quinta-feira, novembro 17, 2011

Quedas em série - MIRIAM LEITÃO



O GLOBO - 17/11/11


A crise europeia já derrubou os governos de Portugal, Itália, Espanha, Irlanda, dois primeiros-ministros gregos, pode influenciar na eleição francesa e já provocou derrotas políticas de Angela Merkel, da Alemanha. Os governos técnicos da Grécia e da Itália não têm varinha de condão. Até sexta-feira, Mario Monti terá que ter a aprovação do Parlamento para o novo governo italiano.

Política e economia andam colados. Não há cor predominante entre vencedores. Se o governo é conservador, ganha a esquerda; se é esquerda, ganha o conservador. O que o eleitor pede é uma nova tentativa do grupo oposto. Em janeiro, caiu o governo de Brian Cowen na Irlanda. Simplesmente entrou em colapso com a renúncia sucessiva de ministros. Em Portugal, renunciou José Sócrates. Na Espanha, o primeiro-ministro José Luiz Zapatero teve que deixar o governo. Na Grécia, caiu primeiro o governo conservador que tinha manipulado dados das contas públicas para esconder déficit e dívida. O governo socialista de George Papandreau apareceu como alternativa salvadora. Teve o mérito de tirar os esqueletos fiscais de dentro do armário e o que se viu foi assustador: dívida de 150% do PIB e déficit acima de 10%. Mas, sem capacidade de resolver o assunto, caiu também. Na Itália, Silvio Berlusconi sobreviveu a todo o tipo de denúncia de comportamento grotesco, mas não à crise que eleva o custo da dívida italiana.

Quando a economia entra em dificuldades desse tamanho, a política vai para a berlinda. Em Portugal, em março, depois de seis anos no governo, o primeiro-ministro José Sócrates renunciou. O gesto foi consequência direta da crise e do fato de que o quarto programa de estabilidade financeira foi recusado pelo Parlamento. Na Espanha, em julho, o presidente do Conselho de Ministros, José Luis Zapatero, socialista, avisou que anteciparia para este 20 de novembro a eleição que encerraria seu período no poder, que começou em 2004. A previsão é que a oposição conservadora ganhará a eleição. O novo governo assumirá no começo do ano, mas os problemas se acumulam no alto desemprego e juros cada vez mais elevados cobrados pelos bancos para rolar a dívida espanhola.

Nos últimos dias caíram os governos de Silvio Berlusconi, na Itália, e George Papandreau, na Grécia. O movimento na Itália, com Mario Monti escolhido para liderar o governo, e na Grécia, com Lucas Papademos, é o mesmo: escolher economistas, técnicos, com ligação com a União Europeia para comandar novos governos. Monti montou um gabinete sem políticos e será também ministro da Fazenda. Papademos ontem conseguiu um forte apoio do Parlamento grego para o seu governo.

É ilusão achar que técnicos resolverão tudo que os políticos não conseguiram. Eles podem ser bem sucedidos mas nenhum governo parlamentar consegue se sustentar só com técnicos, é preciso composição com as forças políticas e, mais importante, convencer a população das medidas a serem tomadas.

A crise é a mais grave já vivida pela Europa desde o fim da Segunda Guerra. Não está restrita a um país, é de todo o bloco, indo além dos que usam o euro como moeda. As medidas serão dolorosas e controversas, o que indica que mais instabilidade política varrerá a Europa antes do fim do problema.

Crises bancárias são agudas, crises fiscais, crônicas. A da Europa é fiscal, o que quer dizer que demorará muito a chegar ao fim. A Europa pode ter anos de baixo crescimento, com desemprego em alta, oscilando entre culpar ora a esquerda, ora a direita, e alimentando o ressentimento contra os imigrantes.

Há quem considere que a culpa é do mercado financeiro. Desregulado, ele é um produtor de crises e tem desestabilizado governos e países com um jogo conhecido: cobra cada vez mais juros para rolar dívida dos governos e os países vão se afundando cada vez mais. Há quem considere que a culpa é dos governos, que gastaram demais, são até hoje perdulários em alguns programas sociais que beneficiam não os pobres, mas a classe média, endividaram-se demais na ilusão de que o euro dera a eles a pedra filosofal da rolagem barata da dívida. As duas críticas têm razão. Os governos gastaram demais e fizeram dívidas insustentáveis; os mercados continuam sendo focos de crise e desestabilização, e os bancos continuam sendo socorridos sem correção dos problemas.

Os governos técnicos de Monti e Papademus darão certo dependendo da capacidade de articular programas tecnicamente sólidos e politicamente aceitáveis. Não são mágicos por serem técnicos. Enfrentarão os mesmos dilemas e impasses que os antecessores. O mundo fica melhor sem Berlusconi no comando da Itália, por motivos que vão do uso abusivo de seus veículos de comunicação até às acusações de sexo pago com menores de idade, mas Monti terá que vencer várias batalhas. A primeira será receber o apoio do Parlamento para o gabinete.

Mas a pergunta ainda não respondida é se o euro sobreviverá à crise. Os líderes da Europa não mostraram que sabem que estão encurralados. Precisam ter uma mapa do caminho para sair da crise numa área que tem um sistema monetário único para países de regimes fiscais diferenciados. Não pensar no cenário de crise foi o pecado inicial dos arquitetos da Zona do Euro.

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