quarta-feira, fevereiro 15, 2012

O que fez o BC mudar de estratégia - CRISTIANO ROMERO


Valor Econômico - 15/02/12


Como parte do esforço para suavizar os impactos cambial e monetário dos fortes fluxos de divisas que o Brasil tem recebido, o Banco Central (BC) deve acelerar nas próximas semanas e meses o processo de acumulação de reservas internacionais. Em 2011, o volume de reservas cresceu 22% (US$ 63 bilhões), mas está praticamente estacionado desde agosto, quando chegou a US$ 353,3 bilhões. No dia 13 deste mês, estava em US$ 355 bilhões.

As reservas cambiais brasileiras equivalem hoje a 15% do Produto Interno Bruto (PIB), nível considerado "moderado" pelas autoridades. Por isso, o governo avalia que há espaço para aumento, mediante absorção dos fluxos por meio de intervenções esterilizadas, como o BC vem fazendo há nove anos e, de forma mais intensa, desde 2006.

A acumulação de reservas é apenas uma das respostas do país ao momento vivido pela economia internacional. Medidas de caráter macroprudencial também serão adotadas para evitar a exposição excessiva de empresas brasileiras a dívidas em dólar e também para controlar a expansão de crédito no mercado interno, decorrente de funding externo.

País vai conviver com fluxos fortes de capitais por três anos

O governo acredita que, de dezembro para cá, houve mudanças no cenário internacional que o obrigam a recalibrar a política econômica. A economia mundial, especialmente os países desenvolvidos, deverá crescer pouco, mas conviverá com ampla liquidez nos próximos três anos. Em 2012, o PIB global avançará menos do que em 2011, possivelmente haverá crescimento negativo em alguns países da zona do euro, mas o risco de um evento extremo, como a quebra de um banco privado ou o calote de um governo europeu, diminuiu nos últimos dois meses.

O perigo de um evento bancário na Europa reduziu-se depois que o Banco Central Europeu (BCE) decidiu oferecer aos bancos da região empréstimos de três anos a juro baixíssimo (1% ao ano). Embora a operação tenha sido recebida com ceticismo, 523 bancos tomaram € 489 bilhões. Depois de compreendida, acalmou os mercados, que estavam preocupados com o fato de os bancos terem em suas carteiras bilhões de euros em títulos de governos europeus.

O sucesso da operação levou o presidente do BCE, Mario Draghi, a planejar, para 29 de fevereiro, nova oferta de crédito barato. A expectativa é que a demanda, desta vez, seja duas vezes maior que a de dezembro. Ao oferecer funding para os bancos, o BCE eliminou a ideia de que banco pode quebrar. Indiretamente, facilitou a rolagem das dívidas dos países europeus.

A iniciativa do BCE não solucionou definitivamente a crise europeia, mas deu fôlego de três anos para que a zona do euro enfrente seus problemas fiscais e volte a ter credibilidade. Em outra frente, o Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, estendeu de meados de 2013 para o fim de 2014 o período de manutenção de sua taxa de juros na mínima histórica. As medidas aumentam a liquidez e, aliadas ao fato de a economia americana ter começado a dar sinais de vitalidade, diminuem a aversão dos investidores a risco, o que direciona os fluxos de capitais a economias como a brasileira.

O governo avalia que, no horizonte do mandato da presidente Dilma Rousseff, o país conviverá, portanto, com fluxos de capitais abundantes. "O Brasil continua sendo uma área de atração de recursos por causa do diferencial de crescimento, da qualidade das políticas macroeconômicas e da estabilidade política. Hoje, no mercado internacional, é muito mais comparado com a China do que com seus vizinhos na América Latina", observa uma fonte oficial.

Uma boa parte dos fluxos externos é bem-vinda. Contribuirá, por exemplo, para financiar a expansão dos investimentos em infraestrutura e o aumento da capacidade produtiva da economia. "Vamos ter que absorver uma parte dessa poupança externa", diz um assessor.

A aposta em Brasília é que, nesse ambiente de crescimento menor da economia mundial em 2012, não se avista pressão inflacionária, como ocorreu nos últimos dois anos. O risco vem da expansão do crédito doméstico a partir dos fluxos de capital barato, mas, para enfrentar isso, o BC dispõe de instrumentos, como as medidas macroprudenciais.

Essa visão explica a crença do BC, expressa na última ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), de que é possível continuar reduzindo a taxa básica de juros (Selic), de forma a levá-la a um dígito - hoje, está em 10,5% ao ano. Trata-se de uma mudança em relação à principal mensagem do Relatório de Inflação divulgado em dezembro - a de que, em breve, a Selic não seria mais reduzida.

"Agora as economias estão numa situação diferente da que estavam no início de 2011. As emergentes estavam crescendo a um ritmo muito acelerado, todas enfrentando uma pressão inflacionária forte, tinha acabado de ocorrer aquele choque de commodities no segundo semestre de 2010, a economia brasileira estava trabalhando perto do limite", explica um economista do governo. "O que ocorreu de lá para cá foi que a produção industrial andou de lado não só no Brasil. Houve um recuo da inflação, ainda que não tenha sido a patamares de outros países, mas teve um recuo forte, então, você está numa outra direção cíclica."

O risco da estratégia do governo está nas expectativas dos agentes econômicos. No último trimestre, elas estavam convergindo, ainda que lentamente, para algo mais próximo das projeções do BC. O problema é que, se os agentes acharem que o governo vai reduzir os juros a qualquer preço, é possível que haja nova deterioração, embora ela ainda não esteja ocorrendo. Se houver, contribuirá para aumentar a inflação.

O governo concorda que há um caminho a percorrer nessa área. Acredita, porém, que a queda da inflação, como vem ocorrendo desde outubro, deve ajudar a convergir as expectativas. "Tivemos inflação de 6,20% nos 12 meses até janeiro [frente a 6,5% até dezembro]; o IGP está correndo na faixa entre 3% e 4%, sendo que fechou 2011 a 5%", explica uma fonte. "Estamos certamente num ambiente menos inflacionário."

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