quarta-feira, novembro 02, 2011

GILLES LAPOUGE - Devíamos ter desconfiado



Devíamos ter desconfiado
GILLES LAPOUGE 
O Estado de S.Paulo - 02/11/11

Ah, esses gregos! Mas estão completamente loucos! O que está acontecendo com Papandreou? Afinal, todos se unem, os países do bloco europeu, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a China, o Brasil, para impedir que a Grécia afunde. Merkel chegou a despachar um salva-vidas. Sarkozy mergulhou dez vezes para arrancá-la do abismo pelos fundilhos. Os bancos aceitaram abrir mão de 50% do dinheiro devido pela Grécia. Uma soma de 8 bilhões foi desbloqueada para permitir que o governo de Atenas pague seus funcionários. Além disso, receberá uma ajuda de 130 bilhões.

Todo o mundo estava feliz. Finalmente, o perigo do Apocalipse tinha sido afastado. Pela décima vez, a Grécia tinha sido salva e, ao mesmo tempo, a zona do euro. Sarkozy exibia sua força, dizia que o mais forte é ele. Merkel pediu ao seu Bundestag que concordasse em ajudar este pequeno país amável, porém preguiçoso.

E o que foi que Papandreou fez? Sem sequer prevenir seus salvadores, anunciou que submeterá o plano europeu a um referendo, em janeiro.

Trata-se de uma jogada extremamente arriscada. Em Paris, o governo vacilava entre a depressão nervosa e a cólera.

Sarkozy reuniu vários dos seus ministros e especialistas: esbravejou, fulminou, a fumaça saindo pelas narinas. Como são ingratos os gregos! E vejam o que aconteceu com as bolsas! Já tinham sido estabilizadas, na semana passada, justamente com o plano grego, mas ontem pela manhã, o índice da Bolsa de Paris perdeu 5%. Os bancos franceses despencaram de 10% a 12%.

Todos trataram de se tranquilizar. Talvez os gregos respondam "sim" ao referendo e, neste caso, Papandreou terá feito a jogada certa. A Grécia e o euro sairão ganhando. Mas os pessimistas são mais numerosos. Não só as pesquisas de opinião anunciam que Papandreou perderá por 60%, como, além disso, os gregos continuam com os tumultos cotidianos que não são um bom presságio. Outras vozes ainda mais numerosas acrescentam: "Compreendemos perfeitamente os gregos. Sarkozy e Merkel vão salvá-los, sem dúvida, mas também os obrigarão a tomar cada remédio amargo que, no dia em que se curarem, eles estarão mortos".

O referendo será realizado em janeiro ou fevereiro. Como é que os gregos aguentarão até lá? O que fará Atenas sem os 8 bilhões de ajuda de urgência? Como os bancos franceses e alemães aceitarão cancelar a metade de seus créditos se os gregos decidirem dar o calote? E o Bundestag de Berlim, que já hesitava em votar em favor de uma ajuda suplementar a este país do "Club Med", será que vai rejeitar o projeto? Claro. Até fevereiro, o plano Sarkozy-Merkel, que já era acrobático, mal ajambrado, ineficaz, afundará. Hoje então, ele se torna irreal.

Devíamos ter desconfiado. Os gregos já vinham nos prevenindo há muito tempo. O herói preferido de sua história, Ulisses, mentia com a mesma facilidade com que respirava depois da Guerra de Troia. Eles têm até uma deusa, Métis, mulher de Zeus e mãe de Atena, mestra dos estratagemas. E o rei dos deuses, ele mesmo, Zeus, acaso não era um espertalhão? Passava o tempo enganando a mulher com as ninfas, novilhas e todo tipo de donzelas. Seu deus Hermes é o "deus dos ladrões".

Como se não bastasse, amanhã e sexta-feira, se reunirá em Cannes a Cúpula do G-20 que consagrará a glória de Nicolas Sarkozy.

Paralelamente, se realizará outra cúpula, a dos que combatem a globalização, não muito longe de Cannes, em Nice. O que estes terão para contar, considerando que, em geral, são gente descabelada, descuidada e irresponsável? Na realidade, os deuses gregos não se mostram muito bondosos com Nicolas Sarkozy.

Nem com a Europa. E com o euro, menos ainda. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

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