradores de imóveis, os preços das casas e apartamentos tenderiam a subir, por exemplo.

Mas sabe-se também que a oferta é função da demanda (economistas clássicos acreditavam que era o inverso), e quando o mercado atinge um determinado tamanho, a produção, por outro lado, ganha escala e mais ritmo, com considerável redução de custos. A história econômica dos Estados Unidos confirmaria essa tese.

No Brasil, tal discussão ainda está na fase do que vem primeiro, se o ovo ou a galinha. Mas se não aproveitarmos momentos favoráveis (janelas de oportunidades, como gostam de dizer os próprios economistas), jamais saberemos a resposta. É mais uma razão para justificar o corte dos juros promovido pelo Banco Central e a tentativa de que esse movimento se estenda às taxas cobradas pelo sistema bancário.

Levantamento que a área de pesquisa econômica do BNDES realiza regularmente para avaliar as perspectivas de investimento nas principais áreas da indústria apontou um dado curioso, mas não surpreendente, para o período 2012- 2015: cerca de 59% dos recursos previstos para o setor estarão relacionados ao segmento de óleo e gás. A mineração também se destaca, com 10% (embora tenha havido uma redução, pois antes correspondia a 15%), e a indústria automotiva, com outros 10%. O levantamento do banco constatou que mesmo áreas problemáticas, como a têxtil e de confecções, continuarão investindo. Em contrapartida, investimentos em siderurgia devem encolher. Na média, o investimento industrial crescerá mais que o Produto Interno Bruto (PIB) no período, o que é uma previsão alentadora.

O governador Anastasía tem hoje muitas de suas atenções voltadas para o Norte de Minas Gerais, pois considera que essa grande região, com 15% da população, ainda está econômica e socialmente muito distante dos patamares alcançados pelas áreas centrais e do Sul do estado. Com um território equivalente ou maior que o de muitos países, Minas Gerais é um dos estados brasileiros com acentuadas diferenças de renda e infraestrutura entre suas próprias regiões.

Por isso, Anastasía diz ter enorme satisfação quando inaugura indústrias em cidades do Norte de Minas, como a da Caterpillar, em Montes Claros. Uma das angústias do governador é a situação das estradas federais no estado. Apenas a Fernão Dias, que liga Belo Horizonte a São Paulo, está integralmente sob concessão; no caso da BR-040, somente um pequeno trecho, da divisa com o Estado do Rio até Juiz de Fora, tem pedágio.

As demais alternam trechos com obras de recuperação e outros em condições ruins ou péssimas.

O diesel S-50 chegou às bombas dos postos de serviço muito mais caro do que o previsto inicialmente.

Em vez de R$ 0,03 por litro, como se imaginava, a diferença tem passado de R$ 0,10, atingindo R$ 0,13, às vezes. Por essa razão, os caminhoneiros ainda estão preferindo adquirir veículos de padrão mais antigo (Euro 3) que estão nos estoques das revendedoras.

Desde o dia 31 de março, as montadoras são obrigadas a produzir caminhões com motores mais avançados (padrão Euro 5), que só podem utilizar o diesel S-50, bem menos poluente.

Por enquanto, o S-50 está encalhando nos postos escolhidos para revendê-lo.

Consta que alguns postos até tiveram de devolver o produto para distribuidoras porque o diesel estava passando do prazo de validade.

A venda do diesel metropolitano (S-500) agora é obrigatória nas capitais do país, mas em cidades do interior ainda é consumido o velho diesel, mais barato.

Tem caminhoneiro que prefere se deslocar vinte ou trinta quilômetros só para se abastecer. É que a diferença de preço no abastecimento de um tanque pode corresponder a uma diária do motorista, o que é relevante.

A propósito, os proprietários de postos de serviço não andam nada satisfeitos com a qualidade do Biodiesel: reclamam de borra acumulada nos tanques de armazenagem e da oxidação de equipamentos usados no abastecimento dos veículos.

Por isso, nem querem ouvir falar de uma elevação na percentagem de mistura dos atuais 5% para 7% ou 10%, como tem sido cogitado. Antes disso, acham que a qualidade do Biodiesel precisa melhorar.

Não conhecia o litoral alagoano.

De fato faz juz à boa fama. E o interessante é que alguns dos seus trechos (como o da região de São Miguel dos Milagres) ainda são bem tranquilos, com número relativamente pequeno de visitantes. São Miguel fica a pouco mais de 90 quilômetros de Maceió (duas horas de carro), e é uma das sedes do projeto de preservação do peixe-boi.

Para se chegar lá, passa-se por uma zona produtora de cana-de-açúcar, principal atividade econômica de Alagoas. Em breve, no meu blog (www.oglobo.com.br/ blogs) darei algumas sugestões para quem pretende conhecer essa paradisíaca região.